Ele me chegou sem eu nem querer. Vinha da rádio, num cálido
dia de abril, por esses caminhos de areia que o Campeche ainda tem. Então o vi,
no portão de uma casa. Chorava um chorinho miúdo, olhando pra dentro do pátio,
agoniado. Era um pedacinho minúsculo de vida, todo pretinho. Estaquei diante da
cena. Era de doer. Fiquei parada em frente à casa, esperando que alguém saísse para
pegar o pequenino. Nada. Uma mulher finalmente assomou na janela. “Tá querendo
entrar”, falei, penalizada. Ela redarguiu, seca: “Não é nosso”, e fechou a
janela.
O bichinho seguiu com seu chorinho e fui andando com o
coração aos pedaços. Entrei num caminho e continuei a ouvir o choro. Olhei pra
trás e lá estava ele, agora olhando na minha direção. A súplica era para mim. Olhei
para um lado e para outro. Ninguém. “Foda-se, vou pegar”. Voltei às pressas e
peguei a bolinha preta. Aconcheguei ao coração, bem apertado. Ele cessou o
choro e se apertou de encontro a mim. Vim pelos caminhos conversando e fazendo
carinho. Pensava nos gatos em casa, o que achariam?
Quando cheguei e o tirei do colo a blusa estava tomada de
carrapatos. Ele mesmo estava cheio dos bichinhos. Provavelmente fora abandonado
há um ou dois dias, era muito bebê. Então, lá fui eu comprar remédio e
comidinha de cachorro. Como já tinha um gato preto de nome Zumbi, o batizei com
o nome do grande lutador sul-africano, Steve Biko. Por conta dos carrapatos ele
ficou com uma sequela, uma tremurinha na perna. Mas, o demais, tudo bem. Tem
sido uma adorável companhia desde então. Nove anos. Adquiriu inúmeros modos dos gatos, família que o acolheu. Dorme em cima da mesa, com a cabeça pendente, igual aos irmãos felinos. E
escala o muro tal e qual.
Hoje cheguei do mercado e ele estava ali, na rua, como
sempre. Fica olhando, bem paradinho, até que me reconhece, então vem pulando,
balançando o rabinho. Tem nove anos, mas é um galgo. Pula o muro quantas vezes
bem quer, adora a rua. Agora, que ela está calçada, virou uma perigosa
armadinha. Mas, como prendê-lo? Impossível. O coração fica apertado quando ele
alça o pulo e se vai. Faz um salseiro na rua, acendendo toda a cachorrada, e
passa pra lá e pra cá no portão, olhando pra dentro de casa, como a dizer: ó, to
aqui.
Depois, pula o muro de volta e vem esfregar a bundinha na
gente, olhando com aqueles mesmos olhos doces que tinha quando o encontrei no
caminho. Essas criaturinhas nos enchem de ternura.
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