quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Dos que nos fazem ser o que somos


Hoje encantou minha tia Tereza, deixando uma profunda tristeza no meu coração. Partiu na cauda dessa dolorosa doença que assola nossos tempos. Velhinha já, ela morava numa casa de repouso junto com a irmã, que está com Alzheimer. Foi pra lá porque, sozinha, e com dificuldades para andar, já não tinha mais como viver autonomamente no seu pequeno apartamento no Bom Fim, em Porto Alegre.  Preferiu estar com a irmã. Agora se foi, sem abraço e sem despedida. 

Minha tia Tereza sempre foi muito importante pra mim. Na casa do meu avô era na estante de livros dela que eu me fartava. Quando viajava para Uruguaiana já ia animada para enveredar por aquelas portas de madeira e mergulhar na sua coleção de livros da espiã Brigite Montfort. Ela tinha às centenas. E foi com Brigite que aprendi a conhecer o serviço secreto estadunidense. Pois, apesar de ela aparecer como uma espiã “boazinha”, ali estava também narrada toda a trama da CIA contra os países do terceiro mundo. Aquilo me formou e eu sempre agradeci à tia Tereza por isso.

A tia Tereza também foi a principal responsável por eu ter lutado pela minha profissão de jornalista. Quando vim de Minas, com 20 anos, de volta para o sul, foi ela quem deu o suporte inicial para eu seguir a minha vida e buscar o meu sonho. Lembro como se fosse hoje: cheguei à Secretaria de Educação, onde ela trabalhava, em Porto Alegre e disse: “tia, preciso de 20 mil – acho que era cruzeiros – não pergunte pra quê. Eu preciso muito”. Aquilo era muito dinheiro na época. E ela, sem perguntar, me deu. Aquele dinheiro foi fundamental para o rumo que tomou a minha vida. Assim, por causa dela e da confiança que depositou em mim, eu segui em frente. Naqueles dias, amparada também pela minha prima Circe Maria e meu primo Paulo Roberto. Esse núcleo familiar amoroso me apoiou e eu superei um tremendo desafio. Também nunca esqueci esse gesto, porque ele definiu a minha existência. 

Poderia elencar tantas outras historias com a tia Tereza. Histórias de confiança, quando ela me contava seus mais íntimos segredos. Histórias de amor, confidenciadas entre goles de Martini com azeitona, seu drinque preferido. Histórias dos avós dos avós. Tia Tereza sempre serena, apesar de toda a triste batalha que deu a vida toda para viver em paz com seu amor. Tia Tereza sempre aberta para a acolhida.

Agora, nessa hora noa, em que eu faço minha despedida, sinto que todos os momentos que vivemos foram cheios dessa intensidade amorosa que me é comum. Eu disse milhões de vezes obrigada, eu lhe dei milhões de beijos e agradecia sempre que a encontrava pela alavanca que ela me proporcionou e que me fez seguir meu caminho original. Ela sempre soube o que significava pra mim e sempre soube o quanto eu lhe era grata.  Que bom que nunca faltaram as palavras. Digo adeus com tristeza, mas sei que ela viveu à plena. Fez suas escolhas, foi corajosa, se permitiu viver o que ninguém queria que ela vivesse, foi feliz. Foi absurdamente feliz. 

Hoje seu corpo virou pó, mas ela segue, imortal, na lembrança de todos os que a amamos. Obrigada, tia. 

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