quarta-feira, 21 de outubro de 2015

O repórter e a rua





Claudia, Raquel e Viviane
guerreiras!










 














Nesses tempos internéticos, quando os jornalistas preferem escrever suas matérias apenas consultando o google ou fazendo entrevistas por email, as professoras do Curso de Jornalismo da Unisul, Raquel Wandelli, Cláudia Reis e Viviane Bevilacqua, insistem nas velhas práticas de repórter, que nada mais são do que o encontro amoroso com as gentes e as ruas.
 

Na noite dessa terça-feira (20 de outubro) elas levaram a turma do segundo ano para um passeio pelo centro da cidade, buscando realizar a beleza do corpo-a-corpo com a vida, como diria o grande repórter João Antônio. E o que vivenciaram foi o assombramento que só é possível para aqueles que saem de suas zonas de conforto e se embriagam da existência vertiginosa dos caminhos da margem.
 

A aula ao ar livre começou no coreto da Praça XV, esquecido espaço de retretas e alegria. Hoje ele serve de cama para um bom número de moradores em situação de rua. Pedindo licença para os que ali ajeitavam suas poucas coisas, os estudantes chegaram, meio tímidos. Licença dada, Raquel começou sua fala, contando da experiência de observar a vida das ruas que começou lá longe, na França, com os famosos “flâneurs” (caminhantes)  e que, depois, foi tomando corpo como uma prática jornalística. 

No Brasil temos bons exemplos como João do Rio, João Antônio, Marcos Faermann, Eliane Brum.

Depois, os alunos apresentaram cantos e falas, tudo relacionado a esses que, nas ruas, são invisíveis para o jornalismo normótico, acostumado às salas acarpetadas e às fontes oficiais. Enquanto tudo isso acontecia, os moradores de rua foram se aproximando. Mais um pouco e eles já estavam sentados no coreto, junto com a turma. E um pouco mais, estavam falando e contando suas histórias, ensinando sobre a vida e sobre ser quem são. Foi um momento mágico. Estava feito o encontro, essa coisa bela em que um olha para o outro, sem medo.


Percival, Caveira, Gê, Junior, Lúcifer e outros tantos que ali foram se acercando estabeleceram a relação de confiança. Famintos de palavras e atenção, eles transformaram a aula em espaço de diálogo fraterno e terno. Teve de tudo, discursos, emoção, lágrimas, risos, canto, chuva, vento fresco. E os estudantes puderam perceber que há múltiplos universos circulando na vida real e que é ali que moram as histórias e os seres mágicos que constroem o mundo. 


Depois de trocas e abraços, a turma seguiu caminhando pela Praça XV, descobrindo os lugares já mortos, desaparecidos, como a feira hippie que vicejava no meio da Praça, ou o Miramar, cujo fantasma se levanta em frente ao antigo terminal de ônibus. Caminhando pelas ruas, eles foram descobrindo uma Florianópolis antiga, mas que ainda vive na memória, uma cidade tomada, tirada das gentes. Depois circularam pela Travessa Ratclif, onde ainda resiste parte da vida cultural.
 

Flanando na noite fresca, os futuros jornalistas foram tocados pela asa do repórter, esse ser que pergunta, que questiona, que narra. Esse ser que caminha pelas ruas, pelas margens, pelos cantos escuros onde ninguém quer passar, que destapa as mentiras, que descortina verdades. O repórter, esse inconformado, esse contador de histórias que, ao contá-las, diz do mundo inteiro. O repórter, o ser das ruas, da vida real. E tanta magia se fez que até se pode ver o espírito o Mosquito (Hamilton Alexandre), um desses históricos caminhantes da cidade, que andava sempre com seu notebook na mão, auscultando a vida do Desterro.

A aula de Raquel, Cláudia e Viviane foi uma dessas coisas inesquecíveis, que só acontecem porque ainda há os que insistem no jornalismo real, esse que analisa o dia, que busca na vida mesma a essência do que se pode narrar. 



Convidada que fui para falar de minha prática, sempre pautada nesse suporto de que a rua ainda é o melhor lugar para buscar histórias, eu pude viver esse momento. Agradeço! Foi lindo!

Um comentário:

Unknown disse...

Texto maravilhoso, Elaine... de inflar o coração... Só uma correção: a aula quem orquestrou foste tu... e com o teu poder de palavra e a tua coragem de verdade, ajudaste a fazer o milagre do encontro... entre as duas juventudes, a que vive nas ruas e a que busca o acontecimento da rua... Foi mágico, pra ficar inscrito na gente e nos bancos da Praça.... como um grafite de muro invisível, mas indelével... Gratidão pela tua presença eterna!