terça-feira, 11 de novembro de 2014

O terror da aparência



Gosto de ver televisão, um instrumento comunicativo que, para mim, é constituído de profunda magia. Incrível pensar que milhares de pontinhos de luz possam gerar a imagem em movimento. Uma piração. Não foi à toa que o início da minha profissão de repórter tenha sido na caixinha feiticeira.  Fazer TV, ver TV, coisa que me encanta. Por ali pode-se encontrar a porta para um mundo de belezas.

Mas, por conta da indústria ideológica que se apropriou desse veículo, é na TV também que a gente pode observar as piores ideias e maldades humanas sendo disseminadas à exaustão, formando e formatando cabeças vazias de saberes.

Ontem, lentamente eu passava os canais tentando encontrar alguma maravilha. Talvez um filme com o Ricardo Darín, uma coisa que me elevasse a alma, uma vez que tentava tirá-la do submundo de dor. Mas, acabei mergulhada em mais uma dessas barbaridades que fazem com os seres humanos em nome de uma "pedagogia da beleza", típica do capital.

Era um desses programas em que alguém da família escreve pedindo ajuda a um especialista de moda para alguém que eles consideram malvestido ou brega na sua forma de ser no mundo. A pessoa em questão era uma mulher negra, muito linda, um pouco gordinha, que usava umas roupas bem despojadas, largas e confortáveis. Tinha um cabelo cacheado, bem armado, e seu sonho era criar um entidade para recolher crianças das ruas. Já fazia isso, mas sem estrutura.

A apresentadora do programa foi chamada para "arrumar" a mulher. Segundo os familiares: "quem iria dar dinheiro para a entidade vendo uma mulher tão malvestida?" Ela não se dobrava. Dizia que era assim que se sentia bem, no conforto. A apresentadora forjou então um grupo de investidores que ouviria o plano da mulher para a construção da ONG. Mas ela teria de apresentá-lo escondida. Todos ouviram. "Quem ajudaria esse plano?" -  perguntou a modelo. Todos acenderam a luz. Apostariam dinheiro na proposta generosa da mulher.

"Agora entra, fulana", disse a apresentadora e lá veio a mulher, toda bonita com suas roupas largas, botina surrada e cabelo afro. "E agora, quem financiaria o plano dessa mulher?", perguntou de novo. Dos oito participantes, apenas dois acenderam a luz. A mulher ficou perplexa, com os olhos cheios de lágrimas. Aquelas pessoas demoliam um sonho por conta das roupas que usava. Mas a perplexidade não gerou a ira. Gerou estupor e aceitação. Ela, desanimada, decidiu mudar o visual. Eu bem sei que tudo isso é forjado e que era óbvio que a mulher aceitaria, mesmo assim esbravejei, xinguei, amaldiçoei todos os cinco donos da redes mundiais. Mas fiquei ali para ver  o que fariam àquela adorável mulher.

O final do programa a mostra transformada. Roupas chiques, dadas pelo programa e que ela certamente não conseguirá manter. Um cabelo alisado e de comprimento aumentado que tirou dela toda a personalidade que tinha anteriormente. Ficou parecendo uma boneca, com aqueles cabelos feitos de nylon. O rosto pintado apagou as marcas que a faziam forte. Era um pastiche da Naomi Campbell. Os familiares olhavam para ela inebriados: "Agora sim, é uma nova mulher".  De fato, era. Ela mesma se olhava no espelho e não se encontrava mais. Mas, já havia sido ensinada que ou se rendia aos modelos impostos pelo mundo do "bem vestir" ou estaria fadada ao fracasso.

De revesgueio olhei para meu guarda-roupa que, por ser velho, não fecha mais a porta, e espiei as roupinhas que tenho. Bateu em mim um terror. De acreditar que aquilo tudo dito ali pudesse aparecer como  verdade a alguém. Sou o que visto? Não posso expressar meu ser de maneira doida, extravagante ou simples demais? Tenho de seguir os apelos da moda? A mulher na tela parecia a noiva do Chuck. E chegara tão bonita.  Quanta deformação essa caixinha mágica pode provocar. Odiei a mulher, odiei a modelo, odiei Murdock. Mandei todos às favas e fui ouvir Jorge Drexler. "Amar la trama más que el desenlace".. ai, ai..


"Não tenho nada com isso"


Lixão onde queimaram os estudantes  - Foto: El País

O México se levanta na busca dos 43 estudantes que foram sequestrados e desaparecidos por forças do narcotráfico aliadas às forças do governo. Um crime brutal. Relatos dão conta que alguns podem ter sido queimados vivos. Outros foram metralhados ainda dentro do ônibus, onde estavam, vindo de uma cidade vizinha onde tinham ido buscar recursos para viajar para a cidade do México. Os estudantes da combativa escola Escola Rural Normal de Ayotzinapa queriam participar das celebrações de um terrível massacre de estudantes, ocorrido no México em 1968: o massacre de Tlatelolco. Por absurda ironia, eles mesmos seriam massacrados violentamente.

Naquele dia 26 de setembro eles partiram da escola rumo a cidade Iguala onde realizaram campanha de arrecadação de recursos, passando pelo comércio e até fechando algumas ruas para um pedágio. A movimentação de estudantes colocou em alerta os grupos armados e a municipalidade pois, na cidade, seguidamente os estudantes estavam questionando os atos criminosos, comuns por ali, praticados inclusive pelos políticos dirigentes. Era fato corrente que a esposa do prefeito, por exemplo, dirigia as finanças de um grupo ligado ao narcotráfico. A presença dos normalistas na cidade, de certa forma, também denunciava o fato de que o território estava tomado pelos grupos armados dos narcotraficantes, a tal ponto de que em vários povos, as comunidades tenham de se armar para se defender dos ataques e das brigas entre os bandos.

Por alguma razão o grande grupo de estudantes foi visto como um perigo, seja a esposa do prefeito, seja aos grupos do narco. O fato é que quando voltavam para casa, já tendo feito suas manifestações na cidade, eles foram atacados, sem que houvesse dúvidas de que aqueles homens ali estavam para matar. Primeiro os ônibus foram parados e logo em seguida já começou a metralha. Uma parte conseguiu fugir, outra foi morta no local. Os que ficaram foram levados em carros oficiais, da polícia, ainda que tenham sido adulteradas as placas. Testemunhas contam que eles chegaram com vida na intendência, mas logo foram recolhidos por outros agentes que os entregaram ao bando do narcotráfico. Já estava decidido que eles iriam morrer.

Relatos dos jornais locais, com depoimentos dos membros do cartel, já presos, contam que os estudantes foram levados até um lixão fora da cidade, alguns morreram asfixiados durante o trajeto.   Os que chegaram vivos eram interrogados sobre se faziam parte de um grupo rival. Ao que parece esse foi o golpe de mestre. Os policiais entregaram os jovens como se eles fossem integrantes de outro bando. Assim, não sujavam as mãos com o sangue deles. Mesmo que todos tenham dito serem estudantes da escola Normal Rural, não houve crédito. Foram executados com um tiro na cabeça. Depois, os corpos foram empilhados e queimados. A fogueira humana ardeu por horas, vigiada pelos homens do narco. Na manhã seguinte, eles recolheram o que sobrara em alguns sacos plásticos e jogaram no rio San Juan.

Passados mais de um mês da desaparição dos estudantes, o México se levanta em rebelião. Por todos os lugares o povo sai às ruas, chocado com tamanha barbárie. "Vivos os levaram, vivos os queremos", dizem os familiares e todas as gentes do país, hoje irmanadas na busca por Justiça. Algumas pessoas já foram presas, inclusive o prefeito de Iguala e sua esposa. Mas, o povo mexicano sabe que a brutalidade do que aconteceu em Guerrero não é uma coisa isolada. O país está tomado pelos grupos criminosos, com a participação explícita de grandes figuras nacionais. O narcotráfico prospera porque tem apoio oficial. O próprio presidente Peña Nieto está sendo questionado. Prender alguns homens que praticaram o doloroso crime não será suficiente. Porque o que se coloca em questão é a criminalização dos movimentos sociais, a ligação simbiótica das forças policias com o que há de pior nos cartéis do crime.  

A morte dos estudantes da escola rural que forma professores para o ensino fundamental abriu um caminho de manifestações gigantescas, de retomada dos grandes temas nacionais. Pelas ruas, as pessoas exigem punição aos responsáveis pelo crime e o fim estado paralelo, criminoso, que viceja sob as bênçãos dos governantes.  Também questiona o estado em si, igualmente criminoso, capacho das políticas impostas pelos Estados Unidos, responsável pelo crescimento do narcotráfico e incapaz de garantir a vida digna de seu povo. Nos últimos dias, até a porta do palácio presidencial foi queimada, num claro aviso de que o povo que realizou uma das revoluções mais bonitas dessa Abya Yala está desperto e unidos.

A fumaça que se ergueu sob a cidade de Iguala naquela triste noite de 26 de setembro se espalhou, adentrou janelas e mentes. A morte de todos aqueles jovens não será em vão. pelos caminho da nação mexicana haverão de se levantar as gentes e alguma coisa muito bonita haverá de brotar. Foi assim em Atenco, Oaxaca, San Critóbal e tantos outros lugares do grande México, onde a luta do povo unido tem mudado a realidade.

Desde aqui, do Brasil, onde também vivemos o massacre cotidiano dos jovens pobres e negros, nas favelas, nas periferias, nós nos solidarizamos com as famílias e com todos os mexicanos em luta. Aterrados, também assistimos, na última semana, um chamado feito por policias, via facebook, para uma chacina em Belém do Pará, no norte do país. Por conta da morte de um policial em serviço, foi dado o "salve geral", senha para a matança. E quando a manhã chegou, mais de 30, talvez 50 pessoas - pelas contas da comunidade  - estavam mortas, num julgamento pessoal, sem provas, sem motivos, sem nada. Não eram estudantes, mas eram também jovens, perdidos de esperança.

Muitos, ao verem esses fatos pela TV, dizem: "Com certeza eram marginais, que me importa, não os conheço, não tenho nada com isso." Mas, o fato é que deveriam se importar. Quando um estado perde o controle de sua força policial e ela começa a agir como os ditos "bandidos" que combate, o tecido social se rompe e abre espaço para a barbárie como a do estado de Guerrero no México, ou a de Belém. E quando a barbárie se instala ela fatalmente atinge a todos nós.

Assim, no terror cotidiano, seguimos, na dura luta pela vida digna.


Meninos de Ayotzinapa, presente! Meninos de Belém, presente!


segunda-feira, 3 de novembro de 2014

A princesa do Jarau


Cerro do Jarau - Quaraí

Já era noite e só se ouvia o barulhar dos bichos. Medo, ele não teve. Não teria. Tinha vindo de muito longe atrás da princesa. Haveria de encontrá-la. Era pequeno quando ouvira o pai contar a lenda da Teiniaguá, uma espécie de lagartixa com cabeça de fogo, que morava numa lagoa fervente no cerro do Jarau, lá na cidade onde nascera. Ficava na fronteira com a Argentina, um lugar pequeno, cheios de mistérios, à beira do rio Uruguai. O bicho não era bicho, dizia o pai. Era uma princesa moura que tinha sido encantada, vindo lá das bandas de Salamanca, na Espanha.

A lenda corria de boca em boca na cidade de Quaraí. Todos tinham medo do lugar porque os padres diziam que a lagartixa tinha parte com o diabo. Mas, ao mesmo tempo, os homens sabiam que se ela, transformada em princesa, se apaixonasse por alguém, a criatura seria a mais feliz do mundo. Por isso sempre um se aventurava. Foi assim com o sacristão. Ele não ouviu os padres e buscou a Teinigaguá, aprisionando-a numa guampa. Quando destapou, a lagartixa virou mulher e eles se apaixonaram.

Os padres descobriram a coisa toda e decidiram matar o sacristão, pois acreditavam que ele estava enfeitiçado. Mas, quando tudo estava pronto para a execução, houve um grande tremor de terra e abriram-se grandes crateras. Era a Teiniaguá, buscando seu amor. Em meio a explosões ela salvou o sacristão e levou-o para dentro do monte, que ficou encantado, conhecido até hoje como a “Salamanca do Jarau”. Dizem que os primeiros gaúchos nasceram dessa união. 

Depois disso tudo, dizia o povo que quem se atrevesse a entrar no Jarau, encontraria a Teiniaguá e teria de passar por sete provas. Caso conseguisse vencê-las teria muita sorte no amor. Muitos pereceram naquelas entrâncias da montanha. Houve gente que nunca mais se viu.

Herculano viera de Minas. Tinha fé que encontraria a princesa, passaria pelas provas e, enfim, teria nos braços a pequena Rosa, por quem suspirava havia anos. Só a Teiniaguá poderia fazer o milagre. Rosa era bonita demais e filha do prefeito. Nunca sequer notara sua existência de guri mestiço, agregado na casa do leiteiro. Nem na igreja, onde todos se igualam, ela lhe voltara os olhos. A moura, com sua mágica, lhe daria Rosa.

Viajara por muito tempo, estava cansado. Mas, não imaginara aquele clarão surgido no lado esquerdo do monte. Era real. Parou o jipe e pulou a cerca de arame. O morro estava longe. Haveria que andar. Não pestanejou e foi seguindo a luz. Era a Teiniaguá. Olhos fixos, foi caminhando por cima dos cupins que abundavam nos campos. Suas retinas estavam carregadas com o rosto de Rosa, os lábios carnudos, o riso de cristal.

Herculano circundou o cerro buscando algum buraco. Não demorou muito e encontrou a fissura por onde um homem podia passar. Rastejou e entrou. O clarão explodia aqui e ali, negaceando. De repente, um canto, dolente. No meio do lago subterrâneo, ela apareceu. Não era lagartixa. Era mulher. Os cabelos negros, bem lisos, caindo pelos ombros. O vestido branco, molhado. O sorriso doce. Ele correu ao seu encontro. Daria tudo o que tinha em troca do amor de Rosa. Tudo? Sim!

Era de manhã quando o povo que mora perto do Jarau viu o homem saindo de dentro do monte, se arrastando como cobra. Tinham escutado os barulhos de trovão e sabiam que alguém devia estar com a Teiniaguá. Ninguém imaginava que sairia vivo dali. Mas, aquele saíra. Da janela espiavam. Não era gaúcho. Tinha um jeito nordestino, sabe-se lá. Viram que sorria e trazia alguma coisa na mão.

Sem olhar pra trás, Herculano subiu no jipe e deu meia volta. O caminho até Minas era longo demais. Ele chegaria.

Celebração do Dia do Saci

Atividade realizada na Esquina Democrática, em Florianópolis, no dia 31 de outubro de 2014. O Dia do Saci é celebrado desde há 11 anos na cidade, numa promoção da Revista Pobres e Nojentas, com o apoio do Sintufsc, Sintrajusc, Sindprevs e Sinergia.


sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Aos colegas da UFSC e aos companheiros de luta


A batalha de hoje foi só mais uma na longa e tenebrosa luta para garantir vida boa e bonita para todos.

A direção do Sintufsc cumpriu hoje um papel jamais visto na entidade. Encerrou uma assembleia sem discutir  ou votar os encaminhamentos, abandonando seus filiados numa final de greve que contou com todos os ingredientes conhecidos pelos mais importantes sindicatos pelegos da história do país. Seria uma tragédia, não fosse a força da luta dos trabalhadores que sabem muito bem que essa não é uma ação do "Sintufsc", mas de uma direção, composta por pessoas que não tem compromisso algum com a luta real dos trabalhadores. A farsa montada pela direção da entidade recoloca o sindicato dos trabalhadores da UFSC nas trevas do coronelismo. Vamos aos fatos:

. Os trabalhadores deflagram uma greve em cinco de agosto. Os diretores são contra, mas perdem a votação e são obrigados s encaminhar as atividades.

. Ao longo de todo o processo de greve, foram os trabalhadores que tocaram o movimento, sempre encontrando forte oposição por parte da direção do Sintufsc.

. Depois que a reitoria cortou o salários dos trabalhadores, alegando "falta injustificada", o que é uma mentira,  direção do Sintufsc chegou a lançar nota de repúdio aos trabalhadores que realizaram um ato, aprovado em assembleia.  

. Juntava-se assim, a direção, de maneira descarada, à administração central, coisa que sempre foi uma prática das direções pelegas.

. Hoje, depois de realizar um encontro de aposentados e convencer os colegas que já estão fora da UFSC de que era "um absurdo" estarem descontando fundo de greve, conseguiram levar para a assembleia um número expressivo de colegas aposentados, dispostos a votar contra o desconto do fundo de greve, que é estatutário. Os discursos "anti-solidários" são dignos de entrarem para a história.

. A assembleia resumiu seu debate entre descontar ou não os aposentados, apostando na mesquinharia e na divisão, centrando foco num mísero desconto de 1%. Uma aposentada chegou a dizer "essa luta não é minha", mostrando que a solidariedade com os colegas não estava em questão. Normal, num estado e numa cidade conservadora, marcada pela lógica do individualismo e coronelismo.

. No meio desse debate, a direção da mesa colocou em votação, sem permitir que houvesse defesa das propostas, o fim da greve. Apresentou apenas a proposta do diretor do sindicato Dilton Rufino, que era para encerrar o movimento. A direção da mesa não permitiu que se defendesse contrário a propostas. Colocou em votação de maneira rápida, garantida pela maioria formada por aposentados e trabalhadores que nunca antes tinham aparecido nas assembleias. Foram chamados e levantaram o braço na hora indicada. A velha prática do coronel.

. A direção do sindicato conseguiu, assim, num átimo e sem discussão, encerrar a greve, de maneira completamente apolítica, sem permitir a defesa da proposta de continuidade, atropelando todo mundo.

. Essas manobras autoritárias podem ser questionadas depois, até na Justiça, mas são muito comuns em direções que não primam pela democracia e pela liberdade.

. O mais grave foi que, terminada essa votação, e com todos os "chamados para o voto" se retirando, a direção se negou a seguir com a assembleia, para discutir o destino dos trabalhadores que estão com salários descontados e com punições. Os três dirigentes que comandavam a mesa se recusaram a discutir os encaminhamentos que visavam proteger os companheiros e companheiras. Ou seja, abandonaram seus filiados aos leões, mandando inclusive que fosse desligado o som.

. Essas são as pessoas que fazem discursos chamando seus adversários de "fascistas". Hoje, desvelaram, em meio a farsa montada, sua cara horrenda.

. De tudo o que se viu, e que será melhor narrado depois que passar o estupor, uma única cena me ficou marcada na memória: colegas meus, pessoas com as quais eu convivo diariamente na UFSC, que eu abraço, beijo e quero bem, depois de votarem pelo fim de uma greve que nem sequer estavam fazendo, pulavam, gargalhando, como se fosse um copa do mundo, comemorando o abandono de seus companheiros de trabalho.

. Colegas celebravam não o fim de uma greve, que pode ser conflituosa sim, mas a derrota de seus companheiros, a derrota deles mesmos como trabalhadores. E mais, vibraram, de maneira cruel, pelo abandono dos colegas que ficaram sem salário, que terão uma série de punições por terem se levantado em luta, de maneira solidária e generosa, para garantir um direito que se estenderia para todos.   

Vencidos na batalha, mas não derrotados

Os colegas nossos que tão logo votaram pelo fim da greve e foram embora gargalhando não viram o que aconteceu depois. Então eu quero contar.

. Os trabalhadores que estavam na greve - uma greve histórica, generosa, bonita, criativa - se reuniram para discutir a situação. Essas pessoas debateram, analisaram, fizeram planos. Essas pessoas se abraçaram, vociferaram, sorriram e tramaram novas redes.

. A direção do sindicato promoveu o fim da greve, mas não pode deter a continuidade da luta. Os trabalhadores estão organizados, seguirão se reunindo e buscando caminhos para garantir uma vida boa e bonita para todos.

. Os trabalhadores técnico-administrativos da UFSC colocaram na pauta da universidade uma questão que não pode mais ser escondida, ignorada ou evitada: a necessidade política e humana das 30 horas.  Ela já colou no coração e no cotidiano das pessoas. Essa luta não acaba aqui.

. A greve interna colou também a nu a pequenez dessa gente que hoje dirige a entidade histórica de luta dos trabalhadores, o Sintufsc. Arrogantemente o diretor gritou no microfone: "nós vamos vencer as eleições para o sindicato", mostrando que o movimento no qual eles estavam não era o mesmo nosso. Ninguém ali estava disputando aparelho. A luta era para garantir direitos. Eles estavam mesmo na luta errada.

. A greve mostrou ainda a incapacidade política da administração central da UFSC em lidar com suas próprias promessas de diálogo e democracia. Tudo isso foi ignorado, com autoritarismo e arrogância.
. Mas, para quem continua mobilizado, resta uma certeza. O Sindicato é um instrumento importante na luta dos trabalhadores, mas quando está contra os direitos das gentes e contra a beleza, ele precisa ser mudado.

A vida segue na UFSC e aqueles que lutam sabem que não estão sozinhos. A roda do tempo gira e nada é para sempre. Nem a direção do Sintufsc, nem a administração central.  Unidos, vamos atravessar a tormenta, porque é assim que é a vida.


Seguimos, companheirada... Foi bonito, e o que é melhor, será ainda muito mais, porque estamos juntos!!! 


Carta aberta à comunidade universitária



Os trabalhadores técnico-administrativos em educação (TAEs) estão em greve desde o dia 05 de agosto. Decidiram por deflagrar esse movimento depois que a reitora Roselane Neckel, rompendo um processo de negociação que vinha sendo construído desde a greve de 2012, baixou uma portaria, definindo, de maneira unilateral e autoritária, como deveria ser a jornada de trabalho da categoria, desconsiderando todo a construção de um grupo de trabalho criado pela própria administração para discutir a reorganização da vida laboral na UFSC. Surpreendidos com a medida, que abarcava apenas os TAEs, os técnico-administrativos entenderam que a atitude se configurava uma retaliação pela participação dos trabalhadores na última greve da Fasubra, encerrada em junho desse ano.

Assim, depois de muito debate, os TAEs optaram por deflagrar um movimento de greve que chamaram de “ocupação”. Ou seja, a greve fugia da lógica tradicional, de paralisação dos serviços, e se apresentava com a proposta de ampliação dos serviços, uma vez que boa parte dos estudantes fica excluída do atendimento da UFSC, já que os setores fecham no horário do meio-dia e também à noite, quando muitos cursos têm aulas.  Os trabalhadores não aceitaram a decisão antidemocrática de estabelecer um horário comercial para uma única categoria que, tal e qual os colegas professores, produz trabalho imaterial, fora da lógica da produção.  

A greve, histórica, por ser a primeira greve interna da UFSC decidiu, como metodologia de luta, implantar os turnos corridos de seis horas, mantendo os setores abertos por mais de 12 horas, enquadrando-se assim na lei que permite a jornada de 30 horas, caso haja o atendimento ininterrupto. Era uma forma de mostrar à reitora que já estava na hora de a UFSC ser exemplo nesse processo que está em curso, com lutas semelhantes em praticamente todas as instituições federais. E assim foi feito.

Imediatamente, os trabalhadores encaminharam pedido de abertura de negociação. Queriam retomar o diálogo interrompido com a medida autoritária. Conseguiram garantir três mesas de negociação, ainda que sem a presença das reitoras, que, infelizmente, recusam-se a negociar cara-a-cara com os trabalhadores desta universidade. De qualquer forma, os TAEs se dispuseram a conversar, colocando na mesa a necessidade de uma discussão ampla em toda a universidade, não só sobre a jornada dos trabalhadores, mas todo o processo de organização laboral, incluindo também os professores, já que também são servidores federais, e os estudantes. Apenas na terceira mesa ouviram do chefe de gabinete que a proposta de debates costurada ao longo da greve estava aceita.

Mas, para surpresa de todos, um dia antes da assembleia que iria discutir a proposta acordada na última mesa de negociação, a reitora baixa uma ordem de notificação de desconto de horas dos trabalhadores em greve. Alega a dirigente da UFSC que os trabalhadores estão sendo “impontuais”. A reitora se recusa a reconhecer que os TAEs estão em greve. Manda cortar salário sem levar em conta o movimento. Não bastasse essa ser uma decisão também histórica - jamais um reitor cortou horas de trabalhadores em luta  - ela se faz sem qualquer base material. Ficou a cargo das chefias estabelecerem o número de horas “faltantes”. Mas, como saber quantas horas um trabalhador trabalhou se as chefias não ficam o tempo todo no setor? Muitos chefes estão enviando boletins de frequência com informações falsas, já que não têm como provar se o trabalhador estava ou não no setor.

Nesse contexto de “caça aos TAEs” deflagrado pela reitora Roselane Neckel, muitas são as diferenças de tratamento. Como a universidade não é uma fábrica e os setores precisam atender em horários diferentes, tem sido prática corrente os acordos, nos quais chefias e trabalhadores estabelecem seus horários levando em conta as necessidades dos setores. Alguns desses acordos estão se dando em bases ilegais, com os trabalhadores assinando a folha ponto com um número de horas que não corresponde a realidade. Mas, como estão “sob acordo”, tudo fica bem.

Muito tem sido dito pela atual administração central sobre legalidade. Observamos um movimento contínuo de Roselane Neckel de esconder-se atrás da Procuradoria Federal, e recusar-se a realizar os debates no campo da política. Lamentavelmente, muita desinformação sobre legislação vem sendo difundida pela gestão atual, que se recusa a discutir casos de IFES em que reitores, exercendo a autoridade administrativa que lhes é cabida, autorizaram a redução da jornada de trabalho com ampliação de atendimento. O caso de Pelotas é emblemático, mas, também recentemente, a reitoria do IFSP instituiu tal medida, demonstrando, mais uma vez, que cabe ao administrador máximo de cada instituição tomar esse tipo de decisão.

Mais lamentável ainda é o fato de a atual gestão que se pauta numa suposta “legalidade” quando assim convém, mas fechar o olho para irregularidades quando necessário para levar a cabo suas políticas. É o que se evidencia quando cria um órgão deliberativo próprio, o suposto “Fórum dos diretores”, sem participação estudantil ou dos TAEs, transformando o Conselho Universitário num espaço meramente formal. Ilegais também são as ordens emitidas pela reitoria às chefias dos setores, para que se adulterem os documentos de registro de frequência dos TAEs, retirando deles qualquer menção da palavra “greve”.

Os trabalhadores não querem compactuar com corrupção, nem querem acordos individuais, que os aprisionam em redes de favores e privilégios, ao bel prazer dos chefes. Os trabalhadores em greve querem um debate amplo na UFSC sobre a organização do trabalho na universidade. Um debate honesto, levando em conta todas as especificidades de cada Centro, cada setor. E que a universidade, como instituição autônoma, decida sobre seu funcionamento, sem se render a ordens de outras entidades. Só a UFSC sabe como deve gerir sua vida. É isso que os trabalhadores querem: uma decisão coletiva, autônoma e honesta.

A reitora insiste em punir com corte de salário os trabalhadores que estão exercendo seu direito legítimo de greve, e, neste caso, sem prejudicar o funcionamento da UFSC, uma vez que estão trabalhando normalmente.  E mais, busca promover acordos individuais para que saiam da greve. Caso desistam do movimento, propõe, terão o “perdão” do desconto. Isso é desonesto com os trabalhadores e com a sociedade. Não queremos acordos, nem enganos. Queremos que a sociedade saiba que o trabalho que realizamos pode e deve ser feito em turnos ininterruptos, garantindo atendimento de qualidade, sem exclusão.

Nossa batalha não é contra o registro de frequência. pelo contrário, temos propostas concretas para isso, que não passam pela ultrapassada folha ponto, nem pelo ponto eletrônico, igualmente ineficaz para o tipo de trabalho que se produz na universidade. Temos propostas e queremos ser ouvidos. Essa é a luta!

Pedimos o apoio de todos nessa luta. Que a comunidade se levante contra os “acordos secretos”, que não aceite a ilegalidade, a falsidade ideológica. Que haja os debates, amplos e em todos os Centros, Reitoria e nos campi, para que possamos apresentar nossas demandas e defender nossas ideias. Essa é uma universidade democrática e permitir uma arbitrariedade com os TAEs hoje, é abrir caminho para o fortalecimento do autoritarismo. A mão que hoje golpeia os TAEs pode golpear qualquer um amanhã.

Queremos que a reitora reconheça nossa greve, que suspenda as punições e que abra o debate sobre a jornada de trabalho. Que comporte-se com a dignidade que o cargo exige, e seja coerente com a plataforma política com a qual se elegeu.

Técnico-administrativos em Educação em greve
OUTUBRO/2014

terça-feira, 28 de outubro de 2014

O AI-5 na Academia





Livro conta como o manual do lead, dos jornalistas, foi usado para punir o ensino do jornalismo


A jornalista Roseméri Laurindo lança quinta-feira, dia 30, às 17 horas, em Florianópolis, o livro “AI-5 na academia: o Manual do Lead usado pelos golpistas de 1964 para punir o ensino de Jornalismo”, com selo da Editora da FURB (EdiFurb). Nos 50 anos do Golpe Militar e nos 50 Anos das Ciências da Comunicação no Brasil, a autora revela, pela primeira vez em livro, como o Decreto 477 do Governo Militar Brasileiro (o AI-5 da Academia) foi usado para a demissão do catedrático José Marques de Melo da Escola de Comunicação da USP, em 1974.

O lançamento será no salão interno de recepção do Plenário da Câmara de Vereadores da Capital (Rua Anita Garibaldi, 35 - Centro), logo depois da inauguração do monumento do projeto “Trilhas da Anistia – Marcas de Caravanas e Recontes de Histórias”, atividade promovida pela Comissão da Verdade da Câmara Municipal de Florianópolis.

O livro, como destaca o texto da EdiFurb de divulgação, mostra como, sob a alegação de que, ao ensinar a técnica do lead, Marques de Melo estivesse incitando os alunos à subversão, os agentes do governo exigiram a demissão sumária do professor, sem direito à defesa ou seus benefícios trabalhistas.

O manual pode ser visto no Arquivo do Estado de São Paulo, entre os documentos resgatados do Deops (Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo), como prova da repressão política que houve no país. Histórias para serem conhecidas e ajudarem no combate ao autoritarismo que volta e meia ronda as instituições, ressalta a EdiFurb.

O prefácio da obra é do reitor da FURB, João Natel Pollonio Machado. Para ele "o livro de Roseméri Laurindo descreve uma dessas barbáries perpetradas nesta época e traz um pouco de luz sobre a vassalagem que se instalou nas universidades, principalmente públicas. Mas não é apenas mais uma. A expulsão do professor José Marques de Melo da Universidade de São Paulo e as restrições e negativas do exercício do seu trabalho em outras instituições, como educador da incipiente área do jornalismo, foi marcante pela futilidade dos argumentos, e ceifou gerações inteiras do verdadeiro jornalismo, investigativo e construtivo, necessário à construção da cidadania".

Natural de Blumenau, Roseméri é formada em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com mestrado pela UFBA, doutorado pela Universidade Nova de Lisboa e pós-doutorado pela Umesp. Atualmente, é Coordenadora do Curso de Jornalismo da Universidade Regional de Blumenau, primeiro curso criado no país, em 2014, com base nas Novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino de Jornalismo no Brasil. Em 2014 Roseméri foi a vencedora do Prêmio Luiz Beltrão, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom), na modalidade Liderança Acadêmica.