Sim, a sociedade moderna matou a família. E essa não é uma
constatação moral. Mas uma observação prática. Quando a vida da família era
permeada de tias, primos, primas, avós, não havia abandonos. Agora não, nas famílias
mononucleares, não há espaço para o cuidado. Se há um filho, quem vai cuidar? A
babá, a TV, a creche. Nos tempos das grandes famílias essa não era uma
preocupação. As crianças viviam livres e soltas porque havia sempre alguém de
olho: uma mãe, uma tia, uma parenta distante, uma avó. E elas cuidavam de
todos, sem distinção.
Na minha infância, toda reca de crianças que havia na rua estava aparentemente livre, mas sempre sob a
vigilância de alguém. Nenhum menino ou menina saia do entorno da rua sem que
alguma vizinha já não colocasse freio. E todos os mais velhos tinham completa
ascendência sobre a turma. Nosso limite era dona Noêmia, na ponta da rua ou
então o seu Ciro, que tinha uma espécie de oficina, sempre com as portas escancaradas,
vigiando a gurizada.
No alto da esquina, em frente o bar da Dona Zezé ficava o
Newton, Que era considerado o “louco” da rua, mas ao qual todos obedeciam. Os
filhos eram filhos de todos e se algum se machucava nas correrias, sempre
haveria alguém para resolver o problema.
A mesma coisa acontecia com os velhos. Nenhum dele ficava abandonado ou ia para um
asilo. Nos dias de sol, eles ficavam na calçada, sempre vigiado pela gurizada
ou por algum adolescente. Qualquer movimento em falta, e lá já estava alguém
ajudando. Se ficassem muito agitados, havia quem os acalmasse, e se precisasse de
ajuda para um banho ou um passeio a comunidade estava a postos.
Hoje não, estamos sozinhos. Na rua poucos se conhecem e
também estão se lixando para a vida do outro. Cada um que cuide do seu. As
crianças, ou tomam Rivotril, ou são encarceradas pelas babás. E os velhos, ah,
os velhos. Esses viram prisioneiros, seja nos asilos ou nas casas sem afeto. E
não é porque as famílias sejam ruins. Como trabalhar? Como ganhar dinheiro para
sustentar a família e ainda oferecer todo o cuidado – que é de 24 horas - a uma pessoa idosa? E como pagar por um
cuidador, quando a vida já tá tão dura? Sobra o asilo, decisão tão dura.
Eu mesma tenho uma penca de velhos muito amados vivendo seu momento de
ocaso. Tios, tias, amigas, pai, todos eles precisando daquela atenção
redobrada, do cuidado, do carinho, da paciência, da vigilância 24 horas. E como
fazer? Cada um num lugar, cada um tão sozinho, entregue à solidão, em lugares distantes.
E tudo o que eu queria era poder reuni-los numa dessas ruas
do passado, nas quais ninguém ficava em solidão e tudo era solidariedade.
Mas, o passado não volta mais. Restam-nos as soluções
individuais, nem sempre fáceis. Por isso fico a pensar que a família era mesmo
a coisa mais importante do mundo, porque a família era comunidade. Hoje não
temos mais nenhuma delas. Nem família, nem comunidade. Estamos sós, mirando o
abismo!
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