domingo, 21 de setembro de 2008

Nasceu mais um Tupac Amaru

Era sábado e eu não esperava. Não sei bem do tempo dos bichos e era a primeira vez que eu tinha comigo uma gata preste a ter bebês. Estava em cima da cama, dormitando, tranqüila, tendo ao seu lado um irmão, que lhe abraçava e acarinhava. Agora sei que ele pressentia. Num repente ouvi seu grito e sem mais delongas sai de dentro dela uma coisinha ínfima envolta em placenta. Ela virou-se, encostou o nariz no gatinho e emitiu um uivo, cheio de lamento. Ele estava morto. Pouco depois, outro grito de dor, e então saiu outro, este já fora da placenta e respirando. Ela nem gemeu. Meticulosa, iniciou o ritual de limpeza com a língua e, em segundos, o bichinho estava limpinho e aconchegado no seu regaço.

Notei que ela não se preocupou mais com o primeiro gatinho que havia nascido morto. Tinha ali uma vida que precisava de cuidados e, aquele, não estava mais. Sábia decisão. Enrolamos a mãe e o recém nascido numa toalha limpa e o levamos para um outro canto da casa, afinal, ela havia dado a luz bem em cima da cama. Mas, desconhecendo as coisas dos bichos, não notei que ainda faltavam sair mais um. E, depois de umas horas lá veio ele. Também envolto em placenta e igualmente morto. De novo, ouvimos o uivo de dor.

Passados alguns minutos, vimos passar Juana Azurduy com seu filhote na boca. Lépida, ela o carregava escada acima para a mesma cama onde ele havia nascido. Recusava o outro canto, as toalhas, o cobertor. Queria o lugar primeiro e não abria mão. Ali ficou com seu filho, estendida e orgulhosa. Ele, feito um ratinho, ainda sem abrir os olhos se arrasta pelo lençol. E ela, tal qual a Juana que lhe empresta o nome, vigia sua cria, com os olhos bem abertos. Vez em quando o irmão de Juana, Zumbi dos Palmares, sobe na cama e lambe o sobrinho. Depois se encosta à irmã e a abraça delicadamente. O pai, Zé Pequeno, apareceu na hora em que ela deu a luz. Ouviu o grito e veio, ficou olhando de longe e, ao ver que pelo menos um estava bem, desceu tranqüilo. É bonito ver que é o irmãozinho quem protege.

Agora, enquanto escrevo, ouço os gritinhos do filhote, a quem chamamos de Tupac Amaru II, em homenagem ao seu avô Tupac Amaru, que um belo dia sumiu daqui para nunca mais voltar. Fico a pensar que os bichos são seres incríveis que nos ensinam sobre o cuidado com a vida, com a morte, com o amor. Porque, sem quê nem porquê, os bichos da casa fazem procissão até o quarto para ver Tupaquinho. Até o cachorro, Steve Biko, já saudou o novo vivente, lambendo-o devagar, sem oprimi-lo com suas patas graúdas. Zé Pequeno, Bolívar e Zumbi se revezam junto a Juana, que assume ares de matrona. A casa está assim. Cheia de felicidade. Que coisa mais boa!

Um comentário:

Rubens Lopes disse...

De repente fui tomado por uma alegria misturada a uma pitada de nostalgia, quando li sobre o nascimento de Tupac Amaru II, penso que por ser uma metáfora que mora em mim.
Rubem Alves, já disse sobre a sabedoria dos animais, uma sabedoria silenciosa que nasce e mora dentro deles. E também fico a pensar que seríamos mais inteiros se aprendessemos com São Francisco de Assis, o sermão dos animais, ou termos uma lição de sensibilidade com Nietzsche que chorava abraçando os cavalos, esse seres que conservam a natural nobreza.
Assim que a alegria que veio,com esta criaturinha que abre seus olhos para contemplar as belezas deste mundo e respira o primeiro vento de sua vida, floresça junto com a primavera...

Abraços ternos a todos.
Rubens Lopes S. Souza