terça-feira, 9 de agosto de 2022

O comunista



Trocar o pai de manhã é uma longa novela. Há todo um ritual para ele levantar da cama e depois para a limpeza corporal. Tudo feito com muita calma e muito conversê. É uma maneira de distraí-lo e ir fazendo o que precisa ser feito. Tirar a roupa da noite, dar o banho de gato ou de água, conforme o estado de humor, trocar as meias, passar o óleo de girassol pelo corpo todo para hidratar a pele, fazer o curativo da feridinha que apareceu nas costas, tirar a fralda. 

Feito isso, começa a parte de colocar a roupa do dia. Outro processo. Colocar a camiseta, a blusa de lã, a fralda limpa, a calça, as meias, o tênis. Tudo isso eu faço sempre avisando cada passo que vou dar. Agora vamos colocar a camisa. Agora vamos colocar a blusa, agora isso, agora aquilo... Nesse meio tempo, ele vai conversando e dizendo coisas na sua língua de cigano. 

Dia desses, lá estávamos nós, eu e a Clau, ajudando ele a se levantar e trocando a roupa. E ele falando, falando, falando. Começou a dizer foice, foice. 

E eu:

- Foice, que foice? A única foice que eu conheço é a foice e o martelo do comunismo. 

E ele assentindo com a cabeça. 

- Por que estás falando isso? Por acaso  tu és comunista?

E ele, muito rápido e firmemente:

- Euuuu sou!

Pois é, a fruta não cai longe do pé.



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