Desde pequenina circulo pelo universo masculino, mundo secreto, cheio de surpreendentes mistérios, sempre a me atrair. Mas não o suficiente para desvendá-los, uma vez que, assim, perderiam beleza. Minha opção foi despejar neles minha mulheridade, em diálogo amoroso. Nunca pensei em competição ou igualdade. Não creio que sejamos iguais, homens e mulheres. Nosso mundo úmido também tem seus deliciosos mistérios, que jamais poderão ser conhecidos pelo homem. São perspectivas diferentes e absurdamente belas, cada uma com suas especificidades.
Minha entrada nesse mundo masculino se deu pelo futebol. Em casa, pai e mãe eram aficionados. Menina ainda, meus domingos eram passados no estádio, acompanhando as partidas do velho Internacional de São Borja. Momento sagrado. O que nunca inviabilizou as brincadeiras com bonecas e panelinhas. Futebol era para ver, no estupor da beleza do drible, da magia do gol. Ao mesmo tempo eu dava a esse mundo masculino minha risada cristalina em momentos de tensão, e aquela capacidade de torcer tanto pelo Internacional quanto pelo Cruzeiro, porque o que era bonito era o jogo mesmo. Os garotos não entendiam, mas aceitavam. Na rua de casa, as brincadeiras mais apaixonantes eram os campeonatos de bolita, reduto dos meninos. Gostava de me meter, apesar dos protestos. E, enquanto os companheiros se aprimoravam nas técnicas, eu falava da cor das bolinhas e colecionava as mais bonitas. Uma pitada de estética na brincadeira popular.
Quando comecei a trabalhar na televisão esse também era um mundo masculino. Estar ali tinha dois significados: ou se atuava como homem, na disputa, na conquista, no jeito de fazer as coisas, ou era vista como vagabunda, por andar sempre metida com a rapaziada. A “tradicional família brasileira” não acreditava que uma mulher pudesse viver no mundo dos “machos”, sem se “perder”. Procurei fazer outro caminho: nem macho, nem vagabunda, apenas uma mulher vivendo num universo diferente, o qual respeitava e amava. Partilhava dos jogos de futebol, ia às mesmas boates, acompanhava nos bares, na cerveja. E, nesses momentos tão particulares do gênero, me atrevia a despejar uma ou outra gota de mulheridade, para que eles também vislumbrassem o meu universo, conhecendo e respeitando.
Assim, em meio a acalorados debates sobre o grenal, falávamos também de cores de esmalte e de pontas duplas. Tudo sem que o nível da conversa fosse tripudiado. Nos balcões de boteco, ouvia os absurdos que diziam sobre as mulheres e apontava novas perspectivas. Muitos deles mudaram sua maneira de pensar. Alguns iam comigo fazer compras, e opinavam sobre cores e modelos de roupas. Dois universos conversando, sem competição. Muito aprendi sobre o mundo masculino e muito ensinei sobre mulheridade. Nunca acreditei que falar de moda ou de cabelo nos definisse, assim como coçar as bolas e dizer sacanagem não define o homem. As coisas são muito mais complexas.
O que aprendi nessa caminhada é que há momentos, absolutamente singulares, que são dos homens. Não podemos e nem devemos entrar. Assim como há outros que são nossos, femininos, incognoscíveis para os homens, os quais também não podem nem devem ser compartilhados. Isso não significa que sejamos melhores ou piores. É só o desfrute de um mistério, único, perfeito, de homem e de mulher. Acredito ainda que esse secreto ponto pode ser conhecido pelo humano, independentemente do sexo. O que nos faz conhecer a chave de entrada do universo masculino não é o pênis, assim como a chave para o mundo feminino não é a vagina. É o mistério. E que assim continue! E que se respeitem aqueles seres que, conhecendo os segredos, optam por um desses mundos. Porque, afinal, a melhor coisa desse presente que é a vida, é que a gente possa vivê-la com toda a intensidade, buscando as gotas de felicidade que se pode colher aqui e ali.
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