Tá bom. Eu confesso. Uso drogas. Mas não é porque eu queira. Sou obrigada. E quem me obriga é a municipalidade. Sem dó ou piedade, a prefeitura de Florianópolis, impõe a mim e a mais umas 200 mil pessoas, todos os dias, o transporte coletivo desintegrado. E fique esperto. Destrói a gente mais do que o crack. Haveria de a RBS (TV local) fazer uma campanha contra essa porcaria.
Nessas três últimas semanas, em que não para de chover, a coisa fica ainda pior. O terminal urbano é o saguão do inferno. As pessoas chegam molhadas e emburradas. Porque sabem que haverão de passar ali algumas horas de horror. Eu pego o ônibus para o sul e sei que em menos de duas horas não percorrerei os 25 quilômetros que me separam de casa. Quem vai para o norte terá a mesma sorte. Nas filas quilométricas, que serpenteiam por dentro do terminal, as caras das gentes são de completo desconsolo. Em algumas pessoas se vê um quase descontrole emocional. Não há espaço para o sorriso ou para a delicadeza. O ódio é a nossa herança.
Dentro do ônibus segue o desastre. Vidros fechados, pessoas tossindo, a raiva aumentando. Como os coletivos são poucos as pessoas se amontoam e a maioria vai em pé. O trajeto é curto, mas a espera é longa. Quando chega ao famoso “elevado”, construído com a promessa de “acabar com as filas”, o ônibus para. E ali fica, se arrastando, por quase 30 minutos. Depois, ao entrar na rodovia que vai para o sul, a lentidão é de matar. O povo já está bufando, o estresse elevado à última potência.
Quem está nas paradas do caminho vive outro tipo de desespero. Além da espera por mais de hora, em pé, sequer há abrigo. E quando tem, é tão mal feito que nos dias de chuva molha mais dentro do que fora. Como o “busão” demora a passar, a parada vai enchendo e, sem organização, quando ele assoma, o povo só falta se estapear para entrar primeiro.
“Acho que a prefeitura deveria distribuir pipoca nas paradas”, brinca um usuário desavisado, ainda não-dependente da terrível droga. É o que o capitalismo faz, alivia a tensão. Como nas casas bancárias. A solução encontrada para as filas gigantes foi colocar banco. Ideia genial. O cara espera sentado. Aí reclama menos. Fica a ideia para o prefeito Dário: distribuir pipoca.
Essa é a sina dos trabalhadores. Sair de casa de madrugada, enfrentar as filas, o desconforto, trabalhar feito um escravo e voltar para casa amargando toda essa frustração. Quem sai do serviço às sete da noite só chega lá pelas nove, “morto”. Como ser alegre com os filhos, como fazer um chamego no seu amor, como estar bonita e cheirosa, como? Não há tempo sequer para sonhar. E assim segue a vida na cidade grande. O bonde dos drogados, dos ônibus-dependentes. Até que um dia alguém exploda, feito pipoca. Aí os âncoras dos telejornais vão falar da “terrível e incompreensível baderna”, como a que aconteceu em Londres.
Até parece que as revoltas populares brotam do chão! Não foi à toa que a revolta da Catraca aconteceu aqui, nesta ilha de magia. E não é sem razão que as revoltas espreitam em todos os lugares onde a vida nos é tomada.
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