Minha formação é cristã, mas eu, ao longo do caminho fui
desbravando outros caminhos da fé. Ainda assim, algumas coisas ficam
impregnadas na alma. Minha mãe tinha por prática ir, todos os sábados, à missa
das sete na igreja matriz de São Borja. Ele entrava, e nós ficávamos com o pai,
passeando na praça, ou dando uma volta pelo Passo. Mãe nunca obrigou a
seguirmos sua fé, daí essa opção pagã enquanto ela rezava. Mas, havia também a
missa na capelinha do hospital, próximo à nossa casa, no sábado à tarde. A
gente ia e curtia, porque era uma missa diferente. O padre instigava as pessoas
a falar e fazia interpretações bem diferentes dos textos dos evangelistas. Era
criativo e prazeroso.
Uma das interpretações que mais me marcou ao longo da vida foi a do bom samaritano. O cara que levanta o homem caído na estrada para
Jericó, e o leva a uma estalagem para que seja cuidado. Varias pessoas haviam
passado, mas só aquele homem da Samaria teve compaixão. A estrada, uma das mais
perigosas da região, era cheia de ladrões e as pessoas temiam umas às outras.
Mas o samaritano não temeu. Enquanto as pessoas pensavam “O que poderá me
acontecer?”, aquele homem pensou: “o que poderá lhe acontecer?” Então,
generoso, o transportou até um lugar seguro.
Essa é a postura que persigo desde então. O sentimento sobre
o outro, caído. O que poderá lhe
acontecer? E nessa aflição, estender a mão, cuidar, acolher, independentemente
dos riscos.
Não vi os vídeos sobre o tal ator que teve uma recaída e foi
filmado na queda. Mas acabei lendo alguns comentários na rede. De doer. Há os
que comparam os caídos da cracolândia com o atorzinho branco e rico,
tripudiando do segundo. Há os que condenam. Há os que fazem chacota. Há de
tudo. Desde a maldade mais pura até a hipocrisia mais fecunda. O ser humano na
sua face mais vil. De fato, ali estava um ser humano em escombros, tenha ele a
cor que for. Assim como estão em escombros os negros pobres da cracolândia.
Unificados na dor e na condição de ser um ser perdido nesse doloroso mundo
capitalista.
“O ser humano é a pior pessoa que existe”, dizia, brincando
um amigo meu. E outro amigo, o Danilo, é o primeiro a bramir o dedo, negando
isso. Não. Não é que o humano é ruim. São as condições históricas que o fazem
assim. É o modo capitalista de produção que torna o humano egoísta, insensível,
competitivo, invejoso, desprovido de compaixão. Afinal, nesse sistema, para que
um viva, outro precisa morrer. Então, o pensamento da maioria é simplista: se
um tem que morrer, que seja o outro. E aí, vale tudo.
E essa máxima é bombardeada o tempo todo pela indústria
cultural. No cinema, na televisão, nos livros, em tudo. Basta pensar que um
programa como o Big Brother está no ar há quase 20 anos. E que sua lição fundamental
é basicamente a possibilidade de eliminar o outro. Ah, não gostei da risada
dela: elimina. Não gostei do cabelo: elimina. Não gostei que ele disse:
elimina. E as pessoas, milhões e milhões – já houve pico de 35 milhões – gastam
dinheiro para eliminar o outro. É chocante. Mas, ainda que chocante, é a
realidade cotidiana. Assim o sistema capitalista nos ensina fazer. Sempre
eliminando o outro, o diferente, o desigual, o que nos ameaça, o que nos
obscurece.
Eu prefiro seguir como o homem da Samaria ou mesmo como El
Che, que dizia que enquanto houver uma pessoa injustiçada no mundo, temos de
ser companheiros. Pois é. Pode ser branco, pode ser preto, azul, vermelho,
amarelo. Pode ser rico ou pobre. Mas se tiver caído, fragilizado, oprimido, o
melhor a fazer é levantá-lo, levar à estalagem e deixar protegido. Mesmo que
seja um inimigo.
Lembro Fidel Castro que criticou as secretárias que vibravam
com o atentado contra Ronald Reagan. Ele as chamou e disse: “Não façam isso. Aos
inimigos, temos de enfrentar de frente. Não podemos nos regozijar porque ele está
caído. Essa não é uma conduta ética”.
Então, Fidel faria o mesmo que o samaritano na estrada para
Jericó. E eu também prefiro fazer. Compaixão, empatia, o coração leve.
Um comentário:
Direto no coraçao. Sem mais. Beijo
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