quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Ato em Imbituba reúne indígenas e militantes sociais



Fotos : Celso Réggio/Imbituba

De Florianópolis partiram os Guarani e outros militantes da causa indígena. Seguiram para Imbituba, mais ao sul, onde foram participar de um ato de protesto contra o assassinato do menino kaingang Vitor Pinto, de dois anos, degolado no colo da mãe. Os Guarani se mobilizaram porque sabem muito bem o que é o preconceito, a discriminação e a violência. Afinal, vivendo tão próximos da capital e do mar, eles tem sido sistematicamente desqualificados pela mídia comercial, que reforça a mentira de que os Guarani não são dessas terras, que são preguiçosos e inúteis. Mês após mês, ano após ano, apesar das ritualísticas matérias de 19 de abril, nas quais se idealiza um índio que nem existe, a prática é de fomento do preconceito. Tal qual os negros e os pobres eles são massacrados diuturnamente.

Assim como em Imbituba, cidade litorânea, onde a família de Vitor foi buscar uma maneira de vender seu artesanato e garantir o alimento, também Florianópolis recebe todos os dias famílias indígenas que buscam espaço para a venda da cestaria, colares e bichinhos de madeira. São as estratégias mínimas para conquistar o mínimo. Os Guarani do Morro dos Cavalos, por exemplo, até hoje não conseguiram a demarcação definitiva de suas terras e precisam lutar cotidianamente contra a discriminação e o ódio de toda uma comunidade que não suporta sua presença nas margens da 101.

Por isso eles foram à Imbituba, liderados pela valente cacica Kerexu Yxapyry (Eunice Antunes). Ela, que vive recebendo ameaças de morte por parte de gente que vive dentro da terra indígena, sabe muito bem o que é viver nesse fio da navalha entre a batalha por viver, e a luta por fazer reconhecer o direito de existir. Eunice, tal qual a mãe de Vitor, também tem filhos, e sabe o terror que é estremecer a cada barulho estranho vindo da estrada. A vida dos indígenas é dura demais. Nem podem mais viver como viviam, nem conseguem estar integrados a uma cultura que não é sua, tampouco podem viver conforme suas tradições. É um constante desfazer-se, desenlaçar-se, desenraizar-se.

Mas, para ir ao protesto em Imbituba não precisava ser indígena. Qualquer pessoa - seja mãe, ou pai, ou filho - deveria ter apontado suas velas para baixo daquela árvore que foi testemunha da morte de Vítor. Render homenagem ao menino. Pensar coletivamente sobre a sociedade que temos construído como humanos. Uma sociedade capaz de produzir o abandono dos primeiros donos da terra, bem como a alma em escombros do garoto que puxou a faca e tirou a vida de Vítor.

Uma reportagem feita pelo jornalista Renan Antunes levantou vários elementos sobre quem é Matheus Ávila Silveira, o garoto de 23 anos que está preso como principal suspeito do crime, uma vez que ele mesmo chamou a polícia e se entregou. Ouvindo familiares e vizinhos do rapaz, Renan traça o perfil de  abandono e sofrimento que teria levado Matheus a caminhos tortos, os quais desembocaram naquele 31 de dezembro, na rodoviária de Imbituba. Ou seja, o assassino aparece como vítima de violência, preconceito e discriminação, os mesmos elementos que permeiam cotidianamente a vida do povo indígena.

Ainda não se sabe o que, de fato, levou Matheus a escolher aquele menino em particular. Se foi um crime racial, se foi um ato de loucura. Nenhuma informação foi liberada pela polícia que segue na busca da arma do crime e de outras evidências, visto que têm 30 dias para finalizar o inquérito. 

Enquanto isso, os parentes indígenas tratam de não permitir que tudo seja esquecido. E, com fitas vermelhas no pescoço, simbolizando o sangue derramado do inocente, eles manifestaram sua dor, acompanhados de outros militantes da causa indígena. Em Chapecó, também o povo Kaingang realizou uma ato público, exigindo os motivos do crime. Para os familiares, que perderam Vitor de maneira tão brutal, faz-se necessária a justiça. Mas, a todos parece cruel demais vivenciar a dor de uma vida de exclusão e ainda ter de prosseguir sem entender o que aconteceu de verdade naquele dia em Imbituba. Por quê? Por quê?


E assim, enquanto a vida segue, no verão catarinense de praias lotadas, essa pergunta ficará martelando a cabeça daqueles que se importam. 


segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Al otro lado de la lluvia


Impossível não mergulhar na dura e triste realidade dos povos da América Central lendo esse poderoso livro do escritor guatemalteco Rafael Cuevas Molina, "Al otro lado de la lluvia". A partir da mirada de duas mulheres ele narra o assombro da violência, do medo, da tristeza e do êxodo vividos por milhares de famílias naqueles cantões da fatia estreita do mundo cetro-americano. Acompanhando a intimista saga de Clara e Esperanza a gente vai se embrenhando  naqueles anos de tanta dor que foram os 60 e 70 do século XX.  

Nada está dito, a narrativa traz apenas a vida em imanência. Mas tudo está explícito, tal qual a chuva que nunca para. Quando a vida era boa e se sonhava, e quando vieram os duros anos de armada resistência. Sabe-se dos que arriscavam a vida por um mundo bom, e dos que sempre usaram a carência do outro para crescer. Sabe-se de ausências, de amores, de lágrimas, de fortalezas, de esperas, de mortes e de esquecimentos. A narrativa é leve, quase lírica, se contrapondo a toda dureza da realidade. 

O livro é pequeno, mas suficiente forte para ficar doendo por horas a fio. Deixa o gosto amargo de um tempo que impôs tantas perdas, mas que também fortaleceu os espíritos que sobreviveram. Um fio de esperança escapa pelas páginas quando as personagens decidem seguir seus caminhos, ainda que com a alma em escombros. A vida sempre chamando, desde as profundezas. 

Rafael Cuevas Molina é nascido na Guatemala, mas vive hoje na Costa Rica, onde atua na Universidade Nacional. E esse é apenas um dos seus livros, os quais estou vagarosamente sorvendo nesses dias de estupor.

sábado, 2 de janeiro de 2016

E mataram um menino kaingang...
























Artesanato Kaingang - Foto: Professora Maria Ester

O primeiro originário dessas terras a perceber que os homens brancos e barbudos que chegavam pelo mar, naquele distante 1492, não eram "flor que se cheirasse" foi  Hatuey, um jovem cacique da etnia Taíno, que vivia onde hoje está a República Dominicana, lugar onde desembarcou o grupo de Cristóvão Colombo. Bastaram alguns encontros para que ele percebesse que a cobiça e a violência eram tudo o que eles traziam. Foi então que decidiu dar combate aos espanhóis, mesmo em desvantagem no quesito armas. Percebeu aí que sozinho não poderia vencer e decidiu ir remando até a ilha próxima, onde hoje fica Cuba, para avisar aos demais povos da região sobre as atrocidades  que o grupo estava cometendo e preparar a resistência. Junto a um baú com ouro e joias, ele falou aos parentes: 

"Este é o Deus que os espanhóis adoram. Por isso eles lutam e matam, por isso eles nos perseguem e por isso é que temos de atirá-los ao mar. Nos dizem, esses tiranos, que adoram um deus de paz e igualdade, mas usurpam nossas terras e nos fazem de escravos. Eles falam de uma alma imortal e de recompensas e castigos eternos, mas roubam nossos pertences, seduzem nossas mulheres, violam nossas filhas. Incapazes de nos igualar em valor, esses covardes se cobrem com ferro que nossas armas não podem romper".

Hatuey liderou muitas batalhas, mas acabou sendo capturado. Sofreu horríveis torturas foi condenado a morrer na fogueira. Contam que um padre, de nome Olmedo, ainda tentou convertê-lo na hora final. E Hatuey encontrou forças para perguntar:

- Os espanhóis também vão para o céu dos cristãos? 
- Sim, claro - disse Olmedo.
- Então eu não quero o céu. Quero o inferno. Porque lá não estarão e lá não verei tão cruel gente. 

Nesse final do ano de 2015, um pequeno garoto da etnia Kaingang encontrou com Hatuey em alguma terra sem males, bem longe da presença de gente tão cruel. O menino indígena, de nome Vitor Pinto, e com apenas dois anos de idade, foi degolado no colo da mãe, enquanto mamava. Um homem acercou-se, fez um carinho no rosto de Vitor e quando ele ergue os olhinhos para ver quem lhe afagava, recebeu o golpe fata. Um faca, ou um estilete, ainda não se sabe, lhe rasgou a garganta. A mãe, em choque, correu em busca de ajuda enquanto o homem saiu tranquilo para longe dali.

Na temporada de férias, é bastante comum que famílias indígenas se movam até o litoral para melhor vender seus artesanatos. E foi o que fez a família de Vítor, saindo de Chapecó, no oeste de Santa Catarina, indo para Imbituba, no litoral. Lá, obviamente sem condições de pagar uma hospedagem, eles tiveram de improvisar e encontrar algum lugar razoavelmente seguro para dormir. O melhor espaço foi o da rodoviária, onde havia movimento e, por isso mesmo, segurança. Jamais poderiam supor que alguém, de maneira tão deliberada, pudesse fazer o que foi feito.

Três dias depois do assassinato foram divulgadas as imagens capturadas por algum dessas câmeras de rua e nelas se vê o rapaz se aproximando, normal, como se fosse conversar. Foi tudo muito rápido. A mulher estava sentada no chão, com o filho no colo. Ele chegou, abaixou-se, moveu a mão, primeiro no carinho, depois no golpe, e saiu. Tudo depois é perplexidade e dor. 

Um garotinho indígena degolado enquanto se alimentava. Uma cena de arrepiar. A mesma velha cena de mais de 500 anos, repetida e repetida, à exaustão. Desde a chegada dos espanhóis e portugueses às terras de Abya Yala, mais de 40 milhões de indígenas foram exterminados. Chamados primeiro de não humanos, depois de seres de segunda classe, infiéis, inúteis. Não é, portanto, sem razão, que alguém se ache no direito de fazer o que fez esse rapaz em Imbituba. Ato parecido foi feito em Brasília contra Galdino Pataxó, quando alguns rapazes ricos o queimaram enquanto dormia num banco em um abrigo de ônibus. 

É que ao longo de todos esses séculos foi sendo construída uma imagem negativa do indígena, justamente para que pudesse ser justificada a invasão e o roubo de suas terras e riquezas. Os índios são vistos como um atrapalho, uma lembrança desconfortável do massacre. Por isso que o melhor acaba sendo confiná-los em alguma "reserva" longe dos olhos das gentes. Mas, se eles decidem sair e dividir a vida no mundo branco, aí a coisa fica feia.

Assim que cada pessoa que siga disseminando essa ideia inventada de que índio é preguiçoso, é feio, é sujo, é ruim, é também cúmplice do assassinato de Vitor. Cada criatura que repete esses absurdos pelas redes sociais, nos encontros de família, na escola, nos bares e nas igrejas, armou a mão que degolou Vítor. E é responsável pela morte não só desse garotinho, mas de centenas de outros indígenas que tombam pelas mãos assassinas do latifúndio, da jagunçagem, do ódio. Esse mesmo ódio que escorre pela redes sociais contra o índio, o negro, as mulheres, os gays.   

No mundo capitalista, no qual tudo vira mercadoria, não há espaço para o indígena. E não é só porque ele é uma presença incômoda, lembrança indelével do primeiro crime - a invasão. Mas porque ele é também a recusa histórica desse sistema. Ele não faz da terra uma mercadoria, ele não explora os parentes em fábricas de coisas, nem inventa produtos inúteis para vender aos incautos.  O indígena pensa o território como espaço de vida e de espiritualidade. Reproduz suas cerâmicas, seus cestos, colares e bichinhos como resistência cultural e como única possibilidade de sobreviver no mundo que lhe foi imposto. E, se ocupa as ruas, as marquises e as rodoviárias é porque não têm outra escolha.

Então é assim, em Santa Catarina, nesse dia 30 de dezembro, um jovem se deu ao direito de degolar um menino Kaingang. Desde há anos a brava cacica dos Guarani do Morros dos Cavalos vem recebendo ameaças de morte por defender sua terra e sua gente, bem como os povos Xokleng e Kaingang vivem sendo escorraçados de outras praças e outras rodoviárias por autoridades competentes. Isso é coisa diária, sistemática, como também é sistemático o ataque dos meios de comunicação contra os povos originários. Essa máquina  ideológica do ódio e da opressão.

Agora, à família do menino Vítor resta a luta pela justiça. Um suspeito já foi preso e fala-se em "distúrbios psicológicos". Não se tem ainda a informação segura de quem é o assassino e o que o motivou. Mas, ainda que seja alguém "perturbado", isso não tira a responsabilidade daqueles que diuturnamente destilam ódio e preconceito contra os povos originários. 

O "mundo maravilhoso" da mercadoria insiste que não há lugar para o indígena no seu espaço. Mas, o que se vê é o movimento indígena brasileiro e latino-americano crescer a avançar na luta pelos seus direitos e pelos seu território. Isso não vai parar. Caem hoje os mártires, como naquele longínquo 1492 caiu Hatuey. Mas os que ficam não desistem, como não desistiram os Taínos, os Arawakes e todos os que caminhavam com o valente cacique. O pequeno Vítor, que sequer teve tempo de perceber que estava perdendo a vida, lá, na terra dos espíritos, será embalado por outros colos: Guyunusa, Guaicaipuru, Mani, Sepé.  Por aqui, vamos garantir a justiça. A grande marcha continua.

Vitor Kaingang, presente!

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

O ano novo



Vem aí 2016, uma dobra no tempo ou apenas um continuar do sempre-mesmo? Das nossas antigas raízes pagãs assomam desejos de rituais e danças. Faltam-nos as fogueiras, talvez por isso as coloquemos no céu. Quanto a mim, buscarei a quentura das presenças amadas. Em algumas me achegarei. Outras seguirão tão distantes, tão distantes. 

São dias de muita opressão para o riso e a felicidade. Por hora, não os tenho. Mas haverei de buscá-los. Não porque chegou o ano novo, mas porque é necessário para permitir que a vida siga se fazendo. 

Venha agora o ano 2016. Venha daqui a pouquinho o ano de 5.523, das nossas gentes andinas e amazônicas. Números perdidos no tempo, contando a aventura da raça. 

Venha amor, venha ódio, venha saudade, venha tristeza, venha tudo que nos faz humano. E vamos indo, indo e indo... 

Saravá, Jallalla, Axé, Aleluia, Salam.  


terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Novo livro: Líricas






Saiu ontem da gráfica um novo livro, fruto de parcerias afetivas. Textos meus, ilustração da artista plástica Diana Román Durante, arte da capa de Leopoldo Nogueira Paqonawta e diagramação de Flávia Destri. "Líricas, a palavra amorosa do cotidiano'. É um apanhado de várias crônicas sobre a vida, a cidade, os sentimentos, o cotidiano. Muitas dessas crônicas já foram publicadas em jornal ou revista, mas faltava plasmá-las em seu conjunto. O lançamento ficará para o ano que em breve começa. Mas, quem quiser, é só pedir que eu mando por correio.A apresentação ficou por conta da jornalista Miriam Santini de Abreu e a orelha por Rubens Lopes.


A menina da rua da Coruja Dourada



Míriam Santini de Abreu



Parte da magia do jornalismo é empalavrar cotidianamente a realidade. E esse gesto de empalavrar tem várias formas e fôrmas, uma delas essa que escorre dos textos publicados pela jornalista Elaine Tavares no blog Palavras Insurgentes (eteia.blogspot.com) e que agora compõem a presente coletânea “Líricas: a palavra amorosa do cotidiano”. 


O blog, no qual são postadas reportagens, artigos, comentários, fotografias e vídeos, tem sido, desde que foi criado, uma referência como voz dissonante no jornalismo cada vez mais acrítico que se pratica na atualidade. Ou que, quando crítico, se faz voltado para alugar o discurso aos poderosos, que dele se valem para disseminar o desentendimento venenoso da realidade. A escrita de Elaine, semeada em centenas de posts, amplia a compreensão do modo como a cidade se transforma em uma mercadoria à venda, mas também do movimento contrário, da resistência de mulheres e homens que desvelam essas negociatas e a combatem no cotidiano. 


Os textos narram histórias de resistência pelo meio ambiente saudável, a paisagem aberta a todos, a cultura popular, a educação de qualidade, a informação a quem dela queira se apropriar, sem o controle dos oligopólios criminosos. Dessa forma, o blog – cujos textos são reproduzidos Brasil afora – também é um farol para as novas gerações de jornalistas, sinalizando o caminho das lutas populares percorrido até aqui e a escrita possível e necessária para mantê-lo aberto e pleno das narrativas de suas personagens. (...)


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

De impedimentos, atrasos e lutas



A política brasileira vem se revirando desde há meses. Com um congresso nacional altamente conservador as pautas que interessam aos poderosos de sempre vão sendo vencidas sem maiores tropeços. Questões relacionadas com as chamadas bancadas da bala, da bíblia e do boi, não encontram obstáculos. Os conservadores são maioria e tudo que lhes convêm passa. Assim, um atrás do outro, os temas de interesse dos trabalhadores ou dos movimentos sociais. vão sendo patrolados, levando muita gente para protestos e passeatas. O presidente da casa, Eduardo Cunha (PMDB), protagonizou cenas típicas de uma casa grande, na qual o sinhozinho, magoado porque lhe tiraram o doce, se vinga, perversamente. Ao não conseguir o apoio do PT - partido da presidenta - para evitar a sua queda, por conta de participação em casos de corrupção, decidiu pedir o impedimento de Dilma.

Tudo isso foi o ápice de um processo de intrigas e barganhas que já vinha se desenrolando nos bastidores da política, no âmbito de um governo que escolheu essas figuras como aliados, apesar de toda a crítica recebida por parte de partidários e analistas. A coisa chegou a um tal nível de grotesco que o próprio vice-presidente, que caminha com Dilma desde o primeiro mandato, mandou uma carta - imediatamente vazada para a mídia - que poderia ser considerada risível se não fosse, na verdade, mais um passo vil dessa forma de fazer política. Assanhado pela possibilidade de um impedimento, que o colocaria na cadeira presidencial, Michel Temer desandou em lavação de roupa suja, falando de mágoas e ressentimentos com uma presidenta que - segundo ele  - o colocava com um adereço decorativo sem importância.  Sentimento que, incrivelmente já vinha sentindo desde o primeiro mandato, mas que só agora decidiu expressar.

A comédia palaciana de vinganças e mágoas poderia servir a um bom roteiro de novela da Televisa, mas, na verdade, acabou promovendo nova onda de ocupação das ruas por dois tipos de movimentos. Um deles, já conhecido desde 2013, dos anti-PT. Sob a bandeira de "impedimento já", tentaram fomentar passeatas e atos públicos pelo país. E, tal qual as ações dos já citados Eduardo e Temer, foi um verdadeiro fracasso. Tendo como "menino-propaganda" desta vez o ator Alexandre Frota, as manifestações não conseguiram decolar, juntando muito pouca gente, inclusive em São Paulo, onde sempre foram mais expressivos. Mesmo assim tiveram ampla cobertura da mídia.  

Por outro lado, os partidários da presidenta e os preocupados com a não ruptura do processo democrático também chamaram atos - que foram bem mais massivos - em todo o país. Pelas ruas, se levantaram cartazes de "fora Cunha" e o grito de "não vai ter golpe". A militância petista, que andava bem sumida, voltou às ruas, tentando mobilizar a população para o apoio à presidenta. Assim, o que se viu foi o mesmo velho paradoxo, que já vinha se expressando há meses: o apoio à Dilma, contra o golpe, mas ao mesmo tempo também o protesto contra o ajuste fiscal e a perda de direitos promovidos pela mesma presidenta que estavam a defender. 

O fato é que o impedimento da presidenta não mudaria nada substancialmente no Brasil. Assumindo Temer, o governo seguiria sua caminhada conservadora tal e qual agora. Mas, ao que parece, o movimento que grita contra Dilma pouco se importa com as políticas que estão sendo implementadas. O foco é unicamente o PT, partido que eles identificam como "de esquerda" ou "comunista" embora não exista quase nenhum traço de  esquerda nas ações do governo petista. 

O que a classe dominante brasileira não tolera, bem como aqueles que a seguem no melhor estilo da servidão voluntária - e que não é um número desprezível - é a atenção aos mais empobrecidos que o governo vem dando desde o mandato de Lula, com os programas Fome Zero e o Bolsa Família, que tirou da pobreza extrema mais de 40 milhões de pessoas. Esses também não são dados desprezíveis, embora o volume de recursos que tenha sido dirigido para isso seja ínfimo, pouco mais de 25 bilhões. Pensem num orçamento que ultrapassa um trilhão e que manda 45% para pagamento de juros da dívida. Mas, ainda assim, há quem ache um absurdo o governo ter aumentado os gastos com as políticas sociais - dirigidas aos pobres - que pularam de 3,2% em 2004 para 9,2% em 2012. 

As políticas sociais mal dão conta de manter as gentes em um patamar mínimo de sobrevivência e ainda assim incomodam demais. Por outro lado não se vê essa turba que grita "fora PT" protestar contra o envio de mais de 900 bilhões de reais para os bancos, no pagamento de uma dívida que certamente é ilegal. Esse grito - paradoxalmente - está no lado do grupo que sai às ruas defendendo o governo. Já para a classe dominante - aliada dos grandes capitalistas internacionais - tudo o que recebe de benesses do governo não é suficiente. E quanto mais o governo concede, mais insaciáveis ela fica.

Ao longo do governo petista o setor agrário, o latifúndio, bem dito, tem sido um dos mais beneficiados. A ministra da agricultura é a representante mor desse grupo. Têm sido investidos muitos bilhões em infraestrutura de estradas, irrigação, hidrelétricas. Já para os pequenos produtores o que há são migalhas. A reforma agrária parou totalmente. No campo da demarcação de terras indígenas o que se vê é o descaso. Os indígenas estão sendo assassinados por todos os cantos sem que o governo se mexa. Silêncio total no planalto. Já para os trabalhadores o que há é perda de direitos. Ou seja. Todo o receituário neoliberal segue sendo aplicado sem dó nem piedade. Nos últimos meses, o ajuste fiscal apertou o cinto de milhões e os que protestaram gritavam "fora Levy" - que era o ministro da fazenda - como se ele não tivesse sido nomeado por Dilma.

Por fim, as ruas pediram a cabeça de Levy e a presidenta acenou com sua demissão. Jogada de mestre. Atende os apoiadores, mas mantém tudo como está. O novo ministro já anunciou que dará seguimento ao tal de ajuste fiscal e que fará nova reforma na previdência. Pois, e aí? Como defender um governo que insiste em passar o bruto da conta para os trabalhadores, enquanto segue pagando religiosamente os bancos e a dívida odiosa? 

No descampado do planalto central a trama de mágoas e intrigas parece estar se desenrolando. Eduardo Cunha, enfraquecido, tem grandes chances de perder a mão. Dilma, animada com as passeatas em seu favor, joga para a torcida e ganha mais um pouco de tempo até que todos se deem conta de que nada de fato mudou. E assim seguirá o Brasil, aprofundando a crise, repassando o prejuízo para os trabalhadores. É fato que os programas de combate à pobreza seguirão e eles são importantes para os que dependem dessa mínima possibilidade de vida, mas isso não pode ser suficiente. O governo do PT não cumpre o que prometeu. O governo do PT não se importa com as demandas populares. Age como todos. Concede um pouquinho ali, mas sem mexer na estrutura. Dilma deve permanecer, mas até o final de seu mandato nada de novo vai acontecer. Pelo menos nada que represente uma grande mudança estrutural. Pequenos passinhos que por vezes nos alegram e provocam esperanças. Pequenos passinhos que nos obscurecem a vista. Pequenos passinhos que nos levam a pensar que ficaria pior sem eles no poder.

Mas, logo adiante, uma boa martelada abre os olhos e mostra que tudo segue como dantes no quartel de Abrantes. Aos trabalhadores nada resta a não ser seguir a luta renhida pelos direitos, pelas reformas, pela transformação. Nenhum passo atrás, é verdade. Mas, nenhum engano. Vamos com o que temos, é certo, entendendo que isso não é suficiente. Há um longo caminho de construção de uma alternativa efetivamente popular e revolucionária. Um longo caminho... 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Ponta do Coral ainda protegida



Movimento da Ponta do Coral 100% pública informa que um novo julgamento deverá ser realizado, pelo Tribunal Regional Federal  4a. Região, sobre a Competência Administrativa da FATMA à favor do IBAMA para liberações de licenças para a área da PONTA DO CORAL.

"Após pedido do Ministério Público Federal, o Superior Tribunal de Justiça anulou a decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, (favoravel à FATMA e HANTEI) enviando os autos novamente ao TRF4 para novo julgamento do caso que envolve a área conhecida como Ponta do Coral, em Florianópolis.

O ministro do STJ, Mauro Campbell Marques, entendeu que o acórdão do TRF4 não analisou todos os argumentos articulados na petição do MPF, restando emitir juízo de valor sobre alguns pontos, especialmente com relação à necessidade de ouvir os gestores do ICMBio sobre o pedido de licenciamento ambiental.

Segundo o ministro, foram feridos os artigos 10 da Lei 6.938/81 e o art. 4º da Resolução 237/97 do CONAMA, uma vez que não foi realizado pedido de licenciamento ambiental ao IBAMA, que seria o órgão competente para analisar o caso, pois se trata de empreendimento e atividade com significativo impacto ambiental de âmbito regional e nacional a ser edificado em mar territorial.

Embora reconhecida a proximidade da área onde se pretende implantar o empreendimento, os gestores das unidades de conservação ambientais não foram ouvidos.

Segundo a decisão do STJ, “ressai que a controvérsia sobre a localização do empreendimento e a extensão do impacto ambiental parecem ser mais complexas do que o apreendido no acórdão de origem, indicando-se que nem todos os pormenores suscitados pelo “Parquet” referentemente ao caráter federal do bem configurado como mar territorial foram devida e evidentemente analisados”.

O processo agora ira retornar ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região para novo julgamento que analise todos os argumentos apontados pelo MPF, que esperamos julgue a competência administrativa do IBAMA sobre as licenças na Ponta do Coral, para salvaguarda dos interesses ambientais da ESEC de Carijós/ICMBio.

Portanto, diante deste novo fato e da insistência da Hantei em construir Hotel com 18 pavimentos na Ponta do Coral, o movimento está encaminhando pedido à Justiça Federal e ao MPF e MPSC, para que tomem as providencias cabíveis, informando à FATMA, Prefeitura e Hantei,  para que obedeçam, rigorosamente, à suspensão da prática de quaisquer atos jurídicos e administrativos enquanto não houver uma decisão de mérito diferente da atualmente em vigor (decisão de 1º grau), sob pena de adoção de outras medidas (aplicação da penalidade de multa por descumprimento flagrante de ordem judicial, ajuizamento de ACP, de ação penal, etc.)...

Também denunciam que até o presente momento a Prefeitura não permitiu acesso público ao conteúdo do Decreto de Revogação das licenças que haviam sido expedidas pela Prefeitura e FATMA, em fevereiro deste ano, colocando em dúvida inclusive a existência de tal revogação".

A luta segue.