quinta-feira, 27 de julho de 2017

De tristezas e alegrias


Sim, ando triste. Mais que triste. Tristíssima! Não fosse assim, não seria humana. A vida pesa. E, de fato, surpreende-me que alguém possa dormir bem à noite. Há coisas demais que provocam dor. As guerras na África, a destruição do mundo árabe, a morte de carroceiros pela polícia, o assassinato de meninos negros nas comunidades de periferia, o massacre de trabalhadores sem-terra, o assassinato de líderes populares, as guarimbas na Venezuela, os pacotes de maldade do Temer, a condenação de estudantes em Honduras, os horrores nos acampamentos de refugiados, o racismo em todas as partes do mundo, o ódio aos pobres, as caçadas aos animais e às gentes, os dramas familiares que me consomem, a destruição do Morro do Lampião, a demora do Plano Diretor, a exoneração do Daniel, as guerras do tráfico nas quais pobres matam pobres, a impunidade aos ricos, o machismo que mata mulheres, homossexuais, travestis e trans, a prisão de Rafael Braga. E por aí vai...

As coisas tristes saltam na nossa cara, sem compaixão. E pesam. Por isso, por vezes, encarranco com as pessoas que parecem "felizinhas" o tempo todo. Como isso pode ser possível? Sempre quis compreender. Eu, desde bem pequena, sou prisioneira da melancolia e, por vezes, quando a alegria me assalta, envergonho-me. Não me parece justo!

Os tempos que vivemos não perdoam a tristeza. São como deuses implacáveis exigindo felicidade, paz interior, espíritos apaziguados. Eu não lhes dou essa oferenda. Tenho esse freio na boca, com o gosto do fel que a raça humana produz, dia após dia. Sou como as carpideiras que se estraçalham diante do morto, num convulsivo choro, barulhento e estridente. Seus gritos não são teatro. São a desesperada não-aceitação do que é tido como normal. Minha tristeza é isso: carpideira, inconforme.

Sim, a vida me exaspera e eu me rasgo a alma. Não tenho poder contra os vilões do amor. Não posso resolver os problemas do mundo, nem sequer os meus, tão prosaicos. Sou como um seixo na beira do lago, vergando ao sabor do vento, na inescapável impotência. E as lágrimas são como lavas, escorrendo e queimando, tão destrutivas quanto a dor que procuram aplacar. A tristeza não tem fim, como já dizia o poetinha. Então, o que nos salva?

Outro poeta, mais popular, anuncia: “felicidade não existe, o que existe na vida são momentos felizes”. E é assim mesmo, Odair. Eles chegam, num átimo e nos fazem plenos. São como relâmpagos, um risco de luz. Pode ser uma greve geral, um projeto que começa, um programa de rádio, uma fruta madura na manhã, um beijo cálido, um sindicato que se ganha.

Hoje foi assim. No ônibus, em meio a toda a tristeza das gentes que voltam para casa depois de um longo dia de exploração, deixei que o olhar se fosse pela barra da rua, perdido, esperando nada. Então o vi. Um desses bonecos que ficam em frente às borracharias. Feitos de plástico, com tubos que parecem braços e que dançam pela força do vento que é insuflado neles. Não sei por que, mas esses bonecos me dão uma alegria inexplicável e intensa. Aquelas carinhas estranhas, meio quadradas, e aqueles braços numa dança alucinada. Aquilo é tão esfuziante, tão engraçado, tão alegre.

Sempre fico feito uma pluma ao vento quando vejo um desses bonecos dançantes. Toda a tristeza se vai, tudo é esquecimento. Só vem aquela vontade louca de ficar, tal qual o boneco, mexendo os braços, alucinada, com aquele riso bobo. É meu momento estelar.

Não sei quem foi o maluco que inventou esses bonecos, mas se alguém souber, por favor, diga-lhe: essa estranha criatura feliz me arrebata do porão e, por um segundo, vive em mim toda a alegria do mundo. É por essas e outras que os humanos ainda são capazes de me surpreender.   


Um comentário:

Gilberto Motta disse...

Pois então,minha mano "Cabeça". Tristeza infinita, sim; almas gêmeas. inconformismo SEMPRE! e INFINITOS BONECOS ESVOAÇANTES AÍ PELOS POSTOS E OFICINAS DA LONGA ESTRADA DO VIVER. (Giba, cananeia-SP)