quarta-feira, 13 de maio de 2009

Então, nasceu!


Já era madrugada naquele longínquo 14 de maio. A noite fechada prenunciava chuva forte. À uma hora da manhã a mulher deu um leve gemido. Não gritou nem fez escândalo, afinal era dessas que suporta tudo no osso do peito. Apenas percebeu que era hora. “Tem que chamar a parteira”, disse a mãe que guardava à beira do fogo. O marido saiu contrafeito. O céu desabou. A pequena casa de madeira, que ficava no meio do nada, estremeceu ao som dos trovões. Os relâmpagos riscaram o céu de breu. Seria uma noite turbulenta. Iansã enlouquecida deslizava pelos campos de arroz do Japeju. Má hora para nascer.

Eram duas horas da manhã quando, no meio da tempestade, se ouviu o som das rodas de madeira da velha carroça da Dona Chica, mulher que trazia à vida os bebês daqueles cantões. Encharcada, ela desceu impávida e adentrou, com seu corpo grande cheirando a marcela. Toalhas, água quente e reza. Esse era o ritual. Iansã, lá fora, seguia com seu rugido. A velha negra, filha da África, nem se importou, acostumada a domar deuses. A mulher, na cama, apertou os lábios e cerrou as mãos. Estava segura com Chica. Nada a temer.

Então, em dez minutos, ali estava a pequenina, com pouco mais que dois quilos, vindo ao mundo no meio da tempestade de raios, relâmpagos e chuva grossa. Saiu mansinha, sem chorar. Chica levantou o corpinho, olhou a cara enrugada. Não bateu. Não era seu feitio. “Oxalufã protege”. A guria, igual a mãe, anunciou o choro, mas não o cometeu. Um esgar na boca e as mãos cerradas. Assim chegou, dura como a noite.

Desde então foi assim. Tão quieta que era esquecida nos cantos da casa. Mas, bicho alucinado, tal qual Iansã, cerrava as mãos a qualquer injúria ou injustiça. Cresceu e hoje completa 48 volta em torno do sol. Carrega no corpo a violência da noite tempestuosa que lhe acolheu. Falta-lhe a leveza. Esse talvez seja o presente precioso. Aquele pelo qual espera. Chegará?...

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