quinta-feira, 7 de maio de 2015

Sobre o bater das panelas

















Não sei se é por conta das redes sociais ou o quê, mas eu tenho visto muita gente falando dos batedores de panela, considerando um absurdo e outros que tais. Há ainda os que cobram porque as panelas não batem pelos professores agredidos no Paraná, ou pelos que são violentados todos os dias nas favelas do Brasil. 

Particularmente não vejo nenhum absurdo nas fotos de pessoas nas janelas ou mesmo de gente do tipo Bolsonaro batendo panelas. Estão exercendo o sagrado direito de manifestação. Podem fazer o que quiserem desde que respeitem a vida e a dignidade dos demais. Atuam como qualquer um de nós atuaria numa democracia. Eu mesma já bati muita panela num tempo em que tínhamos mais de 30 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza e poderia bater outras tantas panelas por outros milhares de seres que ainda não tem o básico para comer aqui no Brasil e em vários cantões do país. 

Há que entender que o fenômeno da bateção de panelas, nesse momento da conjuntura, não tem a ver com as lutas sociais.  Logo, as mesmas pessoas que batem panelas não as bateriam por solidariedade aos professores, aos pobres, aos sem-terra ou algo assim. As panelas batem contra o Partido dos Trabalhadores.

Pois então, seria bom fazermos uma análise sobre o porquê disso. O Partido dos Trabalhadores nasceu nos anos 80 com uma promessa básica: ser um espaço das lutas dos trabalhadores num país que começava a sair da dura noite da ditadura. Trazia no seu bojo a ideia de ética, de respeito ao empobrecido, de cuidado com as gentes trabalhadoras. Não pregava o socialismo, mas apontava para a construção de uma sociedade anticapitalista que, aos que caminharam por aquelas veredas, era o primeiro passo para o início de um mundo novo. 

O fato é que o tempo passou e as veredas socialistas foram se apagando. Estranhas alianças foram feitas para que o partido se tornasse palatável. E o que estava em jogo já não era mais a organização dos trabalhadores para a construção de um tempo novo, mas sim a entrada no mesmo velho jogo institucional. A prioridade passou a ser garantir cargos de vereadores, deputados, prefeitos, governadores. A via eleitoral foi matando a proposta de organização popular. 

A eleição de Lula em 2003 já mostrava um PT totalmente disforme. A união com a burguesia industrial, na figura do vice José Alencar, configurava uma aliança de classe que, já sabíamos, não poderia ser boa para os trabalhadores. Afinal, quando que patrão caminhou junto com empregado em harmonia? Nunca! E tanto isso foi verdade que em poucos meses de governo, o Lula lançou a reforma da Previdência, um ataque devastador sobre os trabalhadores públicos. Desde aí, as pautas dos patrões começaram a comandar. E, no melhor estilo do liberalismo e seu braço socialdemocrata, algumas migalhas foram sendo derrubadas da mesa do banquete para acalmar a plebe rude. 

Assim, é certo que o governo petista trouxe para o cenário muitas das pautas dos trabalhadores: o bolsa-família, as vagas nas universidades, a consolidação das cotas, e outras tantas políticas para os empobrecidos, que são boas, mas ainda muito insuficientes. Porque junto com elas também vieram as benesses para os banqueiros, para os latifundiários, para os poderosos de sempre. A classe dominante seguiu com todos os seus privilégios. Nenhuma fissura foi criada no edifício do capitalismo dependente que nos domina.   

Com o passar do tempo, dois mandatos de Lula e um e meio de Dilma, a política do PT foi ficando exatamente igual à de seus inimigos. É o consórcio “petucano”, como diz Gilberto Vasconcellos (união ideológica dos tucanos e petistas). Não bastasse isso, vários integrantes do partido foram sendo pegos em esquemas de corrupção e favorecimentos que explodiram com o discurso de ética, sempre usado pelo PT como uma bandeira intocável. 

Com o telhado estilhaçado por seus próprios integrantes, o PT ficou à nu. A direita começou a nadar de braçada. Cada escândalo envolvendo um petista foi sendo ampliado, com a ajuda sempre precisa dos meios de comunicação. E, aqueles que sempre foram antiéticos, que sempre roubaram e meteram-se em maracutaias passaram a ser as vestais da moral. Ou seja: o roto falando do rasgado.
Ao final das contas, pouco se consegue vislumbrar de diferença entre os grandes partidos que hoje dominam a cena nacional. É quase como a dicotomia republicanos x democratas nos Estados Unidos. Tudo fica igualado por baixo. Um ou outro detalhe os diferencia. É por isso que muitas pessoas – que nem sequer sabem o que significa ser de direita – assumem os discursos dos inimigos do PT e saem por aí batendo panela, apostando na promessa do fim da corrupção, mesmo sem se dar conta de que os que prometem isso são os que sempre foram corruptos. Há uma intensificação do ódio ao PT e isso é fortalecido com as denuncias que a mídia se encarrega de multiplicar. E, que se saiba: muitas são verdadeiras. Não há que tapar o sol com a peneira.  

Pessoas ligadas à direita menos esclarecida – como Bolsonaro, Feliciano etc... – ainda colam no PT adjetivos que já nem sequer mais fazem parte dos preceitos petistas, tais como comunistas, ou socialistas. Qualquer olhada mais aguçada sobre as políticas petistas e já se vê que não há qualquer menção a um projeto socialista, que dirá comunista. Mas, tudo isso ajuda para engordar o preconceito e o ódio que sempre floresceu contra aqueles que lutam por uma nova sociedade. Afinal, o novo é sempre uma promessa sem fiador. 

Não é sem razão que os seguidores desse rastro de ódio ao PT postam cenas da violência cometida pelo governo do Paraná contra os professores, culpando as vítimas pelo massacre. “São tudo petista”, dizem, confundindo o ser socialista com ser petista. Já não há mais a ligação direta. Há petistas socialistas ainda, mas esses são poucos.

Assim que se há um jogo de acirramento de ódio ao PT por parte da direita, também é certo que o PT é muito responsável por tudo isso também. Faz-se necessário uma autocrítica séria por parte daqueles que ainda seguem no PT, acreditando ser possível mudar por dentro. Sem isso, serão apenas peões num jogo que é unicamente eleitoral. O que está em questão é: quem ocupa as cadeiras de mando. Se é o PSDB ou o PT, ou o PMDB ou o DEM. As  grandes pautas de interesses nacional não estão postas. É só um bailado egoísta sobre quem comanda o balé. Mas a trilha sonora é a mesma de sempre. As diferenças são filigranas. 

Nesse cenário estão as gentes. Há os que caem no conto dos Caiados e Bolsonaros, há os que caem nos contos do Lula. Há os que fazem a crítica, há os que trabalham para construir outras formas de organizar a vida. Há uma esquerda incapaz de perceber as mudanças do mundo e há outra que tenta manter a cabeça fora do turbilhão para estudar a realidade e organizar as gentes. 
Nosso desafio é definir nosso lugar nesse contexto. Se de peões no tabuleiro do jogo dos outros, ou se vamos inventar algo novo, que não seja jogo, que seja uma política concreta de participação e de governo popular. 

Enquanto isso, que batam as panelas. De alguma forma, esse som de lata nos desperta da letargia.  Eu agradeço por isso. 


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