Ali estava eu, enredada nos livros, tentando entender a diferença entre valor de uso e valor de troca. Marx, Engels, Ludovico Silva, Lenin, Rosa... A cabeça fervilhando em idéias. Então, do nada, ela foi escalando pelas minhas pernas. Nenhum respeito para com aqueles velhos parceiros que tentavam melhorar a minha compreensão sobre o mundo capitalista, predador.
Sem medida, ela foi mordendo meus dedos, arranhando o casaco, fincando as unhas na minha cara. Qualquer tentativa de deixá-la quietinha no colo era logo rechaçada com um movimento brusco, um pulo, uma desenfreada alegria. Era a gata que me tem, a Bartolina Sisa, bebezinho de pouco mais de dois meses. Pedaço de vida insuportavelmente alegre. Criança ainda, ela só quer brincar.
Então eu fiquei a pensar sobre o valor de um gato. Será valor de uso ou de troca? Terá alguma utilidade? “Esses bichos não servem pra nada”, me diz um amigo. Logo, não tem valor? Ela, alheia às elucubrações filosóficas que giravam na minha cabeça, só me olhava com seus olhos graúdos e me convidava à brincadeira. Nada de Lenin, nem de Marx. Só aquele saltitar inconsequente, infantil, alucinado. Corre aqui e ali, esconde-se sob a cadeira, pula no colo, sobe nos ombros, salta pela mesa, come os óculos, mastiga o cabelo e sai correndo. Mais um minuto e volta, e tudo de novo.
Impossível seguir estudando. Alguém ali exigia um tempo. Queria essa delícia do nada fazer, da risada cristalina, da inefável doçura, do tempo parado na alegria. As patinhas vez ou outra se transformando em afiadas garras ao estilo Wolverine. E esse jeito gato de ser, tão majestoso, tão cheio de si, tão imponderável.
Assim, em nome da Bartolina, dei um tempo ao velho Marx. Gato não tem valor, nem de uso, nem de troca. Gato é isso, pura graça. E graça no sentido teológico, como momento de absoluto encontro com o sagrado.
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