sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A dor do outro


Tenho um amigo que diz que a dor singular não deve nos comover, que precisamos atentar para o coletivo. Mas, adelmiana que sou, é do singular que eu caminho para o universal. Talvez, por isso, a dor do outro, que tem nome e sobrenome, me toque tão profundo. Penso firmemente que na história de uma pessoa singular está escondido o mundo. Daí que toda história pode ser um caminho para se entender o universal. 

Na madrugada dessa sexta, alguém, talvez um pequeno grupo de jovens, agrediu de forma brutal um homem bom. Não sei o seu nome, mas todos os dias eu o vejo. Sentado como um rei africano, muito ereto, olhar fixo em alguma coisa que me escapa. Seu rosto é como uma esfinge e os olhos, perdidos, são como um lago profundo, escuro, e repleto de imagens que só a ele compete ver. O cabelo é branco e comprido. As roupas em trapos. Ainda assim, há uma majestade nele. Não o vejo pedindo, ou falando com alguém, nada. Sempre que passo no centro lá está ele, sentado, impávido, mergulhado no mundo interior. Hoje pela manhã o encontraram, o rosto sangrando, o olho vazado. “Não sei o que aconteceu. Eu acordei assim”. 

Testemunhas falaram de quatro jovens a dar-lhe pontapés. E ele, tão abandonado em si mesmo, que nem se apercebeu. Chamam-no de o “Barba”, por ostentar uma barba longa. Não fala com ninguém, ninguém sabe de sua história. É um homem só. Ao vê-lo ali, indefeso e assombrado com a maldade humana, bate aquela desesperança com a raça. O que leva um guri a ver um homem pobre como um nada? Por que aquele que está na rua, sabe-se lá porque, precisa ser eliminado? O que temem os que veem os pobres como lixo? 

O Barba se foi para o hospital. Pode ficar sem a visão. Os caras podem nunca serem encontrados, afinal, “era só um mendigo”. E se forem, pode acontecer como o que passou com aqueles guris que queimaram o índio Galdino, ou seja: nada. O Barba certamente voltará para a rua, e sentará ali no mercado do mesmo jeito, altaneiro e ensimesmado. Mas a nossa cidade já não será mais a mesma. Coisas como essa são pontos de viragem. Alguma coisa se perdeu hoje nesse ataque tão covarde... E é aí que a dor do Barba se universaliza, porque coloca em xeque essa sociedade bruta, que coisifica as pessoas e elimina as que, de alguma forma, lhe incomoda. 

 E a gente fica assim, impotente, pensando que a vida é um sopro, um mísero sopro...

Um comentário:

Gilberto Motta disse...

Elaine querida, morei os últimos dois anos ali no centrão, na Hercílio Luz com a Tiradentes. O seu Barba era amigo (e será sempre), posso dizer assim. Vivia perambulando pelas ruas e becos daquele pedaço. Certo sábado o convidei para comer um sanduíche e tomar uma cerveja no bar do Gaúcho; contou-me um pedacinho de sua vida, a família que nunca mais reencontrou, as músicas que gostava, a fé nos orixás da umbanda...Lamento e (no singular SIM), chorei ao ler a tua postagem. Humanidade indigna, sacana e absolutamente insensível com o drama (e até com as alegrias) do outro. A maior tragédia desses tempos parece ser mesmo a indiferença e a solidão. Triste, sim, muito triste! Beijão. Giba Motta.