sexta-feira, 8 de maio de 2020

O novo normal na universidade


Está rolando nas internas da UFSC - e provavelmente nas demais instituições federais também  - um debate sobre como será a vida universitária nisso que se está nominando de “novo normal”, ou seja, um mundo com a ameaça do coronavírus, com isolamento social, que pode se estender até por mais de dois anos. A proposta que mais tem recebido adeptos é a do Ensino à Distância. Boa parte dos professores que se manifesta acredita que hoje a tecnologia oferece dezenas de plataformas e programas capazes de atender com qualidade aos alunos. Até aí, tudo certo. É uma verdade incontestável. 

O que parece que não entra na cabeça desses colegas é o fato de que milhares de estudantes universitários não têm acesso à internet de qualidade. Quando muito têm as redes sociais gratuitas, oferecidas pelas operadoras de celular. Como esses estudantes irão acessar as plataformas? Não bastasse isso, os estudantes que estão no campo dos empobrecidos precisam garantir a sobrevivência, como lembrou o professor Jaime Hillesheim, do Curso de Serviço Social, em contundente depoimento: 

“Fico pensando na realidade de nossos estudantes que moram nas periferias que, apesar da regra de isolamento, precisam dar um jeito para conseguir algum recurso para se manterem e a suas famílias. E, em face dessas necessidades, colocam em risco a si mesmos e os seus. Que condições têm eles de estudar num contexto como esse, independentemente da modalidade de ensino? Nem nós e nem os estudantes estamos preparados para esse "novo normal" e, tanto uns quanto outros, nem sempre contam com as condições objetivas para responder as demandas do processo ensino-aprendizagem que esse tempo de pandemia nos impõe. Isso não significa dizer que não poderemos construir as habilidades e competências necessárias para respondê-las, mas ainda nos restará sanar os problemas relacionados às condições objetivas para a implementação de uma proposta de ensino intermediário. Não é possível avançar em qualquer proposta se essas duas questões essenciais (existem outras) não forem enfrentadas com prioridade”.

Esse tema levantado por Jaime é o essencial e é justamente o que parece completamente esquecido na concepção dos demais colegas. Afinal, nas universidades públicas e na UFSC em particular, mais de 50% dos estudantes tem renda mensal familiar baixa. E isso não é só um número, é uma lista de gente com nome, sobrenome e história. 

Definitivamente o tal do novo normal tenderá a ser ainda mais excludente que o que já existe. Basta lembrar que o governo federal decidiu manter o Exame Nacional do Ensino Médio que garante algumas vagas nas universidades. A propaganda que já circula é de uma perversidade sem fim. Jovens bem nutridos dizendo: estude, estude como puder, nos livros, na internet, como puder. Ora, como puder? Quais as condições de disputa que podem ter os estudantes de escolas públicas, moradores das periferias desse brasilzão, que não têm acesso à internet nem a bibliotecas. Em que mundo vivem essas pessoas? Fácil. No mundo capitalista. Esse mundo que cria empobrecidos para que sejam explorados. Esse mundo que não está nem aí para os que não fazem parte do 1% de sua laia.  Por isso a completa incapacidade de perceber a realidade dos que conformam a maioria. Que morram, que permaneçam ignorantes, que se explodam. 

Assim que para quem acreditava que o mundo renasceria melhor da pandemia, as evidências apontam para o contrário. A crise econômica que já vinha se expressando será aprofundada, a desigualdade aumentará o abismo e menos gente estará em condições de fazer um curso superior. Talvez seja por se adequar acriticamente a esse cenário possível que alguns professores já estejam buscando alternativas de ensino que só serão exequíveis para um grupo muito pequenos de pessoas. 

É muito importante reafirmar que o problema não é a existência ou não de tecnologias capazes de serem utilizadas em ensino remoto. O tema a discutir é: em que condições uma pessoa poderá estudar, mesmo tendo acesso à internet? Como estudar numa casa cheia de gente que demanda atenção? Como estudar em casa se o cotidiano fica cobrando a cada minuto a limpeza, o almoço, a janta, o cuidado com os velhos, com as crianças, com os bichos. Ei, professores, as pessoas vivem.

A educação, penso eu, é um ato de entrega no qual educando e educador se encontram e discutem com total atenção. Um momento em que um e outro precisam estar focados e comprometidos. Um momento de diálogo, de comunhão. Ah, mas isso é utopia ou palavreado romântico! Não, isso deveria ser o ideal. Para todos, e não apenas para os que nascem em melhores condições econômicas. 

O ensino à distância pode ser uma boa opção? Pode! Mas, antes há que se pensar nas condições em que esse ensino será recebido. Sem isso, estaremos promovendo ainda mais exclusão. 

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