Gosto de ver televisão, um instrumento comunicativo que, para mim, é constituído de profunda magia. Incrível pensar que milhares de pontinhos de luz possam gerar a imagem em movimento. Uma piração. Não foi à toa que o início da minha profissão de repórter tenha sido na caixinha feiticeira. Fazer TV, ver TV, coisa que me encanta. Por ali pode-se encontrar a porta para um mundo de belezas.
Mas, por conta da indústria ideológica que se apropriou desse veículo, é na TV também que a gente pode observar as piores ideias e maldades humanas sendo disseminadas à exaustão, formando e formatando cabeças vazias de saberes.
Ontem, lentamente eu passava os canais tentando encontrar alguma maravilha. Talvez um filme com o Ricardo Darín, uma coisa que me elevasse a alma, uma vez que tentava tirá-la do submundo de dor. Mas, acabei mergulhada em mais uma dessas barbaridades que fazem com os seres humanos em nome de uma "pedagogia da beleza", típica do capital.
Era um desses programas em que alguém da família escreve pedindo ajuda a um especialista de moda para alguém que eles consideram malvestido ou brega na sua forma de ser no mundo. A pessoa em questão era uma mulher negra, muito linda, um pouco gordinha, que usava umas roupas bem despojadas, largas e confortáveis. Tinha um cabelo cacheado, bem armado, e seu sonho era criar um entidade para recolher crianças das ruas. Já fazia isso, mas sem estrutura.
A apresentadora do programa foi chamada para "arrumar" a mulher. Segundo os familiares: "quem iria dar dinheiro para a entidade vendo uma mulher tão malvestida?" Ela não se dobrava. Dizia que era assim que se sentia bem, no conforto. A apresentadora forjou então um grupo de investidores que ouviria o plano da mulher para a construção da ONG. Mas ela teria de apresentá-lo escondida. Todos ouviram. "Quem ajudaria esse plano?" - perguntou a modelo. Todos acenderam a luz. Apostariam dinheiro na proposta generosa da mulher.
"Agora entra, fulana", disse a apresentadora e lá veio a mulher, toda bonita com suas roupas largas, botina surrada e cabelo afro. "E agora, quem financiaria o plano dessa mulher?", perguntou de novo. Dos oito participantes, apenas dois acenderam a luz. A mulher ficou perplexa, com os olhos cheios de lágrimas. Aquelas pessoas demoliam um sonho por conta das roupas que usava. Mas a perplexidade não gerou a ira. Gerou estupor e aceitação. Ela, desanimada, decidiu mudar o visual. Eu bem sei que tudo isso é forjado e que era óbvio que a mulher aceitaria, mesmo assim esbravejei, xinguei, amaldiçoei todos os cinco donos da redes mundiais. Mas fiquei ali para ver o que fariam àquela adorável mulher.
O final do programa a mostra transformada. Roupas chiques, dadas pelo programa e que ela certamente não conseguirá manter. Um cabelo alisado e de comprimento aumentado que tirou dela toda a personalidade que tinha anteriormente. Ficou parecendo uma boneca, com aqueles cabelos feitos de nylon. O rosto pintado apagou as marcas que a faziam forte. Era um pastiche da Naomi Campbell. Os familiares olhavam para ela inebriados: "Agora sim, é uma nova mulher". De fato, era. Ela mesma se olhava no espelho e não se encontrava mais. Mas, já havia sido ensinada que ou se rendia aos modelos impostos pelo mundo do "bem vestir" ou estaria fadada ao fracasso.
De revesgueio olhei para meu guarda-roupa que, por ser velho, não fecha mais a porta, e espiei as roupinhas que tenho. Bateu em mim um terror. De acreditar que aquilo tudo dito ali pudesse aparecer como verdade a alguém. Sou o que visto? Não posso expressar meu ser de maneira doida, extravagante ou simples demais? Tenho de seguir os apelos da moda? A mulher na tela parecia a noiva do Chuck. E chegara tão bonita. Quanta deformação essa caixinha mágica pode provocar. Odiei a mulher, odiei a modelo, odiei Murdock. Mandei todos às favas e fui ouvir Jorge Drexler. "Amar la trama más que el desenlace".. ai, ai..
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