quinta-feira, 23 de julho de 2020

O inverno e o pai


Eu sou apaixonada pelo inverno. Meu sonho mesmo era viver na Finlândia, 10 meses de inverno e 15 graus no verão. Ah... Todo ano me preparo para esse momento único de introspecção e sentimentos oceânicos. Mas, esse ano, o inverno miou. Tem uma pandemia que colocou o mundo todo patas arriba, e tem o pai, cujo corpinho frágil preciso proteger. Não tem sido fácil. Os dias são complicados, mas as noites superam tudo. São terríveis. O pai não se adapta com as fraldas e esqueceu como é que faz para fazer xixi. Ele não consegue, em meio a tanta roupa, levantar o casaco, baixar a calça e fazer o xixi. O resultado é que acaba se molhando todo. Durante o dia resolvi com calças de tactel. Molham e logo secam... Mas, ainda assim é foda. Já durante a noite, o problema fica gigante. Com muito custo consegui fazer com que ele usasse fraldas. Há noites que consigo que coloque, outras não. Mas, não resolve. Quando vem a vontade de fazer xixi ele levanta e quer usar o banheiro, vai daí que faz uma bagunça com a fralda. E acaba molhando a cama, o quarto, o banheiro. É um salseiro. Eu corro atrás com os paninhos, mas não tem jeito. Molha tudo, inclusive as calças. No frio das noites é muito doido que ele fique molhado. E o bichinho é marrento. Não deixa que eu troque as calças. A solução foi tirar as fraldas que a confusão fica menor. Minha singela alegria é quando molha apenas três lençóis por noite. Fora as calças que tenho de enxugar enquanto ele vai andando do banheiro para a cama. Um bailado doido que se repete cinco ou seis vezes na noite. Consigo tirar o excesso, mas ainda assim fica molhado, e ele nem aí. Deita, se tapa e fica brabo se eu falo em trocar a calça. De manhã é outra novela. Fazer com que ele troque a roupa me toma quase duas horas num moroso processo de negociação. Tem dias que consigo fácil, outros não. O velhinho é brabo. O resultado de tudo isso é a minha aflição. Ele dorme molhado e eu temo que ele se resfrie, pegue uma pneumonia ou algo assim. Acaba que eu nem durmo, fico ali, olhando pra ele, vendo respirar. O foda da doença não é nem o cuidado que a gente precisa ter com eles, é essa teimosia danada que torna uma simples troca de calça uma batalha de Ayacucho. Essa semana o calorzinho tem me dado trégua e eu me pego gostando dele. Logo eu, que  abomino o verão. E fico rezando para que o frio não volte para que o seu Nelson possa ficar menos desconfortável. E fico triste por ter de passar pelo inverno assim, querendo que ele se vá. Ah.... Valamideuzi.


Na UFSC há professores com medo dos TAEs

Irineu (camisa laranja), que foi canditado  reitor, ladeado por De Pieri(de azul) e Ubaldo, insiste na participação de todos. 

Vez em quando nós, trabalhadores técnico-administrativos da UFSC, precisamos lidar com algo que é muito intrigante: o medo que alguns professores tem de nós. Digo intrigante porque, se somos todos trabalhadores da mesma instituição, esse medo me parece estranho. Por quê? É o que me pergunto. Digo isso em função da novela que se arrasta no Centro Socioeconômico para a aprovação do regimento do Centro. Já se vão meses e depois de uma tremenda pataquada protagonizada pela administração Ubaldo/Alacoque no Conselho Universitário, o regimento, que foi aprovado, sofre mais um ataque. 

Pois o regimento estava no CUn desde o ano passado, passando por várias mãos e pareceres, até que finalmente foi aprovado  há poucos dias, mesmo com os votos contrário da administração e dos representantes do CTC. Surpreendentemente, depois da aprovação, um dos conselheiros, o professor do CTC Edson de Pieri, decidiu entrar com um processo interno alegando ilegalidade na tramitação do regimento. Surreal. 

Mas o que tem de tão perigoso no regimento do CSE, que leva um diretor de outro Centro a todo esse esforço? Pois o regimento do CSE foi construído a partir da discussão universal com toda a comunidade do CSE, professores, TAEs e estudantes. Foram realizados fóruns de pesquisa e extensão, graduação e pós-graduação e administração, com debates e deliberações envolvendo toda a comunidade. Isso é altamente perigoso, afinal democracia em tempos como esse é quase heresia. Daí que uma parte dos professores acha imperdoável a decisão do diretor Irineu Manoel de Souza de envolver toda a gente.  

Outro ponto  gravíssimo, a representação dos TAEs aumentou de um para três, e isso representando os famigerados 70/30 que prega a LDB, logo, nenhuma ilegalidade. Mas, três TAEs no Conselho do Centro  parece ser algo tremendamente perigoso para o De Pieri que, claro, está atuando em nome de um grupo político e de uma posição política que ele inclusive já defendeu quando candidato a reitor. É uma galera que teme os TAEs. Fingem ignorar e tripudiam dos trabalhadores, mas, na verdade os temem. 

Outro problema do regimento do CSE: ele garante voz e vez aos institutos que são ligados ao Centro e que sempre estiveram à margem das decisões. O Inpeau e o Iela terão direito a uma representação no Conselho. Isso também aparece como gravíssimo para alguns professores que se escondem por trás de figuras como De Pieri e da Administração. Professores que cotidianamente estão ali, tentando sabotar o trabalho coletivo, a participação democrática e a liberdade de expressão. 

Por isso mais essa tentativa esdrúxula de impedir que o regimento construído coletivamente num espaço onde eles foram derrotados seja colocado em prática. Esses professores – e a administração também  -  temem os TAEs, temem o pensamento crítico. Pois ora, isso é bom. Eles devem temer mesmo. Porque os TAEs não estão dispostos a serem tratados como seres de segunda categoria. Os TAEs não estão dispostos a abrir mão do seu direito de participar, opinar, formular e decidir. 

O regimento do CSE tem ainda outro perigo: cria as Câmaras Setoriais de pesquisa e extensão, de graduação e pós-graduação e de administração, tornando cotidiano o debate livre e participativo. E pasmem, garante e um técnico-administrativo a condução desse fórum administrativo. Outra heresia. Mais um motivo para tentarem boicotar o trabalho do Irineu.

Ah, quão pueris são esses professores que nos temem. Acreditam mesmo que impedindo nossa participação ficarão livres de nossa crítica e de nossas formulações. Pois é o contrário. Ficamos mais bravos, e mais fortes. Resta agora ver se a administração, que também nos teme e teme o processo democrático, vai dar guarida a mais essa tentativa de impedir a vida no novo regimento. Por aqui, seguiremos resistindo. E eles que lutem!

terça-feira, 14 de julho de 2020

Memórias da mãe


Minha mãe nasceu no campo, filha de um italiano e uma morena pelo-duro, da fronteira. Era a segunda filha. O primeiro era um varão, sempre preferido. Da mãe teve muito pouca atenção. Minha vó era filha de fazendeiro, metida a rica, e quando casou com o meu avô, italiano pobre, seguiu vivendo como se fosse abastada. O resultado eram as crises, pois o vô era do tipo bondoso e sempre acabava sendo levado no bico nos negócios. Tudo o que fazia não dava certo. Teve bar, e perdeu tudo, tinha dó dos clientes pobres e não cobrava. Depois, foi plantar arroz. Viveu até os 70 anos plantando em terra alheia, na dura vida de agricultor sem os meios de produção.

Da infância, a mãe contava que a vó a deixava trancada no quarto e ia com o vô para os bailes de campanha. Ela, no escuro, sozinha e com medo, se apegava nas novelas do rádio. Era tudo que tinha. Por isso, talvez, o seu romantismo incurável. Apaixonou-se, numas férias, quando tinha 15 anos, mas o guri era de Porto Alegre e acabou indo embora quando o verão terminou. A minha vó, que a queria casada com meu pai, escondia as cartas que chegavam semanalmente da capital, e a mãe achou que tinha sido esquecida. Aquilo a destruiu. Por fim, aceitou casar, afinal, que outro destino poderia ter? Nunca foi feliz no casamento, nunca esqueceu seu amor. De bom, teve os filhos, era o que dizia.

Essa foto tirada lá pelos seus 18 anos mostram uma guria pobrezinha, bem mal vestida, de chinelo de dedo, cigarrinho na mão e já com aquele olhar meio desesperado que lhe era característico. Tinha o nariz adunco, feito águia, uma belezura que não herdei. Era uma mulher triste. Foi triste até o fim. Morreu do pulmão, a doença da tristeza. Por mais que fizesse, nunca consegui lograr que ela recuperasse a alegria. Essa é também minha grande dor. Olhando pra ela, nessa foto que emerge das brumas do passado, me vejo, e me sobram as lágrimas.


domingo, 12 de julho de 2020

O dragão da maldade não está só


Estamos a um passo de bater a cota de 100 mil mortes por Covid-19, e não precisaríamos estar vivendo isso. Como muitos países do mundo já haviam passado pela experiência da pandemia ficou fácil para nós agirmos rápido e certo. Sem vacina e sem remédio, a única alternativa para não morrer gente era o isolamento social e a testagem em massa. O fechamento de tudo, de maneira radical, por um ou dois meses, a quarentena para os sintomáticos e a realização de testagem massiva para evitar que gente assintomática ficasse por aí, transmitindo o vírus. Mas, nas últimas eleições, os brasileiros decidiram colocar na presidência um ser que, além de ser o mais fiel representante do capital, é também a concretude do mal. Tudo nele exala enxofre e o que se viu foi o óbvio. Nenhuma ação para barrar a desgraça. Pelo contrário. As ações foram para acelerá-la, torná-la maior.

A pandemia chegou e o governo federal não tomou qualquer atitude para comandar a ação de combate de maneira unificada. Pelo contrário. Mandou embora os ministros da saúde que passaram pelo cargo e que não tiveram coragem de seguir as ordens, que eram as de não se isolar e sequer de usar máscaras. O próprio governante, que veio dos Estados Unidos, depois de um encontro com um infectado, decidiu sair às ruas sem máscara, abraçando e tocando as pessoas. Apesar de todos os que estavam com ele no avião terem sido infectados, ele disse que não foi, e se recusou a mostrar os exames.

Os meses se passaram, as mortes foram acelerando. Primeiro nos estados mais empobrecidos, do norte e nordeste. Centenas e centenas de covas sendo abertas sob os olhos da nação e o presidente fazendo troça. Inexoravelmente o processo foi chegando aos demais lugares. Agora, até mesmo nos estados do chamado “sul maravilha”. Já não há leitos nas UTI e não há sequer remédios para garantir a intubação de pacientes. E os números crescendo a olhos vistos. Foram-se 50 mil, 60 mil, 70 mil e seguimos caminhando para o matadouro. Trabalhadores da saúde exaustos, massacrados, e as gentes desamparadas.

Parecia não ser possível mais nada de tão ruim. O presidente então resolveu fazer outro teatro. Anunciou estar contaminado, mas que não era problema, pois ele estava tomando cloroquina, o remédio que ele quer empurrar massivamente e que não têm qualquer comprovação de eficácia. Segundo ele, é o que lhe garante passar pelo vírus. Um deboche, um acinte diante de tanta dor e desespero.

Também conseguiu elevar suas doses de maldade a última potência quando decidiu vetar medidas de prevenção ao coronavírus junto aos povos indígenas, uma das frações da sociedade brasileira mais fragilizadas diante das doenças dos não-índios. Vetou a distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e desinfecção de superfícies. Vetou a oferta emergencial de leitos hospitalares e de unidade de terapia intensiva (UTI). Vetou a aquisição de ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea. Vetou a distribuição de materiais informativos sobre a covid-19. Vetou a instalação de pontos de internet nas aldeias. Até o acesso à água tratada foi vetado, com o presidente dizendo que os índios estão acostumados a tomar água do rio. Mais deboche e maldade pura. Afinal, exterminar os indígenas tem sido uma de suas prioridades desde a campanha, quando ainda nem era presidente. Segundo ele, os indígenas devem se integrar ao corpo de trabalhadores e deixar de ser “privilegiados”. Além de incentivar invasões nas terras originárias e incentivar a queima da mata, agora ele decide vetar aspectos essenciais do programa de prevenção à COVID-19 nas aldeias. Talvez acredite que assim possa ser mais fácil e rápido acabar com as comunidades.

Tudo isso parece um conto de terror e também pode parecer que é ação demoníaca de uma única pessoa. Mas, não é. O dragão da maldade não está só. Ele está acompanhado e respaldado pelas demais instituições da política oficial brasileira, como o judiciário e o congresso nacional. Tudo acontece sem que qualquer uma dessas instâncias aja em consequência. Há um assentimento total com relação a todas as atitudes de lesa pátria e de crime contra o povo brasileiro. Ainda que alguns poucos parlamentares atuem no plenário, o congresso em si segue impávido diante dos desmandos. O apoio é pleno. Vez ou outra uma notinha de repúdio, bem tímida, sem consequências.

Bateremos os 100 mil mortos logo ali. “E daí? Não sou coveiro!” diz o presidente. Com ele, as demais autoridades também dizem isso, ainda que não pronunciem. Isso já seria ruim, mas tem mais. Com eles também caminham e apontam suas arminhas contra os “mentirosos e comunistas” quase 40% da população brasileira que apoiam as ações ou não/ações do presidente. O vírus é uma invenção comunista, dizem, e andam por aí desafiando as autoridades médicas, sem máscaras, devidamente autorizados pelo seu líder.

Poderíamos dizer que tudo isso é um absurdo, mas, se pensarmos bem, é só o capitalismo se expressando como sempre, apenas com mais desembaraço. Aproveitando a pandemia para que alguns possam acumular mais riqueza e se desfazendo “da carga” que representam os velhos, os doentes, os desempregados.

O dragão da maldade não é uma excrescência no céu azul do país. Ele é a cara visível de um sistema que normalmente se esconde sob a pele de cordeiro, mas que está aí, todos os dias tripudiando dos trabalhadores. Agora, sem pejo, ele se mostra e ri. Não tem medo. Está seguro diante da inércia, do pavor e de seus seguidores.

Só mais um passo e já estarão ali, os 100 mil mortos. E mais...

Ao que parece, na nação anestesiada, que vê a fileira de mortes pelo Jornal Nacional, a resistência ainda é pífia e o ataque inexistente.


segunda-feira, 6 de julho de 2020

A administração da UFSC e os trabalhadores

Promessas feitas por Cancellier foram esquecidas pela atual gestão

Quando Luiz Carlos Cancellier  venceu as eleições em 2015, para a reitoria da UFSC, levou com ele um número significativo de votos dos trabalhadores técnico-administrativos. Havia se comprometido, para o segundo turno, com as tão sonhadas 30 horas, que fariam a universidade ficar com as portar abertas desde manhã até a noite, sem fechar ao meio-dia. Eleito, precisou ser pressionado para levar adiante a proposta. Relutava, colocava entraves, mas ia caminhando.  Com sua trágica morte, em outubro de 2017, depois de uma espetaculosa ação da Polícia Federal, as demandas dos trabalhadores voltaram à estaca zero. No final daquele triste ano e no que se seguiu, a comunidade como um todo precisou se mobilizar para garantir que a universidade continuasse funcionando, até que viesse uma nova eleição.  As lutas particulares ficaram em segundo plano.

Em 2018, quando Ubaldo Balthazar enfrentou Irineu Manoel de Souza, os trabalhadores técnico-administrativos, em grande número, acreditaram que, por ser da equipe de Cancellier, Ubaldo honraria as promessas do reitor morto. Decidiram não colocar suas vidas nas mãos de Irineu, que já fora TAE e que já apontara com clareza meridiana suas propostas para a universidade, nas quais os TAEs teriam vez e voz. 

Com a chegada de Ubaldo Balthazar à administração central, os TAEs já tiveram de enfrentar de saída um longo processo de luta para garantir a permanência de uma trabalhadora que tinha sido reprovada no estágio probatório. Uma excrecência administrativa e uma clara perseguição. Não foi uma luta fácil, sempre barrada pela Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, que viria desde aí se mostrar, de maneira paradoxal, contrária a muitas demandas dos trabalhadores. 

Ao mesmo tempo em que a batalha por Juliane seguia dura, estava também colocada na mesa a proposta de controle de horário dos trabalhadores através do ponto eletrônico. Isso já tinha sido tentado em outras administrações, todas barradas. Os trabalhadores tinham construído uma proposta de controle social e com ela foram para a mesa de negociação, buscando esclarecer ao reitor que a universidade não era uma fábrica de salsichas e como uma instituição educacional não se prestava a um controle estrito como o do ponto. Mas, a conversa com a administração sempre foi difícil. Primeiro porque o reitor raramente se manifestou, sempre alegando que seguia o que mandava a Justiça, preferindo colocar a questão nas mãos da Pró-Reitoria de Gestão ou do chefe de gabinete, Áureo Moraes. 

Durante todo o processo que levou o Ministério Público indicar a implantação do ponto,  a reitoria se limitou a uma defesa formal sobre o tema, sem chamar os procuradores para uma conversa e sem propor uma ação mais agressiva no sentido de discutir a especificidade da universidade. Deixou que a questão corresse sem defender os trabalhadores, usando inclusive a ação como pretexto para acelerar o processo de controle. Estava mais do que claro para os trabalhadores que essa administração seguia a mesma linha de pensamento de praticamente todas (exceto a de Diomário de Queiróz) as que já passaram pela UFSC: a de tratar os TAEs como mão-de-obra desqualificada, sem qualquer ligação com o processo educacional. Para  maioria dos professores – e a administração parece se colocar aí – o TAE não desenvolve qualquer trabalho intelectual, podendo então ser controlado através do relógio. 

A administração finge desconhecer o trabalho dos TAEs que se faz nos espaços de ensino, de  pesquisa e de extensão, afinal, até mesmo os que tem como função abrir e fechar as portas estão envolvidos intelectualmente com seu fazer  e com a educação, porque sabem que se a porta não tiver aberta, o processo educacional não se realiza. Além do que, os que têm essa função não se limitam a ela, visto que esses trabalhadores também são responsáveis pela excelência dos espaços de aula e dos laboratórios, acumulando um conhecimento sobre os equipamentos e os processos que muito professor não tem. Isso é trabalho intelectual. 

O fato é que, passados três anos da administração de Ubaldo Balthazar, a gestão tem sido leonina com os trabalhadores TAEs. Praticamente nenhum avanço nas demandas internas, ainda que existam encontros e conversas amistosas que só revelam a omissão e o não-comprometimento com as promessas de campanha. O desmoronamento do já implantado processo das 30 horas foi central. Tudo foi cancelado sem levar em conta toda a estruturação da vida que já tinha sido modificada. Sem discussão e sem diálogo, os setores que já faziam 30 horas tiveram de desfazer os turnos e fechar os setores. 

Agora, em plena pandemia e todo o desconforto gerado pelo trabalho remoto, que tem esgotado e onerado os trabalhadores, a reitoria coloca como pão comido a implantação do malfadado ponto eletrônico. Nunca lutou junto com os trabalhadores, nunca se comprometeu, nunca sequer tentou compreender a proposta do controle social. Todo o debate sobre o tema sempre foi  marcado por uma postura anti-trabalhador  da pró-reitora Carla Búrigo – uma TAE – mostrando que o ponto nunca esteve em questão para essa administração, visto que nem o reitor, nem a Prodegesp esboçaram qualquer atitude diante das intervenções do Ministério Público e da Justiça.  A administração abriu mão da autonomia, não foi capaz de mostrar a verdadeira face do trabalho realizado na universidade e agora já dá como uma realidade sem volta a implantação do ponto eletrônico. Um ponto que será biométrico, com o uso de câmeras e catracas. Ou seja: O Ministério Público e a Justiça agem como se os trabalhadores da UFSC fossem um bando de irresponsáveis e relapsos, vagabundos em potencial, sempre dispostos a driblar o trabalho. E a administração aceita isso sem pestanejar. É o que pensa também? Acredita que os trabalhadores precisam desse tipo de controle bizarro e fora de propósito?

Claro, fora de propósito para nós que somos TAEs, porque para a administração e boa parte dos professores, é a coisa mais acertada a fazer: colocar um cabresto no trabalhador para voltar a exercer sobre ele o mesmo tipo de controle que havia quando não existia sequer concurso público: a velha moeda de troca para ganhar eleições. Aí, haverá chefes que afrouxarão, pedirão favores, tudo como antes na fazendinha Assis Brasil.

Assim que é hora de os trabalhadores compreenderem o tremendo erro que foi confiar nas promessas do grupo que trouxe Ubaldo para a reitoria. Porque foi um engano. Nem deu sequência às promessas feitas por Cancellier – e esse grupo venceu como defensor de seu legado – nem bancou as próprias promessas feitas. Para os TAEs essa administração não apontou nada de bom.  Pelo contrário.

É tempo de aprender a lição. 



quinta-feira, 2 de julho de 2020

Mulher-gato


Lidar com meu velhinho não é moleza. Os dias são difíceis e tensos, porque a demência é coisa dura de lidar. Mudanças rápidas de humor, a ideia fixa de ir embora, o pega-pega de coisas, o ir e vir sem parar. Uma rotina que não dá folga, ainda mais agora na pandemia. Mas, tem também seus momentos engraçados e mostra o quanto a gente tem a capacidade de se reinventar, ou de descobrir habilidades jamais imaginadas. Uma delas é o radar do movimento. Durante a noite, deito na cama ao lado do pai e quando ele adormece, eu também durmo. Mas, ao menor movimento, mesmo que eu esteja em alfa, acordo. Ele levanta umas quatro vezes para ir ao banheiro e é sempre um salseiro. Mas, eu não falho.

A outra habilidade que descobri em mim é a do olfato apurado,praticamente felino. Como agora ele não se dá mais conta que está fazendo cocô, se desobriga a qualquer momento, sem ir ao banheiro. Nos primeiros dias era aquela confusão, cocô por todo o lado, uma sujeirada. Tentei as fraldas. Não deu. Resolvi colocar nele só calças de pernas bem largas, então, se ele se aliviava, a coisa caia pelas pernas e eu corria para limpar. Estava dando certo. Mas, agora, eu adquiri a capacidade de sentir quando o processo começa. Então eu sinto o cheirinho e já saio correndo com os lencinhos umedecidos para aparar na saída, sem que ele chegue a sujar as calças. É incrível. Estou infalível, como um gato. É uma aventura e tanto. E engraçado. Porque ele sempre faz aquela cara de surpresa intensa.

- Mas, o que é isso?

- Nada não, só um cocozinho.

- Mas que barbaridade.

E assim, seguimos...


segunda-feira, 29 de junho de 2020

Dia do Pedro


Hoje é 29 de junho, dia dos Pedros do mar, dia dos pescadores. Nesse dia, aquático por natureza, nasceu o Pedro, meu amor. Esse canceriano diuturnamente grávido de ternura. Dele, não escapa uma palavra ruim, uma ofensa, um ai. Ele olha para a vida como se realmente tivesse entendido a promessa de que aqui seria um grande jardim, onde seríamos felizes. Pedro nunca saiu do paraíso. Ele o constrói, dia a dia, e generosamente o oferece aos que ama. Não que não sofra. Sim, ele sofre. Já sofreu perdas inomináveis. Mas, enfrenta com a certeza de que o que aqui se cumpriu foi bom e de que haverá o grande encontro. Então, volta a brincar no paraíso, com seu riso de menino, tornando tudo colorido.

Quando meu pai chegou, trazendo a demência e toda a mudança que gerou nas nossas vidas, ele tratou de ir tirando os entraves do caminho, abrindo os espaços para que o riso se mantivesse e a ternura fosse o fio condutor da nova existência. Ele já havia aberto espaços para dois desconhecidos vindos de Minas, que em pouco tempo já ocupavam seu coração, haveria de achar um canto para meu velho pai. E tem sido assim. Ele é o risonho pastor de gentes e bichos, mesmo dos gatos que diz não gostar. Sua presença ilumina a casa bem mais do que o gerador mais potente, bem mais do que o sol. Agora, avô duas vezes, de vera e emprestado, ele volta a abrir novos espaços nesse coração gigante, cornucópia de amor. Tudo é dádiva.

Com ele eu vivo desde há anos, quase sem rugosidades, e como Jesus apontando ao seu discípulo preferido eu também vaticino: Pedro, tu és pedra, e nela amarro meu barco, evitando que ele se perca no mar da demência e do imponderável. Ancorada no teu cais, eu me transformo em pandorga, e voo, para além do meio-dia, lá onde a dor não pode me alcançar. Porque tu és esse menino que não tem medo de soltar o fio, já que sabes que sempre encontrarei o caminho para tua morada.

Amo-te, broto. Amor meu. Feliz aniversário.