segunda-feira, 30 de abril de 2012

Domingo de encontros, memórias e risos



O frio chegou à galope em Passo Fundo, trazendo a chuva na garupa. O dia se anunciava emburrado e gris. Mas, aquele não seria um domingo qualquer. Então, a realidade haveria de mudar. De vários cantos do estado e até de outros pagos viriam pessoas para um encontro a muito esperado. Reunião das gentes que um dia fizeram a história da velha TV Umbu, primeira emissora de televisão da cidade. Foi uma ideia boa que surgiu do encontro de vários de pessoas no malfadado facebook. Uma foto trocada ali, outra aqui, e todos começaram a se achar. Um bocado de gente que já havia passado pelo histórico prédio da Umbu, solitário no alto do morro. Ali, as mais variadas profissões se juntaram para fazer real um sonho: colocar no ar a vida da cidade. Pelo menos três gerações passaram pela emissora e, de uma maneira ou de outra, todos estavam ligados pela mesma força. Mesmo os que não se conheciam, sabiam um do outro. Era o destino que todos se encontrassem. Maktub!

Das profundezas do éter, Carlos Alejandro, Raimundo, Ivandro e Gilmar despertaram as memórias. Um grupo foi criado e aqueles que um dia compartilharam o mesmo espaço de trabalho foram se encontrando. Dali para a proposta de um encontro real foi um pulo e tudo começou a se organizar. Alexandre, Miguel, Bozó, Raimundo e Gilmar foram amarrando os fios. O dia foi marcado. Seria em Passo Fundo, no 29 de abril. Os dias foram passando num frisson. Alguns companheiros não se viam desde há 30 anos, outros 25. Uma grande lacuna de tempo ansiava por se fechar.

E foi assim que se chegou ao momento esperado, que agora se mostrava assim, lúgubre, friorento, chuvoso. Eu, Deusa, Gilmar e Rosângela fomos os primeiros a chegar. Não havia ninguém. A chuva cai fininha. “Não virão!”, pensávamos, olhando, desenxabidos, a imensidão da sede do Caixeral. Então, rompendo a neblina, foram chegando, os carros, as gentes, as cores. O lugar se encheu de risos e do som dos abraços, cheios de apertos, bem gaúchos. As pessoas se olhavam, embevecidas, observando cada ruga, cada mudança feita pelo tempo. Lembravam com saudade dos que já se foram. Foi bonito de ver. Trinta anos se desfizeram no pó. Só emergiam as lembranças boas, dos dias de profunda azáfama, nas lides do trabalho para colocar no ar uma rádio e uma televisão. Estavam quase todos ali, desde os mais antigos aos da mais nova geração. Entre os beijos e os abraços foram brotando as histórias dos tempos dos desbravadores. E o dia, pasmem, foi se abrindo, como se não pudesse mais negar o raio do sol àquele povo. A luz se fez, o frio se espantou e saiu de fininho.

Das retinas do tempo vieram os causos: a lembrança do seu Ângelo, a pitar o palheiro e tomar a sua canha enquanto fingia tomar conta do prédio, o Ubaldo e sua solidão, o seu Ivo e o trinta e oito, as gurias, os namoros, os desafios, as invenções. Fazer televisão nos anos 70 e 80 era um milagre, ainda mais no interior. Sem as condições tecnológicas, só restava usar a criatividade das gentes. E isso não faltava. Improvisava-se e fazia-se. Nada era empecilho. As primeiras externas, os primeiros vídeo-clips, os efeitos especiais, tudo fruto do gênio de alguns daqueles malucos. As aventuras da reportagem, as festas.

E o que era esperado se fez. O domingo passou entre cervejas, abraços e velhas histórias que os mais novos, filhos dos dias atuais, sorviam com inveja. “Queria ter vivido isso!” Nem o gre-nal visto em um grande telão tirou a alegria, apesar da divisão entre colorados e azuis. Ali eram todos amigos, filhos de uma mesma mãe: essa danada vontade de fazer com bossa o trabalho que era a nossa vida.

A TV Umbu marcou época, fez história e serviu de trilha por onde passamos todos nós, os que nos encontramos e os que não puderam chegar. Ali aprendemos, crescemos, experimentamos, amamos, lutamos. E o encontro de toda essa gente só deixou uma certeza: para além de todas as coisas, ali fortalecemos amizades de toda uma vida. A TV Umbu, que nos dias de minuano parecia tão solidária no alto do morro, foi o criadouro de mentes férteis e corações alados. E, dentro dela, como se fora um imenso formigueiro, estávamos nós, a produzir a beleza, a música, a imagem, a informação.

Quando a noite se fez e só restaram os últimos moicanos (coincidentemente sempre os mesmos), as estrelas fecharam o testemunho de um momento mágico. A vida e seu perpétuo movimento... Mas, não uma vida qualquer. A vida dos homens e das mulheres que subiram o morro e ousaram criar um tempo de claridade. Que se fez bonito e deixou marcas indeléveis.

O domingo que passamos juntos foi um dia doce, que se acabou de mansinho, grávido de outros desses, que virão. E, enquanto o último carro descia a ladeira, quase era possível ver, no portão que se fechava, a figura única do seu Ângelo, palheiro na boca, abanando a mão, como fazia sempre nos portões da Umbu. Um abano que nunca era adeus... Era até logo... até logo... até logo!

3 comentários:

Anônimo disse...

Elaine Tavares, Pequena Notável, amo voce ....
Miguel Ferreira, Passo Fundo

Anônimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Elaine,disse tudo,como é bom ter vc na nossa relação de amigo.Bjus
Bozzo Rios, Passo Fundo