terça-feira, 14 de julho de 2020

Memórias da mãe


Minha mãe nasceu no campo, filha de um italiano e uma morena pelo-duro, da fronteira. Era a segunda filha. O primeiro era um varão, sempre preferido. Da mãe teve muito pouca atenção. Minha vó era filha de fazendeiro, metida a rica, e quando casou com o meu avô, italiano pobre, seguiu vivendo como se fosse abastada. O resultado eram as crises, pois o vô era do tipo bondoso e sempre acabava sendo levado no bico nos negócios. Tudo o que fazia não dava certo. Teve bar, e perdeu tudo, tinha dó dos clientes pobres e não cobrava. Depois, foi plantar arroz. Viveu até os 70 anos plantando em terra alheia, na dura vida de agricultor sem os meios de produção.

Da infância, a mãe contava que a vó a deixava trancada no quarto e ia com o vô para os bailes de campanha. Ela, no escuro, sozinha e com medo, se apegava nas novelas do rádio. Era tudo que tinha. Por isso, talvez, o seu romantismo incurável. Apaixonou-se, numas férias, quando tinha 15 anos, mas o guri era de Porto Alegre e acabou indo embora quando o verão terminou. A minha vó, que a queria casada com meu pai, escondia as cartas que chegavam semanalmente da capital, e a mãe achou que tinha sido esquecida. Aquilo a destruiu. Por fim, aceitou casar, afinal, que outro destino poderia ter? Nunca foi feliz no casamento, nunca esqueceu seu amor. De bom, teve os filhos, era o que dizia.

Essa foto tirada lá pelos seus 18 anos mostram uma guria pobrezinha, bem mal vestida, de chinelo de dedo, cigarrinho na mão e já com aquele olhar meio desesperado que lhe era característico. Tinha o nariz adunco, feito águia, uma belezura que não herdei. Era uma mulher triste. Foi triste até o fim. Morreu do pulmão, a doença da tristeza. Por mais que fizesse, nunca consegui lograr que ela recuperasse a alegria. Essa é também minha grande dor. Olhando pra ela, nessa foto que emerge das brumas do passado, me vejo, e me sobram as lágrimas.


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