sexta-feira, 24 de junho de 2011

A saúde pública em crise?




Quem vê televisão não perdeu essa. Todos os dias têm alguma matéria falando mal dos hospitais públicos. Problemas bem reais, eu sei. Mas, por outro lado, creio que a abordagem é que é meio vesga. Pela virulência no ataque à saúde pública a gente, que é macaca velha, já antevê: é a tradicional lógica de falar mal para preparar o povo para a privatização. Esta é uma tática muito ladina.

Além de se falar mal do atendimento público, os repórteres acabam também levantando alguns casos de médicos canalhas que se aproveitam do sistema e sequer trabalham. Acham-se alguns bodes e pronto. Está feita a crítica. A solução apresentada sugere algumas passeatas contra a corrupção e é claro, a privatização dos serviços. Assim, com certeza, o povo terá mais qualidade. Mas, a maioria das gentes que depende do serviço público bem sabe. A privatização não melhora nada, a não ser a vida daqueles que traficam com a saúde alheia. Para quem não dinheiro de nada valem os hospitais bem equipados e profissionais conscienciosos.

Penso eu que a questão da saúde merece outra abordagem. Eu trabalho numa universidade e vejo bem quem é que consegue fazer o curso de medicina. E olhem só: a universidade onde eu trabalho é pública. No geral, os alunos da medicina são jovens da classe alta, os que conseguem fazer um curso em tempo integral, que precisa dedicação exclusiva. Os filhos da pobreza não têm essa possibilidade. Um ou outro consegue entrar no curso, mas é raro. A medicina, então, é uma profissão a qual só pode chegar uma classe bem específica. Isso, por si só já é um problema. Os jovens da classe alta não sabem o que é a vida de alguém que nada tem. Não sabem. O grande filósofo da linguagem, Wittegenstein, já anunciara. “A vida dos felizes é diferente da vida dos infelizes. Não se comunicam”.

Na universidade, estes alunos aprendem que a medicina é um negócio. Tá, eu sei que tem professores que se esforçam por trabalhar a questão pública, que são valentes lutadores do SUS e tudo mais. Mas é a minoria. O que impera é a ideia da medicina como negócio. Quem sai da faculdade sonha em ter seu consultório, bem lindo, e uma freguesia seleta. Os tempos de atendimento nos postos de saúde ficam para trás. Também é certo que há alguns abnegados que se dedicam ao SUS, mas, são poucos. E a luta dentro do sistema, tal como ele se apresenta, é quase heróica.

Os médicos que não tem condições de já sair com seus consultórios bonitos, amargam nos vários empregos públicos. Ganham mal e precisam se virar nos 30. São peças azeitadas de um sistema que não se preocupa em cuidar da saúde, mas da doença. Muitos sofrem com isso, mas se vêm sem saída.

No meu modesto pensar, creio que o que deveria mudar era o modo de organizar a vida. Outro dia, vendo um vídeo que o Michel Moore fez em Cuba, para onde foi levando quatro estadunidenses doentes, pude sentir o que é um país com respeito pela vida e pela saúde. Os cidadãos estadunidenses foram recebidos e tratados. Sem o famoso “seguro”, estavam há 20 anos tentando um atendimento digno. Nunca tiveram. Ali foram examinados e diagnosticados. Ali receberam tratamento. Cuidados e remédios de graça. Choravam como crianças. Nunca haviam visto algo assim. Uma das mulheres ao ver, na farmácia, que o remédio, o qual precisa tomar duas caixas por mês, custava cinquenta centavos e que nos EUA custa 150 dólares, chorou copiosamente. Viu o que era um país onde a saúde das gentes não estava ligada ao negócio farmacêutico.

Nós, nos países capitalistas, somos escravos de um sistema de ensino que privilegia o rico, e escravos de um sistema de manutenção das doenças para a sobrevivência dos laboratórios farmacêuticos. Nossa saúde é o que menos importa. Melhor é ficar doente e consumir remédios às pencas. Assim era também na Venezuela. E, quando o governo Chávez convocou os médicos do seu país para atuarem nas periferias, nas cidades longínquas, quando os chamou para atuarem na saúde, o que recebeu? Um sonoro não! Poucos estavam dispostos a pisar no chão da vida real. Ele então apelou aos cubanos e lá foram eles, solidários como sempre, levar a saúde para cada cantão. “Ditador”, gritaram os médicos da classe alta, servidores voluntários das grandes empresas de remédios. E as gentes receberam os médicos cubanos, e ganharam saúde.

É disso que falamos. Aqui no Brasil haveria de ter um governo que também convocasse. Que os médicos brasileiros fossem chamados a cuidar da saúde e não da doença. Que se dispusessem a sair de suas zonas de conforto, que se dedicassem às gentes de verdade, que não tivessem outra preocupação a não ser confortar os que sofrem. Mas, o que se vê é a perseguição a um ou outro, numa agenda de plantão, em momentos em que se precisa privatizar. Haveria de se fazer uma virada radical, mudar o sistema, as prioridades, a universidade. Haveria de se dar condições aos garotos filhos da pobreza para que pudessem entrar e fazer medicina. Eles saberiam onde dói a dor das gentes.

Mas essa não é uma coisa que acontece só por desejo. Há que se construir. E a melhor forma seja, talvez, primeiro, desvelar todos os véus, buscar ver o que está escondido, a “verdadeira verdade”, como diz o poeta Bernardo. Quem sabe então... quem sabe!


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