quarta-feira, 18 de maio de 2016

Oeste catarinense na defesa do padre Reneu



Padre Reneu ao lado do quadro que recorda D.José Gomes, o bispo mais amado do Oeste

Não faz muito tempo havia um homem. Todos diziam que ele era um fora da lei. Andava com as putas, comia na casa dos chamados “malfeitores”, circulava pelas beiras de cais, nas vielas escuras e nas moradas dos enfermos. Ele poderia ter ficado na sua terra, fazendo seus móveis. Mas, não, preferiu caminhar com os desvalidos, abraçar os bêbados, confortar as adúlteras, amainar a dor dos desgraçados. Ele tinha muito amor no coração. E talvez esse tenha sido seu grande erro. Pois quem, sendo mau, pode aguentar o amor?

Nos caminhos desse homem foram se juntando os que eram sedentos de carinho, mas também, pelas beiradas, começaram a vigiar os que sempre viveram de sugar o sangue dos pobres: os ricos, os doutores da lei, os sacerdotes da elite, os abonados, os graúdos. Eles se reuniam e sussurravam contra o homem. Quem é esse que ousa dizer que o amor pode ser a maior das dádivas? E tramaram contra ele. E o acusaram de louco, de bandido, de subversivo. Vomitaram tanto ódio contra ele que chegaram a convencer a uma multidão que ele deveria morrer por ter cometido o grande pecado de gritar contra a injustiça e a opressão. Esse homem ficou conhecido como Jesus, o nazareno. Mas ele poderia ter muitos outros nomes.

Ao longo dos tempos, na história humana, todo aquele que se levanta em rebelião contra a dor, a opressão, a injustiça e a falta de amor sofre a mesma longa caminhada de tortura e morte, tal qual o jovem palestino de Nazaré. E se eles se indignam, se trovejam suas vozes contra o crime, eles é que viram vilões. E os graúdos das vilas, das cidades, dos países, incitam as gentes contra eles, e os matam como bandidos.

Pois assim está sendo com o padre Reneu Zortea, da paróquia de São Miguel Arcanjo, na cidade de São Miguel do Oeste. Acusado de "comunista" por um locutor de uma rádio local (Rádio Peperi), que também é vereador pelo PSDB, ele está sofrendo ataques de toda ordem via as ondas do rádio. Como se fora nos velhos tempos da inquisição, o radialista e vereador usa de uma concessão pública, a emissora de rádio, para incitar a população contra o padre. Tudo porque num de seus sermões, ele se manifestou contra o golpe que foi dado no país. O padre, que caminha com os oprimidos, com os trabalhadores, com as gentes empobrecidas, é quem está sendo massacrado. Como na velha história milenar. O vereador Raul Gransotto, não satisfeito em trovejar impropérios contra o padre na rádio, usa das redes sociais para ameaçar o “comunista”.



Na sessão da Câmara, dessa terça-feira (17) ele tentou passar uma moção de repúdio contra o padre, usando dos mesmos recursos tão bem conhecidos nos tempos dos coronéis. Ameaças à jornalistas críticos, ameaças às gentes que foram defender o padre, ofensas contra os jovens que se manifestavam, e gritos contra o “comunismo”. Por fim a tal moção sugerida não recebeu qualquer voto favorável e o vereador teve se engolir a bravata. Mas, ao que parece, o ataque contra o padre Reneu não deverá ficar por aí, pois o vereador dublê de radialista disse que isso é “apenas o começo”.

O padre Reneu é bem conhecido na região oeste, justamente pelo trabalho social que desenvolve. De voz mansa e gestos serenos, ele tem aquela doçura jesuânica de quem decidiu seguir os passos do mestre nazareno. Mas, incitados pelo ódio radiofônico de todo dia, algumas pessoas – possivelmente de fora da paróquia – chegaram a profanar a igreja de São Miguel Arcanjo, fazendo cocô em frente ao altar. Tudo isso vem gerando conflito na cidade entre os que se mostram a favor do vereador do PSDB e os paroquianos que vivenciam, desde há anos, o generoso trabalho pastoral do padre Reneu.

O fato é que o clima nacional de caça aos “vermelhos”, que voltou com força durante a cruzada midiática contra o PT, se traveste de cruzada local visando a destruição de “inimigos” mais próximos. Tal como na ditadura militar quando pessoas acusavam  de “comunistas” seus inimigos pessoais ou mesmo pessoas com as quais tinham rixas fúteis, tudo se repete. Os oportunistas de plantão, gerentes da classe dominante, usam de seus espaços públicos  - rádio e câmara de vereadores – para suas cruzadas pessoais.

Reneu Zortea tem vivido seu sacerdócio como o nazareno viveu na antiga Palestina. Caminhando com os pequenos, organizando as comunidades, espalhando seu sorriso e seu afeto aos que batalham no cotidiano da cidade, que ainda preserva seu ar rural. Ele é o que se embrenha nas veredas quando alguém precisa dele, o que consola, o que acolhe e o que diz a palavra que alimenta. Sim, porque Reneu vive o evangelho que prega. Não é um capacho das elites, é parte das gentes e com ela anda. Por isso, agora, sofre os ataques daqueles que servem de escudo para os poderosos.


















Mas, Reneu não está sozinho. Com ele estão os jovens de luta, as mulheres guerreiras, os trabalhadores, os camponeses, os que não se calam diante das injustiças. Os que se expressaram na câmara de vereadores, apesar das ameaças e dos xingamentos, esses seguirão lado-a-lado de Reneu, porque com ele mesmo aprenderam o valor da co/munhão. Comer junto o pão. São com/panheiros e enfrentarão o ódio porque sabem que o que está em tela é a boa e velha luta de classe, como naqueles dias, em Jerusalém, quando Jesus derrubou as barraquinhas do tempo, contra os vilões do amor.

São Miguel do Oeste amanheceu fria nessa manhã de quarta-feira, mas a fumacinha branca dos fogões à lenha, nas quebradas, nas estradinhas de terra e nas comunidades prenunciam que as gentes estão despertas e vigilantes. Na defesa de Reneu e na defesa do direito de viver em um país livre.

Desde aqui, da capital, todo o apoio à comunidade organizada de São Miguel do Oeste, aos jovens das Pastorais e à jornalista Claudia Weinman, pessoalmente ameaçada através de um email, por unicamente narrar a vida das gentes.  





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