Lixão onde queimaram os estudantes - Foto: El País
O México se
levanta na busca dos 43 estudantes que foram sequestrados e desaparecidos por
forças do narcotráfico aliadas às forças do governo. Um crime brutal. Relatos dão
conta que alguns podem ter sido queimados vivos. Outros foram metralhados ainda
dentro do ônibus, onde estavam, vindo de uma cidade vizinha onde tinham ido
buscar recursos para viajar para a cidade do México. Os estudantes da combativa
escola Escola Rural Normal de Ayotzinapa queriam participar das celebrações de
um terrível massacre de estudantes, ocorrido no México em 1968: o massacre de
Tlatelolco. Por absurda ironia, eles mesmos seriam massacrados violentamente.
Naquele dia
26 de setembro eles partiram da escola rumo a cidade Iguala onde realizaram
campanha de arrecadação de recursos, passando pelo comércio e até fechando
algumas ruas para um pedágio. A movimentação de estudantes colocou em alerta os
grupos armados e a municipalidade pois, na cidade, seguidamente os estudantes
estavam questionando os atos criminosos, comuns por ali, praticados inclusive
pelos políticos dirigentes. Era fato corrente que a esposa do prefeito, por
exemplo, dirigia as finanças de um grupo ligado ao narcotráfico. A presença dos
normalistas na cidade, de certa forma, também denunciava o fato de que o
território estava tomado pelos grupos armados dos narcotraficantes, a tal ponto
de que em vários povos, as comunidades tenham de se armar para se defender dos
ataques e das brigas entre os bandos.
Por alguma
razão o grande grupo de estudantes foi visto como um perigo, seja a esposa do
prefeito, seja aos grupos do narco. O fato é que quando voltavam para casa, já
tendo feito suas manifestações na cidade, eles foram atacados, sem que houvesse
dúvidas de que aqueles homens ali estavam para matar. Primeiro os ônibus foram
parados e logo em seguida já começou a metralha. Uma parte conseguiu fugir,
outra foi morta no local. Os que ficaram foram levados em carros oficiais, da
polícia, ainda que tenham sido adulteradas as placas. Testemunhas contam que eles
chegaram com vida na intendência, mas logo foram recolhidos por outros agentes
que os entregaram ao bando do narcotráfico. Já estava decidido que eles iriam
morrer.
Relatos dos
jornais locais, com depoimentos dos membros do cartel, já presos, contam que os
estudantes foram levados até um lixão fora da cidade, alguns morreram
asfixiados durante o trajeto. Os que chegaram vivos eram interrogados sobre
se faziam parte de um grupo rival. Ao que parece esse foi o golpe de mestre. Os
policiais entregaram os jovens como se eles fossem integrantes de outro bando.
Assim, não sujavam as mãos com o sangue deles. Mesmo que todos tenham dito
serem estudantes da escola Normal Rural, não houve crédito. Foram executados
com um tiro na cabeça. Depois, os corpos foram empilhados e queimados. A
fogueira humana ardeu por horas, vigiada pelos homens do narco. Na manhã
seguinte, eles recolheram o que sobrara em alguns sacos plásticos e jogaram no
rio San Juan.
Passados
mais de um mês da desaparição dos estudantes, o México se levanta em rebelião.
Por todos os lugares o povo sai às ruas, chocado com tamanha barbárie.
"Vivos os levaram, vivos os queremos", dizem os familiares e todas as
gentes do país, hoje irmanadas na busca por Justiça. Algumas pessoas já foram
presas, inclusive o prefeito de Iguala e sua esposa. Mas, o povo mexicano sabe
que a brutalidade do que aconteceu em Guerrero não é uma coisa isolada. O país
está tomado pelos grupos criminosos, com a participação explícita de grandes
figuras nacionais. O narcotráfico prospera porque tem apoio oficial. O próprio
presidente Peña Nieto está sendo questionado. Prender alguns homens que
praticaram o doloroso crime não será suficiente. Porque o que se coloca em
questão é a criminalização dos movimentos sociais, a ligação simbiótica das
forças policias com o que há de pior nos cartéis do crime.
A morte dos
estudantes da escola rural que forma professores para o ensino fundamental
abriu um caminho de manifestações gigantescas, de retomada dos grandes temas
nacionais. Pelas ruas, as pessoas exigem punição aos responsáveis pelo crime e
o fim estado paralelo, criminoso, que viceja sob as bênçãos dos governantes. Também questiona o estado em si, igualmente
criminoso, capacho das políticas impostas pelos Estados Unidos, responsável
pelo crescimento do narcotráfico e incapaz de garantir a vida digna de seu
povo. Nos últimos dias, até a porta do palácio presidencial foi queimada, num
claro aviso de que o povo que realizou uma das revoluções mais bonitas dessa
Abya Yala está desperto e unidos.
A fumaça que
se ergueu sob a cidade de Iguala naquela triste noite de 26 de setembro se
espalhou, adentrou janelas e mentes. A morte de todos aqueles jovens não será
em vão. pelos caminho da nação mexicana haverão de se levantar as gentes e
alguma coisa muito bonita haverá de brotar. Foi assim em Atenco, Oaxaca, San
Critóbal e tantos outros lugares do grande México, onde a luta do povo unido
tem mudado a realidade.
Desde aqui,
do Brasil, onde também vivemos o massacre cotidiano dos jovens pobres e negros,
nas favelas, nas periferias, nós nos solidarizamos com as famílias e com todos
os mexicanos em luta. Aterrados, também assistimos, na última semana, um
chamado feito por policias, via facebook, para uma chacina em Belém do Pará, no
norte do país. Por conta da morte de um policial em serviço, foi dado o
"salve geral", senha para a matança. E quando a manhã chegou, mais de
30, talvez 50 pessoas - pelas contas da comunidade - estavam mortas, num julgamento pessoal, sem
provas, sem motivos, sem nada. Não eram estudantes, mas eram também jovens,
perdidos de esperança.
Muitos, ao
verem esses fatos pela TV, dizem: "Com certeza eram marginais, que me
importa, não os conheço, não tenho nada com isso." Mas, o fato é que
deveriam se importar. Quando um estado perde o controle de sua força policial e
ela começa a agir como os ditos "bandidos" que combate, o tecido
social se rompe e abre espaço para a barbárie como a do estado de Guerrero no
México, ou a de Belém. E quando a barbárie se instala ela fatalmente atinge a todos nós.
Assim, no
terror cotidiano, seguimos, na dura luta pela vida digna.
Meninos de Ayotzinapa,
presente! Meninos de Belém, presente!
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