O estado repressor, sem compaixão
No capitalismo a coisa é bem simples. Tudo é feito para
beneficiar o empresário capitalista, aquele que explora a força de trabalho
para garantir seu lucro e sua riqueza. Também o Estado sempre está ao lado dos
capitalistas, servindo como uma espécie de gerente, garantindo leis ou atos que
favoreçam a geração de lucro por parte de uma minoria.
Assim, quando o Estado tem uma boa empresa pública, que está
arrumadinha, com as contas em dia e funcionando com qualidade, o que ele faz?
Começa uma campanha de desmonte da empresa para que todos pensem que ela está
dando prejuízo, que está onerando o caixa e tudo mais. Aí, dali a pouco, vende
a empresa para a iniciativa privada. Então, aquela empresa que foi criada com
dinheiro público, passa, a preço de banana, para a mão privada. E os
empresários ficam lucrando em cima de um patrimônio público, construído com
dinheiro público.
Foi o que aconteceu com a Comcap. Fundada em 1969, com o
nome de Emacim - Empresa Municipal de Artefatos de Cimento, ela tinha por
objetivo pavimentar as ruas na capital. Em 1971, alegando que a empresa dava
muito prejuízo, que estava difícil bancar o trabalho de pavimentação, o
prefeito de plantão, Ary de Oliveira, decidiu mudar a forma jurídica da
empresa, passando para empresa mista e dando o nome de Comcap – Companhia de
Melhoramentos da Capital, que assumiria também, em 1976, a coleta do lixo. O mesmo de sempre. Empresa dando certo,
passando para o privado, com toda a construção feita pelo público. Dinheiro do
povo.
Pois a empresa mista é uma empresa de direito privado, que
tem parte das ações pertencentes ao estado e outra de parte de capital aberto,
ou seja, na mão privada. Em tese, o estado tem o controle, mas o que baliza a
ação é o lucro. Logo, o que está em questão não é o bem público, mas o tanto de
lucro que empresa pode dar.
Pois ao longo desses anos, a Comcap foi assim, mista, e a
população sempre teve de pagar, e caro, pela coleta dos resíduos sólidos. Em
alguns casos, a taxa do lixo é maior que o valor do IPTU. Então, é uma taxa
obrigatória que deveria servir para gerir todo o trabalho da empresa. Na empresa
mista os trabalhadores são contratados no regime da assassinada CLT. No caso da
Comcap a municipalidade tinha 99% das ações, com 1% dividido entre seis
acionistas.
Ocorre que durante todo esse tempo ela foi administrada como
uma empresa privada, e como sempre acontece nesses casos os trabalhadores
precisam lutar para garantir melhores condições de trabalho. E ao longo da
história da Comcap foram inúmeras as lutas, não apenas por salários, mas também
por equipamentos e veículos de qualidade. Mas, a lógica sempre foi a lógica
privada. Material no limite e trabalhadores
também.
Agora, contrariando tudo o que se diz da competência do
setor privado, a Comcap, segundo alega o prefeito Gean Loureiro, acumulou uma
dívida de mais de 200 milhões de reais. É dinheiro demais. E a empresa precisa
pagar essa dívida. Então, o que pensou o prefeito? Vamos transformar a empresa
em empresa pública de novo, que aí as condições para pagamento da dívida são
melhores. Ela pode ser refinanciada, com juros menores. Foi por isso que ele enviou
um projeto, pedindo urgência, para a Câmara de Vereadores, para transformar a
Comcap em autarquia. Assim, ela vira empresa pública de novo, mas com autonomia
para realizar sua gestão, com os cargos nomeados pelo prefeito.
Pode até parecer um paradoxo, os trabalhadores estarem em
luta contra a transformação da Comcap em empresa pública. Mas a coisa não é tão
simples assim. A luta não é porque ela
vai ser pública. Mas é contra a forma como a coisa está acontecendo. Na verdade,
a prefeitura quer garantir que a dívida seja paga, com dinheiro público, é
claro, sem que se saiba como a dívida chegou a esses valores, e sem que se
apurem as responsabilidades. E nessa jogada, quem sai perdendo são os
trabalhadores. Porque ao transformar a empresa em autarquia, a entrada no
quadro exige concurso público. Como ficaria então a situação dos atuais
trabalhadores? Já se sabe que celetistas
não podem permanecer em uma autarquia. E nada disso foi discutido com os trabalhadores.
O prefeito, sem qualquer cuidado com a vida humana, simplesmente está pensando
em como garantir que a dívida seja paga e a empresa siga prestando o serviço.
A tática é sempre a mesma. Nada de investigação, nada de
saber por que se chegou a uma dívida de 200 milhões. O negócio agora é pagar e
garantir que a empresa siga prestando o serviço. Todos podem entender que a
situação é grave, mas a melhor saída sempre pareceu ser o diálogo. Os trabalhadores
não podem ser simplesmente descartados, sem qualquer discussão ou garantia.
Atirando no coração
Atirando no coração
Segundo a proposta haverá um grupo de trabalho que vai
discutir a situação dos trabalhadores, mas o que o sindicato aponta é que e
única saída possível que vai aparecer é a da terceirização, agora permitida por
lei. Isso significa que a vida dos trabalhadores vai ficar ainda mais precarizada
e não estão descartadas as demissões.
Por isso os trabalhadores entraram em greve. Não queriam que
o projeto passasse assim, a toque de caixa, sem qualquer discussão. Não apenas
eles queriam debater, mas também a sociedade teria que saber muito bem o que
estava acontecendo, afinal, é quem vai acabar pagando a conta da má gestão.
Só que como sempre acontece, o projeto foi para a Câmara
onde foi pedido o regime de urgência urgentíssima, o que significa que não
passa por nenhuma comissão e vai logo a plenário. Os trabalhadores tentaram impedir a jogada do
prefeito, mas se depararam com a violência da força pública. O de sempre e
muito mais. Vários deles foram feridos por balas de verdade. Uma batalha nunca
vista na história da cidade. Durante dois dias ocuparam a Câmara, mas a
truculência foi maior que a força e a luta das gentes.
Hoje, de manhã, numa sessão relâmpago, que durou menos de 10
minutos, os vereadores da situação aprovaram o projeto. Alguns vereadores da
oposição nem estavam na casa quando a sessão aconteceu, assim, de inopino, sem
aviso. Uns tentavam garantir um mandato de segurança no Tribunal de Justiça. Não deu tempo. A turba do prefeito foi mais
rápida e votou o projeto com 14 votos favoráveis e dois contrários. Os ausentes, seis - Afrânio Boppré (PSOL), Marquito (PSOL), Erádio
Gonçalves (PSD), Marcelo da Intendência (PP), Pedrão (PP), Lino Peres (PT) e Vanderlei Farias 'Lela' (PDT) - não lograriam
alcançar placar favorável aos trabalhadores. Na verdade, foi um golpe. Uma farsa. Uma
atitude autoritária, típica do golpismo que tomou conta da república. Nada de
novo até aí.
Com uma violência exacerbada, jamais vista na Câmara de
Vereadores, nem mesmo durante as grandes lutas pela terra urbana nos anos 80,
os trabalhadores foram impedidos de entrar por uma truculenta Guarda Municipal –
formada por colegas – e a sempre violenta Polícia Militar. Os que estavam em
vigília dentro da Câmara também foram impedidos de chegar ao plenário. Foi um
rolo compressor. E poucos minutos depois
da farsa, o prefeito sancionava a lei. A Comcap agora voltava a ser uma
autarquia. De novo pública para poder ser saneada. E dá-lhe dinheiro público
para encobrir gestões mal sucedidas. E nada de investigação.
Em frente à Câmara se reuniram centenas de lideranças,
trabalhadores, lutadores sociais, gente que sabe muito bem o que isso
significa. Mas, o protesto foi em vão. Agora, a prefeitura vai acertar as contas,
arranjar empréstimos, rolar a dívida do rombo e tudo isso sairá do bolso dos
contribuintes, como sempre. A massa silenciosa que não se posiciona e que
muitas vezes seque sabe o que está
acontecendo é quem vai pagar o pato.
Os trabalhadores agora se recolhem e discutem as estratégias
de luta. Na manhã dessa sexta-feira haverá assembleia para decidir se a greve
continua ou não. Enquanto isso a coleta de lixo na cidade está suspensa.
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