quinta-feira, 23 de março de 2023

Aprovadas as mudanças no Plano Diretor


Aconteceu o esperado. Os vereadores da capital, por ampla maioria, aprovaram as mudanças no Plano Diretor. Basicamente agora será permitido o aumento dos números de andares nos prédios e se entrega o desenho da cidade para os empresários. Ou seja: a prefeitura cede soberania aos homens do cimento. Sendo assim, aquele que foi eleito pela população para comandar os destinos da cidade, simplesmente não comanda. Concretiza-se o estelionato eleitoral. Mas, se é assim, por que não se observa uma rebelião na cidade? Por que a maioria simplesmente não se importa com o que acontece na Câmara? Por que o protesto se limita a um grupo específico que desde há mais de duas décadas estuda, acompanha e elabora propostas para a cidade? 

A resposta para isso é simples: a ideologia prevalece e obscurece a compreensão sobre o que de fato acontece na vida das pessoas. 

A maioria da população está ocupava em sobreviver. Lutando para manter a cabeça fora da miséria da vida. São trabalhadores e trabalhadoras, estudantes, desempregados buscando bicos, enfim, gente em batalha. No pouco tempo que têm para seu descanso ou lazer, o máximo que conseguem fazer é ficar diante da televisão ou nas redes sociais. E, nestes espaços a mensagem que chega é singela. As mudanças que a prefeitura quer fazer na cidade vão garantir mais emprego e mais oportunidades para as pessoas. Novos prédios são novos espaços de trabalho e a ocupação desenfreada das praias também trará empregos nos bares, restaurantes, lojas etc... Transformar Florianópolis em uma nova Balneário Camboriú trará turistas de montão e provavelmente artistas famosos de todo mundo comprarão lindas coberturas em frente ao mar. 

Aqueles que moram ainda perto do mar poderão vender seus terrenos a preços altíssimos e pouco importa se tiverem de morar nos municípios vizinhos, terão um dinheirão no bolso. E pouco importa se as praias estiverem cheias de merda, a turma aproveita igual. Não é assim no Balneário Camboriú, onde até o Cristiano Ronaldo tem um apartamento? Se é tão ruim assim, por que as temporadas de verão bombam por lá? 

O apelo a um possível emprego e ao dinheiro fácil que virá se servirmos aos ricos que consumirão os novos prédios de apartamentos parece ser imbatível. No geral, pouco se compreende a proposta de preservar as dunas, as restingas, os mangues e a floresta atlântica. Como se vai arrancar dinheiro dali? É onde a pedagogia da beleza do capitalismo nada de braçada. Porque o que os capitalistas prometem é: se vocês trabalharem duro, vão chegar lá. E esse lá a que se referem aparece como “vocês serão iguais aos moradores ricos dos prédios caros ou aos turistas que vêm no verão curtir a praia”. Mas, na verdade, o lá aonde nós, os trabalhadores chegamos, segue sendo o mesmo lugar de sempre: o de vendedores da nossa força de trabalho para enriquecer algum empresário. A não ser por um golpe de sorte – que atinge raros – os trabalhadores seguem tendo de se virar no almoço para pagar a janta. 

Só que esta realidade fica escondida pela ideologia que se esparram na televisão e nas redes sociais. Nas telas, jornalistas e “influenciadores” de boca alugada esbravejam contra quem quer preservar a natureza e garantir a cidade como um espaço para todos. E, aqueles que não têm tempo nem condições materiais para conhecer a realidade, acreditam, e passam a defender a mesma ideia. Danem-se as dunas, se brotarem hotéis. Dane-se a restinga se brotaram condomínios de luxo. Dane-se a floresta se brotarem áreas de eventos para os granfinos. 

E, nessa batalha ideológica, os movimentos sociais que lutam para garantir uma cidade soberana ficam em desvantagem, porque eles não aparecem na televisão todos os santos dias, eles não aparecem nas redes sociais, eles não são distribuídos nos uatizapis de família. Raramente conseguem chegar à maioria e quando chegam são pintados como ecochatos, inimigos do progresso e gente que atrapalha o sonho de “chegar lá” da turma que está aí, trabalhando duro. É uma luta desigual. 

Por isso não surpreende que a Câmara tenha mandado cercar o prédio para impedir que os movimentos comunitários acompanhassem a votação e protestassem. Por isso a polícia, a força bruta. E na televisão e nas redes o mesmo discurso: “esse povo só quer atrapalhar, pau neles! Bora fazer de Florianópolis um lugar moderno e perfeito para se ganhar dinheiro”. Como vencer esse discurso sedutor?

Não há como escapar. 

Não temos mais os velhos partidos políticos atuando nos bairros, nas comunidades, formando gente. Não temos trabalho de formação política nos sindicatos. Não temos a sistemática caminhada junto à população levando informação e conhecimento. Não há formação para a rebeldia. Tudo se dá nas redes, como se tivéssemos o mesmo espaço, como se o algoritmo não apagasse as pegadas dos lutadores, como se os servidores alocados no estrangeiro não censurassem. Aceitamos fazer a luta no campo deles, sem preparar qualquer surpresa. Eles sabem que o máximo que faremos será gritar lá na frente da Câmara, numa ação ritualística de impotência. 

O poder perdeu o medo que tinha dos trabalhadores organizados. Eles patrolam e riem de nós. Temos 23 vereadores na capital. Quatro votaram contra a proposta que entrega a cidade para o cimento. Quatro. Uma do PT, três do PSOL. Os 19 restantes votaram sim. E celebram. 

Hoje, nossa cidade comemora mais um ano de existência. Uma cidade que se perde e se afoga na grande ressaca das empreiteiras. Haverá festas e celebrações e nas telinhas da TV e dos celulares, os mesmos vendilhões seguirão entregando a ilusão de que agora sim, o progresso vai chegar. E as gentes seguirão o mágico som do capital, no rumo de sua desgraça, acreditando chegar ao paraíso. Sem informações, acreditam que o comunismo é o demônio e não a alegria do comum. 

Fomos derrotados, mas seguiremos lutando.

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