sexta-feira, 1 de abril de 2016

Os desafios da Telesur




Quando Hugo Chávez começou a virar a bússola da América Latina para o sul, um dos pontos no qual mais batia era o da comunicação. Como podia o povo de “nuestra América” receber o midiático braço armado do sistema capitalista, a CNN, diuturnamente em suas casas, e não ter um instrumento de comunicação que pudesse dizer a sua voz? Sua pergunta abissal!

E foi a partir daí que Chávez começou a esboçar o sonho de uma rede de televisão que pudesse mostrar a cara da América Latina e ser o espaço privilegiado para a expressão dessas vozes, sempre silenciadas, escondidas ou marginalizadas na mídia comercial. O golpe na Venezuela, em 2001, deixou muito claro o papel manipulador dos meios comerciais e fortaleceu, tanto no governo venezuelano quanto nas gentes, a ideia de que o espaço da comunicação é uma trincheira estratégica de luta.

Assim, em janeiro de 2005, o conselho de ministros da Venezuela aprovou a criação de um canal público de televisão, financiado 70% pelo estado venezuelano e com os restantes 30% sendo divididos entre Argentina, Bolívia, Cuba, Equador e Nicarágua. Era, portanto, um canal com pretensões latino-americanas, que, na ideia de Chávez, seria naturalmente incorporado por todos os demais países que também iniciavam uma virada mais progressista na chamada América baixa. 

Desde 2005, então, a Telesur transmite em sinal aberto, via satélite, para toda Venezuela, e também para os países membros ou amigos. O Brasil, desgraçadamente, nunca aceitou fazer parte do projeto, com Lula preferindo criar o canal TV Brasil, sem maiores compromissos com a generosa ideia de integração regional, latino-americana, que Chávez impulsionava. Por isso que, por aqui, para ver a Telesur só através da internet. 

Mas, mesmo sem o maior dos parceiros no continente, o projeto televisivo latino-americano seguiu seu curso. Durante toda a batalha entre ALBA e ALCA – projetos de integração bolivariano e estadunidense, respectivamente – esse canal foi importante demais no sentido de fornecer informações que jamais seriam veiculadas pelos canais comprometidos com as classes dominantes locais e internacional. 

A proposta da Telesur tem se mantido tal e qual seus primeiros objetivos  - ainda que Chávez esteja morto – ou seja, oferecendo notícias de toda América Latina, do Caribe, e do mundo inteiro, sempre com o recorte da voz do oprimido. Também veicula documentários sobre a história, as lutas e os personagens mais importantes do continente latino-americano, além de fornecer análises sobre a realidade, igualmente diferenciadas, a partir dos “de abajo”.

A virada para a direita que vive a América Latina deu seu primeiro golpe na proposta da Telesur agora, durante o novo governo argentino, liderado pelo milionário Maurício Macri. Um de seus primeiros atos foi retirar a Argentina do grupo de sócios do canal. O que não é nenhuma novidade se prestarmos atenção ao que defende o presidente argentino, e ao tipo de parceiros que o cercam. Seu compromisso, desde o primeiro dia de governo, não é com a soberania da América Latina, muito menos com a integração entre os países-irmãos do continente. Seu parceiro principal é o governos dos Estados Unidos e os sócios são os bancos e as multinacionais. Com essa decisão ele rompe também a própria Lei de Meios do país que garante à população a pluralidade de vozes. Mas, ao que parece, burlar a lei está sendo uma regra nos novos governos de direita.

Nos países onde a Telesur é aberta e pode ser vista por toda a comunidade sem custo algum, a notícia da saída da Argentina repercutiu negativamente, até porque os movimentos sociais argentinos sempre foram muito visibilizados pela emissora, dado o seu perfil mobilizador e guerreiro. Mas, no Brasil, o fato não teve qualquer destaque, a não ser nas mídias  populares. O que não é novidade, visto que a Telesur tem pouca acessibilidade nas terras tupiniquins, inclusive não sendo oferecida nos pacotes das TVs a cabo tradicionais. O que significa que se a gente quiser saber da América Latina, nem pagando consegue.

Na Venezuela a notícia foi recebida com indignação: “Querem que a Telesur desapareça, como eles desapareceram mais de 30 mil pessoas na ditadura militar. Mas, não vão conseguir. A Telesur seguirá sendo espaço da voz dos povos”, afirmou Nicolás Maduro. 

É certo que enquanto o governo bolivariano existir essa proposta de unificação e integração das vozes de “nuestra América” seguirá. Mas, o que não pode ser esquecido é que a onda conservadora vem se estendendo pelos países latino-americanos e pode, sim, destruir esse projeto que conta hoje com correspondentes em mais de 40 países. Mais do que nunca, os movimentos sociais, sindicatos  e lutadores de todo o continente precisam compreender a importância estratégica do combate que a Telesur trava, no contraponto sistemático à fábrica de ideologia capitalista que é a CNN e suas sucursais locais, concretizadas pelas grandes redes nacionais comerciais. 

A luta de classes se dá também na comunicação. Sem esse entendimento, as vozes das gentes, que na Telesur encontram espaço para se dizer, poderão voltar ao silêncio. 

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