domingo, 14 de maio de 2017

Um dia de domingo


Dia de domingo, sol de outono, aquela belezura. Mas, aqui no meu bairro não há qualquer espaço onde se possa passear com um velho. Ou é a praia, ou nada. Como ele precisa caminhar, eu vou com ele até o mercado. São 20 minutos no tempo do passinho dele. Vinte pra ir, vinte pra voltar. Andamos pelas prateleiras, compramos alguma guloseima, passamos na farmácia para pesar e pronto. Acabou. No pequeno centrinho comercial do Castanheira não há opções, e até os cachorros precisam ficar de fora. Como o Steve insiste em nos seguir, temos de voltar rápido, pois todos nos olham com maus olhados. Então, lá vamos nós de volta para casa.

É incrível como nesse nosso mundinho periférico, capitalista dependente não há mesmo qualquer cuidado com as crianças ou os velhos. Tudo é planejado para a azáfama do capital e os caminhos só levam ao trabalho. Lazer é para poucos. Se a pessoa não tem carro, então, baubau. Resta o girar em torno da quadra, no geral em solidão, pois os muros são altos e as pessoas estão fechadas nas suas casas.

As crianças ainda recebem algum cuidado, afinal, elas serão os braços do amanhã. Por isso há creches, escolas e alguns parquinhos mal cuidados. Mas os velhos, esses não têm mais nada para dar. Já foram sugados de todo. Não geram mais valor. Então, que se fodam.  Para eles, não há espaços de lazer, não há cuidados, não há nada. Cada família que se vire. E o destino da maioria é ficar dando tratos ao nada, sozinho, em alguma varanda, quando não, trancado em algum quarto.

Cuidar de um velho é um desafio. Não temos mapas, não nos preparamos, não sabemos como fazer. Tudo é feito às escuras, tateando, errando e acertando.  O que temos nas mãos é um cristal, frágil, delicado, qualquer aperto quebra. Com eles não são válidas as didáticas e as pedagogias infantis. Eles já cruzaram todo o caminho e, se estão esquecidos, não se perderam de todo. Então, há que ser cuidadoso. Por vezes demoramos horas para arrancar um sorriso e é preciso muita paciência para enfrentar os ataques de mau humor, a impaciência e a tristeza.

Com meu pai tenho aprendido. Não é fácil. Penso que eu, ainda tenho a sorte de contar com a ajuda dos que vivem comigo, meus sobrinhos e meu companheiro. Mas me angustia saber que nesse mundão de deus tem uma carrada de velhinhos perdidos e sozinhos, porque as famílias não têm a menor condição de cuidar. Há que prover a vida, há que trabalhar, há que moer o corpo na roda do capital. Não é culpa de ninguém, é a porra da vida que não abre saídas.

Essa é outra batalha que temos de travar. Arrancar do poder público garantias de cuidados para aqueles que já atravessaram o grande deserto. Dura batalha num país que hoje discute justamente o contrário, buscando tornar a velhice ainda mais cruel, sem aposentadoria digna, sem amparo. E ainda temos de aturar propaganda de previdência privada falando em "melhor idade". 

Definitivamente precisamos de revolução. Pelos que ainda não vieram e pelos que insistem em ficar, mesmo quando o sistema de moer gente os quer excluir. 


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