quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Breves notas sobre a conjuntura de Santa Catarina


Praça de Lages


Santa Catarina entrou para o mapa da história do mundo em 1515 quando alguns náufragos da expedição de Juan Díaz Solís passaram pelo estado em direção ao estuário do rio da Prata. Eles aportaram na então chamada ilha dos Patos, onde hoje é a ilha de Santa Catarina e foram muito bem recebidos pelos povos que ali viviam, possivelmente a gente Guarani. O fato de começar por Santa Catarina o famoso caminho do Piabeiru, que ligava os povos indígenas em rotas comerciais até o império inca, mostra que a região era bem cobiçada pelos que vinham da Europa em busca do ouro.

Durante mais de 100 anos os espanhóis ocuparam essas terras, cometendo as mais atrozes violências contra os povos originários, também em franco combate com os portugueses que buscavam garantir o controle sobre a área. Mas, foi só em 1660 que os portugueses conseguiram fundar uma colônia estável, onde hoje é São Francisco do Sul. Quinze anos mais tarde foi a vez do bandeirante Francisco Dias Velho fundar uma colônia na ilha de Santa Catarina. Logo em seguida foi a vez de Laguna.

O litoral era um espaço importante para os portugueses, mas havia o desejo de fincar raízes nas terras adentro. E foram justamente os caminhos abertos pelos tropeiros a transportar o gado do Rio Grande do Sul para São Paulo que proporcionaram esse avanço para o interior. O fato de a ilha de Santa Catarina ter sido elevada à vila em 1726 deu mais força para o povoamento do interior. Assim, os portugueses foram tomando as terras indígenas, arremetendo contra os espanhóis e ampliando o território. E foi justamente essa sede por novas terras que fez com que a coroa portuguesa recorresse à imigração. Então, o povo dos Açores encheu o litoral. No interior a base portuguesa era a cidade de Lages onde se expandiram as fazendas de gado. Esses eram, então, os principais focos de povoação do estado.

A vida correu tranquila por aqui até que estourou a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, em 1835. O movimento de libertação dos gauchos ultrapassou a fronteira do estado e chegou a Laguna, aonde os catarinenses chegaram a proclamar a República Juliana, compartilhando o ideário dos farroupilhas. Também envolveu a cidade de Lages que igualmente aderiu a revolução. Mas, dez anos mais tarde, Santa Catarina já estava “pacificada” e recebia festivamente a visita de D.Pedro II e sua mulher. Foi só depois que nasceram Joinville (1845), Blumenau (1850) e Brusque, cidades que iriam desempenhar papel importante na história do estado por conta de suas indústrias.

Quando chegou a República, Santa Catarina era uma região tranquila, de 200 mil habitantes, cuja maioria vivia da pesca e da pequena lavoura. Por aqui os escravos eram poucos, pois não havia grandes plantações. Mesmo assim chegaram a somar mais de 18 mil almas, marcando presença no processo cultural do lugar. A imigração estrangeira, de alemães, suiços, italianos e noruegueses também chegou com força, dando nova conformação às forças produtivas.

O primeiro governador dessas terras, nomeado por Deodoro da Fonseca foi Lauro Müller, militar de carreira, adepto do positivismo, que vivia no Rio de Janeiro, embora fosse natural de Itajaí. Ele acabou deposto tão logo Deodoro saiu do poder, por pressão dos federalistas catarinenses. Assim, a exemplo da farroupilha, também a revolução federalista teve reflexos profundos em Santa Catarina, com muita instabilidade na política e com o povo alçado em armas. A “rebeldia” foi vencida pela força de Moreira César e muitos dos revolucionários foram enforcados ou fuzilados. Pouco tempo depois a vila de Desterro era denominada de Florianópolis, em homenagem ao seu carrasco, Floriano Peixoto.

Quem assume o comando do estato então é Hercílio Luz, filho da elite florianopolitana, tendo estudado na Europa. Depois dele, o Partido Repúblicano continuou rendendo figuras influentes como Felipe Schimidt, Vidal Ramos, Adolfo Konder e Vitor Konder. O domínio político se dividia entre o litoral e o planalto (região do latifundio), com alguns filhos de imigrantes também aparecendo em cena.  Quando em 1930 o Rio Grande puxa outra revolução, com Getúlio Vargas, Santa Catarina se coloca contra, pela primeira vez, mas é vencida pelas tropas gaúchas e com a vitória de Getúlio em nível nacional. Assim, até 1945 o estado é governado por interventores da confiança de Getúlio. Dentre eles destaca-se Nereu Ramos (filho de Vidal Ramos) – o único que foi eleito pelo povo, de filiação liberal. 

Naqueles dias vicejavam dois partidos que dominavam a política e se intercalavam no comando. O Partido Social Democrático (PSD), de caráter liberal-conservador, apoiador do Estado Novo, e a União Democrática Nacional (UDN), formada por antigos republicanos, ultraconservadores, antinacionalistas e antigetulistas. De qualquer sorte, em Santa Catarina, os dois representavam a elite e nada tinham de progressistas. Durante o Estado Novo, de Getúlio Vargas, é criado o Partido Trabalhista Brasileiro, que acaba sendo, menos um partido de trabalhadores, e mais uma resposta das elites para a modernização do estado brasileiro, com uma aliança dos interesses burgueses e dos proprietários rurais, colocando as relações trabalhistas sob o controle do Estado. Ainda assim, em Santa Catarina, o partido não vingou.

Nos anos 50 a região do meio oeste começou a se desenvolver e passaria a ser também um ponto de disputa na política estadual, até então limitada a Lages e Florianópolis. A política volta a ser dominada pelos mesmos conservadores de sempre, agora representados pelas famílias Ramos/Bornhausen, cuja base material da riqueza estava na terra.  Nos anos 60 criam-se as universidades, a Federal em 60 e a Estadual em 65. Aí já está instalado o golpe militar e quem comanda Santa Catarina é Ivo Silveira, ainda escolhido pelo voto direto. Depois de 64 os partidos tradicionais já não existem e os militares instituem o bi-partidarismo: Arena (para onde vão os velhos udenistas) e o MDB (a oposição). E é nesse contexto que aparecem os novos governadores, Colombo Salles e Antonio Carlos Konder Reis, nomeados pela Assembleia, Jorge Borhausen (primo de Konder Reis), nomeado por um colégio eleitoral e Esperidião Amin, também nomeado pelo governo militar. Todos eles eram aliados da ditadura, pertencendo, portanto, a Arena. E também todos fazem parte da mesma corrente latifundiária/conservadora. O voto direto só volta em 1982, quando então se elege Esperidião Amin (já sob a sigla PDS), sob graves denúncias de fraude. 

É que com a abertura política, ainda no governo militar, havia mudado o universo partidário. Para fugir da identificação com a ditadura, a velha Arena se transforma em Partido Democrático Social (PDS), e o MDB deixa de ser um movimento e passar a se chamar Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Depois das conturbadas eleições de 1982, onde uma denunciada fraude inviabilizou a eleição de Jaison Barreto, o PMDB acaba vencendo em 1986, com Pedro Ivo Campos, mudando um pouco a balança política e tirando de cena a velha elite latifundiária/conservadora que vinha governando desde o tempo da colônia. Pedro Ivo, natural de Joinville, era tenente coronel e, na juventude, militara no antido PTB, partido de raízes trabalhistas. Pedro Ivo morre antes de terminar o mandato, assumindo Casildo Maldaner, seu vice. Mas, mesmo sendo menos conservador que os "inimigos", o PMBD não avança em praticamente nada que mexa nas estruturas cristalizadas.  Nas eleições que se seguem aparece então a "nova direita", com caras diversificadas, mais jovens, desconectadas do mundo rural, mas ainda representando a mesma velha oligarquia que comandara o estado desde sempre. Assim, é o Partido da Frente Liberal (PFL – filho do desmembramento do PDS, ex Arena, ex UDN) quem leva o governo através de Vilson Kleinübing, tendo como vice o velho Konder Reis. Com ele, os servidores vêem acabar-se a data-base, ainda não recuperada até os dias de hoje. Logo em seguida o PMDB também ataca de novas caras e o jovem Paulo Afonso Viera logra vencer em 1995, terminando seu governo envolto no escândalo das letras. Ou seja, nada de novo na política local.

Os tempos atuais

Em 1999 Espiridião Amin volta ao governo, com todo o aparato direitista e em 2003 reassume o PMDB, desta vez com o então prefeito de Joinville, Luiz Henrique da Silveira, que fica no governo por oito anos seguidos. Essa dobradinha envolvendo um rodízio da direita – ora PFL, ora PP – e o PMDB foi constante desde o final da ditadura. Mas, o PMDB já não era mais o mesmo do tempo de Pedro Ivo, que mantinha certa raiz progressista, da tradicional ética emedebista. Com Paulo Afonso já se pode perceber todo um mergulho na corrupção e o completo descompromisso com o povo catarinense. A ação de Luiz Henrique foi ainda mais nociva, pois esse governo atuou com forte conotação neoliberal e privatizante. Com ele avançou a terceirização dos serviços no estado. Foi durante seu mandato que o governo criou, defendeu e aprovou o Código Florestal – que serviria de modelo ao nacional – um instrumento de devastação ambiental.  Ironicamente, ele também criou um Plano de Desenvolvimento para o Estado, o qual objetivava tornar Santa Catarina uma referência no desenvolvimento sustentável. Isso claramente não se sustenta quando se observa que durante seu governo, o estado foi tomado pelas empresas de plantação de pinus, outra praga de destruição permanente. 

Com ele também começa o reinado das parcerias público/privadas e as Organizações Sociais. Entidades de cuidado com o menor, presídios, hospitais, tudo passa a ser comandando pelas organizações sociais, com o Estado ficando completamente omisso diante de questões de vital importância como a saúde, a educação e a ressocialização  de menores infratores. No seu governo também é promovido um desmonte no Deter, o departamento de estradas, e as vias são entregues à empresas privadas, com a instalação de inúmeros pedágios. A famosa “descentralização” promovida no seu governo nada mais foi do que a montagem de aparelhos eleitoreiros nos cantões do Estado, sem muita alteração na vida das gentes. As tais das secretarias regionais (em número de 36) consumiam e ainda consomem do estado 700 milhões de reais por ano, só para funcionar, sem oferecer espaço de participação efetiva à população. Também é no governo de Luiz Henrique que a criminalização dos movimentos sociais assume a condição de política de governo. Toda luta ou reivindicação vira caso de polícia.

Por isso, em 2011 o retorno do velho conservadorismo oligárquico representado pelo DEM não foi novidade. O estado de Santa Catarina, historicamente, tem suas raízes fincadas nesse modo de fazer política. Raimundo Colombo, o governador eleito, vem dos campos de Lages, perpetuando o ciclo interminável de dominação da política seja pelo litoral (com Florianópolis) ou pela serra. Mas, no começo do governo, Colombo decidiu desgarrar-se do velho DEM e subiu no bonde do PSD, uma nova sigla para a mesma velha política. Com esse movimento, Colombo tentou virar o leme mais ao centro, buscando ampliar sua base de apoio. Também foi uma forma de se aproximar do governo federal, uma vez que em nível nacional o seu atual partido, PSD, tem votado nas propostas governistas. Colombo também volta a se aproximar do PP, partido que tem à frente Espiridião Amin, unindo assim mais uma parte do coservadorismo catarinense.

Em linhas gerais, o governo de Colombo em nada se diferencia de Luiz Henrique. Sua linha é de endurecimento com as lutas trabalhistas e todo o poder aos “empreendedores”, com grandes cortes no orçamento, deixando descobertos setores estratégicos como educação, saúde e segurança. Grandes têm sido as lutas dos professores, dos trabalhadores da saúde e dos agentes de segurança. Na área da saúde a situação se vê dramática, com os hospitais perdendo seus leitos sem que nada seja feito. Colombo, que foi um crítico de Luiz Henrique durante o processo de “descentralização”, manteve as secretarias regionais que seguem servindo de cabide de empregos aos correligionários, agora do PSD. No final de novembro de 2012 e agora em janeiro/fevereiro de 2013, viveu a chamada "crise na segurança", quando o estado foi atacado sistematicamente pelo crime organizado desde dentro das penitenciárias. Completamente acuado, como se devesse alguma coisa, o governo demorou demais a agir, claudicou, jogou a comunidade à própria sorte, precisando os trabalhadores do transporte exigir segurança para os usuários. A crise se prolongou por quase 20 dias, e não teve um final, uma vez que as causas dos ataques  - violências, maus-tratos e torturas nos presídios estaduais - não foram levadads em conta. A solução dada pelo governo foi o uso de mais força, com o pedido de socorro à forças nacionais.

O futuro

Agora, para as próximas eleições, além das forças tradicionais, outra grande ameaça que paira sobre o estado é a possibilidade da família Berger - uma espécie de azarão correndo por fora - se apropriar do aparelho administrativo. Os Berger iniciaram uma carreira solo, desvinculados das forças tradicionais, mas aliados do "empreendedorismo moderno", o que significa uma aliança muito estreita com o mercado imobiliário. São José, cidade foco da família, se verticalizou vertiginosamente com a chegada de Dário à prefeitura em 1996. Concreto e asfalto foram suas armas. E foi com esse mote de progresso e modernidade que Dário chegou à prefeitura de Florianópolis, onde permaneceu por dois mandatos, também provocando um estouro imobiliário. Dario Berger nunca escondeu seu desejo de chegar a governador e não é sem razão que saiu do PFL e entrou para o PMDB. Conhecedor da tradição do estado, no rodízio direita-centro, está apostando todas as suas fichas nessa proposta. Para isso se elegeu prefeito de Florianópolis, garantindo ainda a reeleição. Dário não conseguiu eleger seu sucessor na capital em 2012, mas muitos de seus colaboradores seguem na máquina de poder, junto com César Souza Junior (das forças mais conservadoras). Assim, o nome de Dário deverá ser uma possibilidade no tabuleiro eleitoral e, caso consiga levar o governo do Estado, inaugura em Santa Catarina uma nova cara para o PMDB, já sem qualquer vestígio da velha conduta emedebista, e cada vez mais vinculado a interesses exclusivos do capital. Logo, praticamente sem diferenciação dos velhos grupos.  

As outras forças

Nessa dobradinha de repetição da elite catarinense, ora pela direita, ora pelo centro, a esquerda nunca teve vez, sendo sempre uma força secundária no tabuleiro político. O antigo PT (quando era mais à esquerda), que tem suas raízes – não por acaso - no oeste catarinense, nunca conseguiu fazer-se uma força capaz de criar alguma turbulência no jogo político catarinense. Nascido no oeste, com as lutas camponesas, de mulheres, de agricultores sem-terra, o PT sempre foi visto pelos conservadores catarinenses como “muito radical”, representando uma ameaça à ordem. Apenas agora, com o governo Lula e a ascensão da senadora Ideli Salvatti, o partido começou a aparecer como palatável, embora não tenha conseguido nunca lograr uma organização de base estadual capaz de balançar o barco da velha classe dirigente. Pelo contário, preferiu aliar-se aos velhos inimigos em nome do que chama de "governabilidade". Pois, ao se fazer "palatável" perdeu definitivamente sua radicalidade, e deixou de se situar no campo da esquerda, ficando mais para o centro, ora assumindo uma posição mais progressista, ora regredindo. Campanhas para governador em que lideranças do PT aparecem abraçando e apoiando Esperidião Amin mostram isso com clareza. Por conta dessas decisões estaduais e as alianças feitas em nível nacional para vencer a eleição presidencial o partido perdeu muitos de seus históricos militantes, o que enfraqueceu bastante a base popular/camponesa do partido. Embora no oeste o PT ainda mantenha uma militancia aguerrida, não conseguiu criar um nome com força capaz de mobilizar o estado. Carlito Mers, que conseguiu se eleger prefeito de Joinville, a maior cidade do estado, com uma classe trabalhadora bastante organizada, tampouco tem mostrado força para assomar como um nome estadual. Pedro Uczai, atualmente deputado estadual, é um dos nomes que tem crescido, mas ainda restrito à região oeste. 

O PC do B, com suas alianças confusas como as do PT ( também apoiou Amin e é uma das bases do governo petista), está cada vez mais no campo do centro, desvinculando-se das forças de esquerda. O PDT, sigla assumida por Brizola depois de ter perdido a do PTB, que deveria enveredar para o lado de seu passado histórico que, ainda sendo de cunho populista, em certo momento esteve junto das lutas populares antes do golpe, tem sido parceiro dos governos peemedebistas, sendo que pouco se pode esperar. Vale lembrar que em nível nacional também já esteve aliado até com Collor de Melo. Restam, no campo da esquerda, o PSOL e o PSTU, que, apesar de terem boas propostas programáticas, individualmente não configuram possibilidade de lograr uma alternativa para o estado. O PSOL fez bonito na eleição em Florianópolis, mas não tem encarnação na vida de outros municípios do estado. 

Já no âmbito dos movimentos sociais com força para intervir na política estadual sem sombra de dúvidas o MST ocupa o primeiro lugar. Organizado em praticametne todas as regiões de Santa Catarina o movimento acompanha de perto a política, intervêm, atua em consequência. Também realiza análises periódicas da conjuntura e tem bastante clareza quanto ao que quer para o estado, apostando no predomínio do minifúndio, das cooperativas e da articulação com os trabalhadores da cidade. Talvez ainda falte ao MST uma análise mais aprofundada do caráter urbano e industrial de Santa Catarina, para que possa intervir com mais universalidade, saindo do particularismo das questões camponesas. Também sua postura em relação ao governo federal se domesticou bastante nos últimos anos e não tem havido uma presença mais concreta no que diz respeito a proposição de um projeto de país. Ainda na área rural, é forte o movimento dos pequenos produtores, mas, durante o governo do PMDB esteve fortemente vinculado a ele, chegando a apoiar massivamente o Código Florestal aprovado na Assembléia Legislativa. Por sua condição de proprietários (assumindo postura clásica da pequena burguesia), esses agricultores são mais suscetíveis ao conservadorismo.

No universo urbano um movimento importante em nível de Estado é o dos professores, historicamente combativo, sempre protagonizando lutas importantes. Mas, de qualquer forma, por presentar uma categoria, sua atuação ainda é bastante reativa, sem a consolidação de uma proposta global para Santa Catarina. Trabalhadores das regiões industriais ou mineiras realizam lutas pontuais, mas tampouco se configuram em forças capazes de intervir no jogo político global. A própria CUT que - por aglutinar um número maior de sindicatos - poderia ser a locomotiva das lutas de categorias urbanas como a dos comerciários e trabalhadores das indústrias, por exemplo, não tem atuado como uma força capaz de articular e propor um projeto novo para o estado de Santa Catarina. Sua ação é também mais reativa que propositiva. Vale lembrar que essa Central, que nasceu para ser um instrumento dos trabalhadores, ao logo dos anos também foi perdendo sua radicalidade, atuando muito mais na lógica da conciliação de classe e na preparação dos trabalhadores para a domesticação na vida laboral. Os trabalhadores públicos estaduais, que igualmente têm protagonizado lutas importantes ao longo dos anos, ficam restritos ao corporativismo e lutas pontuais. Falta definitivamente um elemento unificador de todas essas lutas esparsas e a construção unificada de um projeto para Santa Catarina que se diferencie do que vem sendo implementado desde o princípio dos tempos, capitaneado pela elite que representa pouco menos de 12% do Estado.
É bom que se tenha em mente que a falta de um projeto para o estado está também visceralmente ligada à falta de uma proposta de um projeto para o país. Não se consegue perceber, hoje, sequer um partido político, ou movimento social, ou uma junção deles, que consiga dar conta dessa tarefa. Assim, a mesma incapacidade que se verifica em Santa Catarina se coloca em nível de país. 

Essa constatação não deve servir como elemento imobilizador ou motivo para choramingações. Pelo contrário. Deveria ser a mola a impulsionar um nosso projeto histórico capaz de avançar no sentido de construir verdadeiramente uma proposta nacional, libertária, socialista e internacionalista. Tarefa árdua que precisa de muito estudo e capacidade de organização.  

A riqueza em jogo

Quando se fala em conjuntura e em construção de uma proposta de país e de estado, há que levar em conta a base material do que está em questão. No caso de Santa Catarina - que é o motivo dessas breves notas  - o que está em disputa é uma riqueza cuja economia está colocada em sexto lugar no país. Apesar de ser um estado pequeno (95.285 km quadrados) Santa Catarina movimenta 4% do PIB nacional, ou seja, 129,8 bilhões, o que não é coisa pouca. Sua força maior está na indústria, representando 22,3% do PIB estadual. É gigante na área textil, na agroindústria, na cerâmica e metal-mecânica. É o maior exportador de frango e de carne suína do Brasil, sendo a Sadia e a Perdigão as responsáveis por isso. Hoje as duas empresas estão configuradas numa multinacional, a Brasilian Foods. Também está em Santa Catarina a maior fábrica de motores elétricos do mundo, a WEG, e uma das maiores fabricantes de compressores para geladeira, a Embraco. Com sede no estado está ainda a maior encarroçadeira de ônibus do país, a Busscar, assim como outras marcas de nome nacional com a Consul e a Brastemp. Para se ter uma idéia, no último ano, com a política de incentivos ao consumo da linha branca, esse setor da indústria cresceu tremendamente.

A região de Blumenau congrega o maior parque textil do estado e mesmo as pequenas empresas ou as produções domésticas estão a serviço das grandes empresas como a Hering. A região norte condensa a metalmecânica. O setor industrial, sozinho, teve um acréscimo das vendas no mês de março que ultrapassou os 15% em relação ao mesmo mês no ano passado.

Apesar de ser conhecido nacionalmente como um estado de minifúndios, Santa Catarina está cada dia que passa se transformando num deserto verde. Tudo isso por conta da expansão das empresas de florestamento que atuam com pinus, uma planta exógena que, comprovadamente, provoca a desertificação das áreas. O pinus tem se espalhado pelas regiões do meio oeste e serra, ocupando inclusive topos de morro, uma vez que é muito difícil controlar a sua disseminação. Muitos pequenos agricultores estão abandonando o cultivo de alimentos e se dedicando a plantar pinus. Acreditam eles que é mais lucrativo, e de fato é. O manejo é ínfimo e um produtor de pinus pode ficar em casa descansando, só esperando a árvore crescer. Não há preocupação com clima, nem com perdas. É lucro seguro. O problema é que com o tempo a terra vai minguando e pode ficar incultivável. Não é sem razão que Santa Catarina foi o terceiro estado que mais desmatou as florestas nativas, e é o maior produtor de celulose. Tudo está a serviço das empresas de reflorestamento que, longe de ajudar a recuperar as matas, as estão matando. Inclusive os pinheirais, parte da tradição da vida do povo da serra, estão minguando. A produção de pinhão declina ano após ano.

No campo da pequena produção que ainda resiste o milho é a principal cultura. Segue-se a soja, bastante cultivada na região do meio oeste, o fumo, a mandioca e o feijão. Tirando a soja, que é plantada em grandes propriedades, as demais culturas estão no controle dos pequenos proprietários. No que diz respeito a criação de animais é a suinocultura e a avicultura que domima o cenário, sendo que no oeste, a maioria dos pequenos produtores trabalham associados aos grandes frigoríficos, em condições bem desfavoráveis. Também a pesca tem representado importante papel na economia do estado. Santa Catarina é um dos maiores produtores de pescado e crustáceos do país, com maior produção na região de Florianópolis, Itajaí e Navegantes.

Na área do extrativismo mineral é a região de Criciuma que se destaca. Todo o entorno já foi um grande produtor de carvão e apesar do decréscimo na produção, ainda representa muito dentro da economia catarinense. Existem ainda reservas de fluorita, sílex, quartzo, bauxita, petróleo e gás natural. A região também domina a produção de cerâmica e é uma das maiores produtoras do país.

Conforme informações da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc) no que se refere às exportações Santa Catarina é campeã de lucros e representa 3,8% das exportações do país. De janeiro a abril de 2012 houve um crescimento de 8,2%, chegando a US$ 2,84 bilhões, bem acima da média nacional, de 4,5%, no mesmo período. Os produtos industrializados catarinenses que aumentaram a participação no mercado internacional foram os motores e geradores elétricos, cujas vendas cresceram 22,3% e atingiram US$ 190,2 milhões; motocompressores, com crescimento de 8,8% e receita de US$ 168,9 milhões; e blocos fundidos, com incremento de 18,9% nas vendas e receita de US$ 141 milhões. A carne de frango, principal produto da pauta de exportação, cresceu 10,6%, para US$ 733,5 milhões. 

A Fiesc também revela que as vendas reais da indústria catarinense cresceram 13% no primeiro trimestre de 2012 em relação ao mesmo período de 2011. Os setores que comandaram esse aquecimento foram máquinas e equipamentos (39,6%), produtos químicos (22,6%); alimentos e bebidas (17,5%) e máquinas, aparelhos e materiais elétricos (17%).  Segundo os dirigentes, esse crescimento tem sido possível por conta do crescimento da economia em nível de Brasil. “A capacidade produtiva das fábricas fechou o trimestre em 83,4%, resultado ligeiramente inferior aos 84,1% registrados neste mesmo intervalo de tempo em 2011. As horas trabalhadas na produção decresceram 0,6% e a massa salarial real aumentou 8,6%”.

No que tange aos indicadores sociais Santa Catarina é sempre considerada uma espécie de Europa brasileira. O índice de famílias colocadas na classe E é o mais baixo do país, 6,9%. Por outro lado, as classes A, B e C somam 80,4%, maior índice do país. O estado ostenta o segundo maior Índice de Desenvolvimento Humano, tem 51,9% dos trabalhadores com carteira assinada, com salário médio de 1.258 reais. Tendo na sua formação cultural forte conteúdo migratório, também é bastante conhecida a fibra da população catarinense (descendente de alemães, italianos, poloneses, açorianos) acostumada a vencer qualquer sorte de desgraça, como as comuns cheias do Vale do Itajaí. Talvez venha daí essa capacidade de aguentar também maus governos e condições desfavoráveis de reprodução da vida.

A força patronal

Além das forças políticas, expressas nos partidos, e a ação dos movimentos sociais de cunho trabalhista ou popular, também há outras forças com forte atuação na vida do Estado. Uma delas é a da Fiesc, que representa a maior e mais rica força econômica: a indústria. São 38 mil empresas representadas na entidade, que, juntas, empregam mais de 670 mil pessoas, sendo responsáveis por um terço da riqueza gerada no estado. A Fiesc também articula 130 sindicatos de indústria, representando política e institucionalmente o setor. Além disso, ainda oferece serviços nas áreas de comércio exterior, política econômica industrial, infraestrutura e meio ambiente, legislativa e tributária e relações do trabalho. Portanto, sua atuação junto as forças que comandam o estado é sempre sinérgica.

O sistema Sesi, ligado à Fiesc  atende 280 mil trabalhadores por dia, oferecendo serviços nas áreas de saúde, lazer, educação, farmácia e alimentação, criando assim, vínculos emocionais com os trabalhadores das indústrias, o que faz com que muitos deles considerem as empresas onde trabalham como sua segunda casa. Esses vínculos, muitas vezes, impedem que a luta por melhores salários se faça, uma vez que os trabalhadores acabam acreditando que a empresa faz “o suficiente” para seu bem-viver. O sistema de qualificação profissional, o Senai, possuiu hoje 400 laboratórios e atende, a cada ano, 90 mil alunos. Desde sua criação, com as 34 unidades espalhadas pelo estado, já formou 1,7 milhão de profissionais. Com tamanha encarnação na vida dos trabalhadores, essa é uma força que não pode ser ignorada quando se trata de pensar um projeto para o estado.

Não é sem razão que a FIESC, muito mais articulada que os movimentos sociais, tenha o seu projeto para Santa Catarina muito bem delineado, com uma série de documentos livremente publicados na internet, não só no campo econômico, mas também dando receitas para a saúde e educação, no qual os dirigentes políticos bebem para realizar suas propostas de obras e de desenvolvimento do estado. No mais das vezes, a simbiose Fiesc/governo é quase total.

Assim, uma das tarefas que está colocada para os movimentos sociais e partidos de esquerda é justamente a de melhor conhecer as forças que atuam no estado, compreender e avaliar os projetos e a situação da classe dominante e, de forma articulada, iniciar um movimento sistemático de estudo e análise da realidade para poder combatê-la. Perceber quais as propostas e anseios das gentes que atuam na vida real, conhecer suas lutas – que não são poucas – ficar ciente da correlação de forças que existe entre a classe dominante e os “de abajo”.  Depois, com base nisso, definir ou redefinir os seus objetivos. Recomeçar o difícil e árduo trabalho de articulação e construção de um novo projeto político para Santa Catarina, que tenha a classe trabalhadora (formal ou informal) como protagonista e condutora das mudanças. 

Mas, esse projeto para o estado não poderá estar descolado da questão nacional, visto que os mesmos partidos que atuam aqui, apresentam seus projetos em nível nacional. A relação com o império estadunidense, a proposta para a América Latina, a aliança com o agronegócio, os conceitos de desenvolvimento, são elementos que apenas se diferenciam de forma muito pontual entre os partidos que representam a elite dominante. E o PT, com seus aliados nacionais como o PCdoB e PMDB, de instrumento da classe trabalhadora e partido de esquerda, passou a ser um partido ideológico (que encobre a realidade), tal como os outros, representante de uma classe média emergente que quer chegar ao paraíso capitalista. 

Assim, transitar no conjunto dos movimentos do campo e da cidade, com seus mais diversos matizes políticos não é coisa fácil. Também se configura difícil a possibilidade de que a maioria deles saia dos seus particularismos para assumir uma proposta transformadora, de destruição do sistema capitalista, de construção de outro projeto nacional, de revolução. Mas, alguns há que pensam e caminham, e, com isso, o processo vai avançando. No caso de Santa Catarina é chegada a hora de os partidos de esquerda e os movimentos comprometidos com outra forma de organizar a vida decidirem-se por travar uma boa luta e avançar na discussão sistemática com a população, para muito além do momento eleitoral. Ou isso, ou seguiremos indefinidamente repetindo a velha dobradinha direita/centro nos centros de poder, com sérias chances de ver o estado ser assaltado sistematicamente por velhos/novos e ardilosos gangsteres profissionais. 

Nesse sentido, segue muito atual o lema do grande educador venezuelano, Simón Rodríguez: "ou inventamos, ou erramos". Esse é o desafio para todos nós que queremos um estado e um país diferente desse que aí está. 

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Um freiriano de verdade



Conheço educadores demais que falam de Paulo Freire, citam Paulo Freire, idolatram Paulo Freire, que têm retratos de Paulo Freire pendurados em suas salas. Mas os conheço de menos na prática cotidiana daquilo que o mestre pernambucano ensinou: respeito ao conhecimento do outro, espaço para a autonomia, relações verdadeiramente amorosas, construção solidária e cooperativa do saber. 

Dentre esses poucos há um em particular que me emociona. Chama-se Leopoldo Nogueira. É formado em Pedagogia e é mais um dos tantos professores temporários da rede municipal de ensino de Florianópolis. Ser um "temporário" já é uma grande barra. O professor não tem direito algum, não tem férias, nem segurança, nem décimo terceiro. Quando chega o final do ano ele é demitido e tem de fazer a cada ano o processo seletivo. Nada garante que ele vá passar, nem, se passando, vá voltar para a mesma escola, o que faz com que seja quase impossível estabelecer um vínculo amoroso com os educandos e com a escola. 

O Leopoldo faz das tripas coração para driblar essa forma perversa que o estado encontrou para "deseducar". Afinal, como é possível uma educação sem a quentura amorosa da proximidade do professor, da relação humana, do compromisso? Um professor paulofreiriano precisa inventar-se a toda hora para superar o crime imposto pela irresponsabilidade do estado. Leopoldo foi chamado para atuar na sala de informática da Escola Beatriz de Souza Brito, que fica no bairro Pantanal. Em poucos meses ele já havia estabelecido uma ligação tão profunda com estudantes e professores que as belezas escondidas da educação começaram a fluir. Seu método de trabalho é o amor. Não a coisa piegas do sentimento. Não. É o amor compromisso, do qual fala Enrique Dussel, o que se compromete com o outro, diferente, mas real. Seu campo de "brincadeiras educativas" é a América Latina, ou Abya Yala (o nome originário) a qual faz questão de carregar por onde vai. Nenhuma criança que passe por seu caminho sai dele sem conhecer as raízes profundas do espaço geográfico onde vive. Leopoldo atua na educação fundamental e sua pedagogia é a brincadeira, o riso, o trabalho verdadeiramente solidário e participativo. Cada ação promovida na escola tem a mão, a mente e o coração de todas as crianças. Não é sem razão que quando ele chega no portão, elas irrompam em transloucada gritaria, de pura festa. 

Com os alunos ele produz vídeos, imagens, pesquisas, saberes, conhecimento. É sempre uma educação "com" a criança, nunca para a criança. Na alegria das peraltices, como subir nas árvores para descobrir os passarinhos, ele vai descortinando a vida e promovendo a educação. No final do ano, mesmo sem saber se voltaria no ano seguinte, ele iniciou a construção de um calendário para 2013. Cada grupo de alunos iria pesquisar sobre uma árvore. E assim foi. Os pequenos ocuparam seus dias na incessante busca de informação que se concretizou num trabalho lindo, totalmente feito por dezenas de mãos. Em cada mês do ano, ali está, a árvore, sua história, suas funções, sua flor e suas semente, assim como a carinha sorridente da equipe que a desvelou. Na pedagogia do Leopoldo, os alunos não são "atores sociais", aqueles que falam com a voz do outro. Eles são "autores", aqueles que criam a sua própria palavra. 

Eu, que acompanho o delicado trabalho que Leopoldo faz, me pego em lágrimas quando o vejo, nas férias, já sem vencimentos, suando em bicas, carregando seu laptop velho, buscando um ponto de internet para terminar seu trabalho, com aquele entusiasmo só possível em pessoas que se doam inteiras para seus sonhos. E os olhos brilhantes varam as noites em busca da melhor imagem, a melhor palavra, a melhor ideia. Tudo para depois compartilhar nas manhãs ensolaradas do Pantanal em meio a insana gritaria criadora. 

Às vezes, de dentro do ônibus que me leva para o centro, o vejo descendo a ladeira da Escola, cercado pelos alunos, na algaravia infernal. E ele, gordito e sorridente, vai contando histórias, registrando carinhas, fazendo brincadeiras, girando o guarda-chuva colorido. E tem essa capacidade tão imensa de se fazer igual que, num átimo, ele se apequena, perde a barba branca, se adelgaça e vira mais um menino, de olhos graúdos feito jabuticaba  a fazer traquinagens pelas ruas do Pantanal. Paulo Freire deve olhar para ele lá de cima e sorrir, satisfeito.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Aqui se luta contra o capital

Desde las mesas del Centro Sócio-Econômico/UFSC

Cinema latino-americano no Iela

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Liberdade de expressão - um falso problema




A passagem de uma opositora do regime cubano pelo Brasil tem deixado um rastro de manifestações sobre a questão da liberdade de expressão. Reconhecidamente paga por instituições ligadas ao mercado capitalista, que insiste em recuperar a ilha para sua órbita, a jovem cubana faz as vezes de embaixadora da "liberdade e da democracia", contando ao mundo sobre os problemas do regime cubano e do que chama de "completa falta de liberdade de expressão" no país. Isso, por si só já coloca uma questão: se ela pode falar ao mundo sobre o que considera ruim em Cuba e se pode manter um blog na rede mundial de computadores, como a liberdade estaria sendo negada?  Contraditório.

Mas, outros elementos podem ser apontados nessa "batalha" da cubana por liberdade que inclui, inclusive, a defesa do bloqueio comercial ao seu país, o que, em última instância significa o uso da censura, nesse caso econômica. Ou seja. Para os opositores do socialismo ela pede liberdade, para os que acreditam no regime, censura. Nada de novo nesse pantanoso campo da chamada "liberdade". Ao que parece, a liberdade só vale para quem compartilha do mesmo pensar.

Isso pode ser comprovado com a observação da vida real. Ao longo da história humana, a expressão sempre foi livre. O que tinha entraves era a publicidade que se poderia dar a essa expressão. Quando não havia escrita, o alcance das ideias era muito restrito. No máximo, uma pessoa poderia subir num monte e falar à multidão. Assim o fizeram os profetas, os líderes rebeldes, os filósofos. Mas, como sempre, essas expressões estavam subjugadas ao poder de plantão. A pessoa podia falar, mas tinha de arcar com as consequências. E se o que a pessoa falasse fosse contra o poder instituído, haveria de provar o gosto amargo da punição. A história está repleta da história de grandes oradores que tiveram sua cabeça cortada por dizerem o que o poder não queria que fosse dito. O que parece regra geral é que o sistema político ou de poder em vigor sempre se protege. E, a opinião pública é um espaço importante de batalha. Assim, é nesse campo que muitas vezes se travam as lutas mais ferozes.

Como dizia Gerge Orwell, no seu prefácio da Revolução dos Bichos, nada pode ser mais perigoso do que uma opinião pública bem informada. Assim, não é novidade que qualquer sistema busque controlar a informação. Quem não se lembra da famosa frase do então ministro Rubens Ricúpero, chamado de sacerdote do Plano Real, durante o governo FHC, para quem era lícito informar ao público apenas o que interessava ao governo. Falando com um repórter, sem perceber que  estava sendo transmitido ele afirmou: "Eu não tenho escrúpulos. Eu acho que é isso mesmo: o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde".

Aquilo que o ministro singelamente revelou parece ser uma verdade que muitos pretendem seja universal. A crítica e autocrítica surgem como práticas de "anormais", de poucos, e sempre vêm acompanhada de represálias, punições, censuras. Nesse sentido, exercer a tão propalada liberdade de expressão, sendo crítico, é sempre um risco, seja onde for.

A China

Visitei no início desse ano a China, um país que agora está frequentemente na mídia por seu acelerado crescimento econômico.  Em 2010 o PIB chinês cresceu 10,4% e, em 2011, embora tenha caído, ficou entre as maiores taxas do mundo, 9,4%. Há um desaquecimento agora em 2013 por conta da crise europeia, mas, ainda assim, há quem diga que as coisas voltam a crescer ainda esse ano. O PIB do ano passado ficou em 8,28 trilhões de dólares. É a segunda economia do mundo, perdendo apenas para a dos Estados Unidos e representa 15% de toda a economia mundial. Ali é um bom espaço para observar esse fenômeno chamado "liberdade de expressão" que todo mundo já deveria saber é coisa bem diferente de "liberdade de imprensa". A primeira é o direito de dizer, e a segunda é o de publicar.

O que pude observar na China é que houve um tempo em que não se podia sequer dizer, se isso significasse dizer contra o regime. Isso vale para a época em que mandavam os imperadores, no curto período da República e também para o período comunista iniciado em 1949. Mas, ainda assim, havia aqueles que expressavam sua opinião, sempre pagando o preço que o poder instituído impunha. A rebeldia é coisa atávica, recorrentemente aparece naquele que não aceita aquilo que é.  Hoje, na nova China, que se abre para o mundo capitalista e cresce como fermento, a liberdade de imprensa é totalmente restrita. As publicações comerciais estão proibidas de fazer crítica. Mas, ainda assim há as que criticam. Das 10 mil publicações periódicas que circulam no país, poucas são as que tecem alguns comentários críticos acerca do epidêmico processo de corrupção que vive o país. Essas notícias são razoavelmente aceitas porque há o interesse do Estado em mostrar que está combatendo a corrupção. Mas, se as críticas forem mais profundas, "o bicho pega", como foi o caso do jornal cantonês  Southern Weekly que, em janeiro desse ano, ao publicar um editorial que denunciava a censura praticada pelo governo junto a imprensa, imediatamente sofreu intervenção, sendo alguns de seus redatores presos. O assunto correu pela cidade e chegou a juntar mais de 300 manifestantes em frente ao semanário em apoio ao jornal. Também eles foram reprimidos e 12 pessoas acabaram presas acusadas de subversão.  

Na televisão, que chega a oferecer 100 canais, as notícias seguem o diapasão daquilo que interessa ao governo. O que fervilha por debaixo do tapete está fora do foco. Durante 15 dias observei uma única reportagem acerca da criminalidade. Nada é veiculado sobre as máfias, o trabalho infantil, a prostituição. O que não significa que as pessoas na rua não falem e não saibam o que se passa. Ainda que com certos cuidados os chineses com quem conversei falaram sobre esses temas e fizeram suas críticas. "Aqui não temos acesso ao facebook, nem ao twitter e há páginas que não são liberadas para nós. Assuntos como a rebelião dos estudantes na Praça Tiananmen em 1989 e a chamada revolução dos jasmins, que aconteceu agora há pouco, não podem ser acessados. Só vocês, lá fora, podem saber. Mas as informações saem, de alguma forma saem e circulam aqui". Ao mesmo tempo em que dá a informação, a jovem trabalhadora justifica: "É forma que o governo tem de manter a ordem". Dentro do país funciona um sistema semelhante ao facebook, chamado de "kuku". Por ali, grande parte dos chineses que tem acesso às novas tecnologia se comunicam de forma quase frenética. Mesmo andando pode-se ver as pessoas clicando nos seus celulares de última geração. "A gente sabe que não pode falar certas coisas pelo kuku, mas de alguma maneira as notícias se espalham", conta uma trabalhadora do comércio.

Cuba

Em Cuba o sistema de imprensa atua da mesma forma que nos países capitalistas. O que é de domínio do governo repassa a visão do governo. O espaço para críticas é bastante reduzido. Por outro lado, o cerceamento da informação não é, em absoluto, igual ao da China. O que ocorre é que, por conta do bloqueio imposto pelos Estados Unidos, o sistema de informação não tem a agilidade nem a velocidade que se vê no mundo capitalista. O acesso à internet ainda é lento porque os provedores que dominam as infoestradas são de empresas estadunidenses, logo, não atuam na ilha. Ainda assim as pessoas tem acesso e, hoje, podem entrar em qualquer página, mesmo as que fazem crítica ao governo, como é o caso da página da cubana que circulou pelo Brasil.

A centralidade do controle sobre a mídia impressa também se dá em função da própria situação de país bloqueado. A falta de papel, de tinta e de renovação nos parques gráficos foi reduzindo o número de jornais em circulação. Hoje, o Gramna é o único de circulação nacional, embora existam outros menores, nas províncias. O rádio ainda é o meio mais importante de comunicação, e desde o início da revolução o governo incentivou a população a participar, a ajudar na construção do novo país. Assim que, em Cuba, não há quem não reclame o tempo todo de tudo. A crítica parece ser um elemento constitutivo da população, logo a liberdade de expressão é fato consumado. Mas, ao contrário da China, os problemas do país são discutidos abertamente por todos, nas assembleias de bairro e inclusive na mídia. O que não significa que não haja represálias contra o que o sistema considere "perigoso" ao regime. De qualquer sorte, hoje, na ilha, alguns movimentos de oposição já se expressam publicamente sem censura, como é o caso do movimento das "mulheres de branco" ou pessoas que, individualmente, teçam críticas ao governo, como a blogueira que visitou o Brasil.

Com a abertura econômica iniciada na década de 90, as coisas vêm mudando no que diz respeito à modernização das comunicações. A entrada de divisas permite algumas melhorias mas, como todo o sistema, o cubano também se protege, daí algumas restrições que as autoridades consideram necessárias para proteger a revolução  da influência da sedução capitalista. Ainda assim, os cubanos têm acesso não só à sedução como à defesa do sistema capitalista, todos os dias, através do meio que é mais democrático na ilha: o rádio. Para se ter uma ideia, conforme o jornalista cubano Tubal Paez, existem mais de 35 emissoras emitindo sinais desde a Flórida, com conteúdo contrário ao governo e ao socialismo, desde o triunfo da revolução. E, como vimos, o governo já não impede o périplo propagandista de críticos do sistema pelo mundo afora. Aos cubanos, em maior ou menor medida - por sua proximidade com os Estados Unidos e o ataque implacável do sistema capitalista para que a ilha volte a ser "o quintal" dos EUA - sempre esteve aberto o canal com a promessa capitalista de "democracia". Até agora, a população decidiu pelo seu modelo de democracia e pela manutenção das conquistas da revolução.

Brasil

E já que andamos circulando por vários espaços, vamos falar da nossa aldeia. Poderíamos dizer que aqui temos completa liberdade de expressão? E a liberdade de imprensa? Os meios de comunicação privados - dominados por quatro famílias e uma igreja - só publicam o que lhes interessa. Exatamente como acontece no chamado "mundo livre", os Estados Unidos. Qualquer outra voz que destoe do discurso definido pelo sistema capitalista é varrida do jornal ou da tela da TV. Não há espaço para a voz crítica. Quando ela aparece é unicamente ritual, para dar uma aparência de democracia. Um bom exemplo local é o caso dos ataques aos ônibus em Santa Catarina. Como apareceram as vozes críticas da ação governamental? Em frases soltas, desconectadas, em entrevistas editadas e manipuladas, sendo chamados de terroristas, baderneiros, aproveitadores. A "democracia" da mídia capitalista é pura ilusão, como já muito bem demonstrou Noam Chomsky num clássico estudo sobre os meios de comunicação dos Estados Unidos.   Ou seja, o sistema capitalista também se protege. Repetindo Orwell, a opinião pública bem informada é perigosa. O que resta então de liberdade de expressão? Os blogs, as páginas na internet, as conversas pessoais, as reuniões nos sindicatos, nas associações. Qualquer crítico do sistema capitalista sabe que pode sofrer represálias, sanções, censura. Desde Jeremias (na antiga Judéia) que gritar do alto das montanhas contra o poder é coisa arriscada. E, no "mundo livre" essas represálias se concretizam na falta de emprego nos meios convencionais, no estrangulamento econômico, na inclusão em listas "vermelhas", nas ameaças e até no assassinato. Vejam o exemplo do jornalista Lúcio Flávio, perseguido e ameaçado constantemente por suas denúncias sobre desmandos, corrupção e violências praticadas pelos poderosos da Amazônia. Foi processado, condenado e sobre ele pesam multas altíssimas, visando destruí-lo economicamente. Ou Chico Mendes, assassinado por criticar a exploração da floresta. Ou Irmã Doroty, assassinada por defender a reforma agrária. E tantos outros, milhares, que todos os dias são censurados no seu direito de fazer a crítica. Alguém poderia dizer que não é o Estado quem promove essas mortes e essa censura. Sim, é. O poder que domina o Estado faz cumprir, o Estado aceita. Tudo é um conluio.

É certo que esse é um tema complexo, sobre o qual muitas outras coisas poderiam ser aportadas, mas essas breves linhas são apenas para trazer à tona a reflexão de que existe a aparência das coisas e as coisas mesmas. A mídia comercial brasileira tem mostrado a blogueira cubana como a paladina da democracia. O que é uma meia verdade. Fragmentos da aparência. Ela é uma propagandística de um modo de vida que o sistema capitalista quer que seja universal: liberdade para o capital. Não importa se isso for trazer miséria, fome, abismo social, criminalidade, violência, medo. Ela é só mais uma num universo de tantos que nos chegam diariamente na tela da TV ou no jornal. A diferença, que a torna tão especial, é que ela faz isso desde Cuba, a pequena ilha que resiste há 60 anos, inventando novas formas de organizar a vida. Com seus erros e acertos, mas autônoma, sem se render ao modo homogêneo e excludente imposto pelo capitalismo. Tem ela direito de fazer isso? Tem! Ela não deve gostar de viver num país onde o supérfluo não é garantido porque, antes, é preciso garantir o básico a todos e não só para alguns. Ela deve ter sonhos que o capitalismo lhe acena como possíveis, como vamos saber? Disse numa entrevista que quer ser dona de um jornal em Cuba. Vaya.. é um bom sonho, parecido com o meu. Haverá de encontrar financiadores. Seria até bom que tivesse para vermos como funcionaria lá a "liberdade de expressão".

A nós cabe refletir sobre nossa realidade, sobre nossa liberdade, antes de ficarmos a apontar para as travas nos outros lugares. Onde podemos nos expressar publicamente, sem cortes, manipulações, desvios e alterações? Na Globo? Na Record? Na Band? Na Folha de São Paulo?

A Venezuela e um possível caminho

 O que me ocorre pensando sobre os problemas de cada sistema de governo e poder é que essa linha entre a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa é sempre muito tênue e de difícil manobra. Cada sistema tem seus argumentos para defender a censura, a punição aos críticos, a manipulação das informações. Fica então a pergunta: o que fazer? Como agir de forma a permitir que a liberdade de expressão encontre espaço na livre publicação. A Venezuela de hoje é a que me parece estar mais próxima da solução desse imbróglio. Lá, houve uma revolução, chamada bolivariana, muitas coisas forma mexidas desde a estrutura. Lá, discutiu-se e aprovou-se uma lei das comunicações que garante aos movimentos sociais espaços reais de expressão, através não só dos meios públicos que foram criados, como também na exigência de que esses conteúdos sejam veiculados nos meios privados. O que isso significa? Que lá, apesar de ainda existirem meios privados de comunicação que são poderosos e que travam uma batalha feroz contra o governo Chávez, eles são obrigados por lei a divulgar conteúdo produzido pelos movimentos organizados. Ainda não o fazem, mas chegarão a isso. E o governo, pelo seu lado, aceita a presença e a crítica dos opositores. Não é algo que aconteça sem conflito. Pelo contrário. A luta de classes que se expressa real e concreta na revolução bolivariana aparece no campo da comunicação também. É uma batalha cotidiana.

A diferença é que a população venezuelana tem acesso as várias visões da realidade. Pode ligar a televisão e ver a posição dos opositores do governo, pode ver novelas, programas imbecis como os que temos na TV brasileira, enlatados. Mas, também pode ver, através de canais abertos, a visão do governo, via meios estatais, e a visão dos movimentos comunitários organizados, através dos meios públicos. Ou seja, a pessoa tem acesso a vários ângulos dos fatos. Pode, nesse recorrer entre as versões, formular livremente a sua opinião.

É um caminho em construção. Nada está dado. A revolução bolivariana avança e retrocede, e isso ocorre justamente porque estão em disputa na sociedade diversas visões sobre como organizar a vida. É um revolver cotidiano nas certezas. Isso pode ser ruim para quem quer ficar no poder, mas também pode ser bom. Significa que tanto povo como governantes precisam ficar atentos, vigilantes. É a chamada "democracia participativa", coisa que dá trabalho, é difícil, exige muito compromisso, mas parece ser o melhor caminho nesse tão fechado jeito de fazer comunicação que tem sido modelo no mundo.   

As opções da China, de Cuba, do Brasil, dos Estados Unidos, da Venezuela são as opções que foram possíveis num determinado momento histórico, com determinadas forças sociais e econômicas. Cada país precisa encontrar as melhores formas de garantir a liberdade de expressão e de publicação das ideias. Essa é uma tarefa gigantesca, passível de erros, o que não significa que não deva ser empreendida. Nós, no Brasil, ainda temos muito que andar nessa estrada de liberdade. Muito que andar...  

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Jornadas Bolivarianas de 2013 discutem os Megaeventos Esportivos




Já está tudo pronto para a nona edição das Jornadas Bolivarianas, evento anual do Instituto de Estudos Latino-Americanos (Iela), que acontece de 9 a 12 de abril de 2013, no Auditório da Reitoria da UFSC. O tema desse ano são os Megaeventos Esportivos, buscando refletir os impactos e as consequências desse tipo de proposta uma vez que o Brasil sediará tanto a Copa do Mundo em 2014, como as Olimpíadas em 2016.

Foi em função dessa realidade que o IELA decidiu trazer para o debate o esporte, que aparece hoje como um dos maiores eventos de massa da modernidade. Estima-se que as Olimpíadas e a Copa do Mundo de Futebol sejam assistidas por mais de 4 bilhões de pessoas, ou seja, mais da metade da população planetária; portanto, esses eventos a se realizarem no Brasil, trarão para o país e para todo o continente latino-americano, antes, durante e após sua realização, muitos desafios, problemas e implicações culturais. Por conta disso, o Iela incorpora esse tema na sua discussão anual e traz pesquisadores e estudiosos de países que já foram sede de eventos semelhantes para discutir criticamente como vai ser o processo de preparação desses "acontecimentos" e qual o legado que eles realmente deixam aos povos.

Estimam-se gastos na ordem de mais de 200 bilhões de reais para a realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e as Olimpíadas de 2016 no Brasil, produzindo impactos significativos sobre as atividades econômicas, sociais, culturais e educacionais não só no país como em toda a América Latina. Também já se sabe que 60% desse valor - ou mais - serão suportados pelo Estado Brasileiro nas esferas municipal, estadual e federal. No rastro dessa sangria de recursos públicos, os governo prometem melhorias que, ao final, acabam não acontecendo. Exemplos como a Grécia, China e África do Sul ainda são bem recentes. Estruturas imensas foram criadas para abrigar Olimpíadas e Copa do Mundo, e hoje estão abandonadas. O famoso estádio Ninho de Pássaro em Pequim, que tanto furor causou pela beleza e magnitude, está fechado há mais de ano, sem que nada aconteça lá dentro. Dinheiro queimado.

Segundo o presidente do Iela, que é professor de Educação Física, Paulo Capela, os megaeventos Copa do Mundo de Futebol e das Olimpíadas acabam aparecendo como formulações econômicas produzidas para o enfrentamento da crise pela qual passam os estados nacionais capitalistas e que começam também a ser adotados como forma política de estado em países empobrecidos e emergentes. "Diante da incapacidade do estado capitalista de atender de forma equânime a todas as populações nacionais constituintes de suas cidades, este mesmo estado promove entre elas, em razão da escassez de recursos públicos, acirradas competições. Essa lógica aparentemente produz algumas ilhas de modernidade, mas de forma geral empobrece os países-sede desses eventos, promovendo o subdesenvolvimento, ou seja, mais pobreza sistêmica".

E é para entender melhor os processos que são gerados com a lógica dos megaeventos que as Jornadas Bolivarianas oferecem à comunidade universitária e ao público em geral, de forma gratuita, debates com nomes renomados no mundo esporte, que buscam compreender os impactos gerados por essas formulações econômicas chamadas de "megaeventos" que muito mais visam lucros para muito poucos do que a saudável promoção do esporte.

No Brasil, tudo já está girando em torno desses dois eventos. Desde a compra de televisores até as falsas promessas de melhorias nas cidades. Por isso, debater sobre eles e construir uma proposta de cunho popular para o esporte é tarefa do pensamento crítico, elemento básico do trabalho do Instituto. O Iela traz estudiosos da África do Sul, México, Uruguai, Equador, Cuba, assim como importantes pensadores do esporte em nível de Brasil como Juca Kfouri, Fernando Mascarenhas, Marcelo Proni e Nilso Ouriques. Veja a programação e participe do debate. Com conhecimento de causa e informação de qualidade os brasileiros poderão encontrar outras saídas para a prática de esportes.

IX Jornadas Bolivarianas
Megaeventos Esportivos - seus impactos, consequências e legados para o continente latino-americano

9 de abril de 2012
- Noite – Aud. da Reitoria – UFSC
18:30 – Abertura oficial das VII Jornadas Bolivarianas
19:00 – Conferência de abertura: Os Megaeventos Esportivos: Impactos, Consequências e Legados para o Continente Latino-Americano
Conferencista: Jaime Breilh/ Equador - Doutor e Diretor da Área de Saúde da Universidade Andina Simón Bolivar. Coordenador do Global Heach para a América


10 de abril de 2011
- Manhã – Aud. da Reitoria
9:00 – Conferência:  O Estado, os Movimentos Sociais, as Políticas Públicas de Esporte e Lazer e os Direitos Sociais frente aos Megaeventos Esportivos
Antonio Becali Garrido, Reitor da Universidade de Ciências de la Cultura Física e Esporte - Cuba
Fernando Mascarenhas UNB, Brasília, Brasil

- Tarde – UFSC e Hall da Reitoria
14:30 – 18:00 – Apresentação de Trabalhos

- Noite - Aud. da Reitoria
18:30 - Conferência: A Mídia, o Jornalismo Esportivo e a Cobertura dos Megaeventos Esportivos
Juca Kfouri - São Paulo
Maurício Mejía - México

11 de abril de 2012
- Manhã – Aud. da Reitoria
9:00 – Conferência: Acumulação do capital e megaeventos esportivos
Nilso Ouriques - Unoesc/ Brasil
Marcelo Proni – Unicamp/Brasil

- Tarde – UFSC e Hall da Reitoria
14:30 – 18:00 – Apresentação de Trabalhos

 - Noite
19:00 – Conferência: Tema: Cidades, Cidadania, Participação Popular e os legados dos megaeventos esportivos
Eddie Cottle - África do Sul - Autor do livro South África`s Wold Cup: A Legacy For Whom? (Copa do Mundo da África do Sul: um legado para quem?)
Raumar Rodrigues Gimenez – Universidade Republica do Uruguai


12 de abril de 2012
- Manhã
9:00 - Mesa redonda: O impacto dos megaeventos e a alternativa nacional-popular
Todos os palestrantes


iela@iela.ufsc.br
48. 37216483 - 99078877



quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Florianópolis em toque de recolher



Foto: DC

Já se passaram 16 dias desde o primeiro ataque aos ônibus em Santa Catarina e a capital, Florianópolis, é a que vive os piores momentos, uma vez que a população está tendo de amargar um toque de recolher desde antes do carnaval. Oito horas da noite encerram-se as linhas de ônibus normais. Depois, apenas algumas funcionam com trajeto alterado e com escolta policial. Essa é a atitude dos governantes, deixar a deriva mais de 200 mil usuários do transporte público. As causas dos ataques parecem ser as mesmas que provocaram o primeiro desse tipo de ação organizada em novembro de 2012: a tortura e a violência nos presídios do Estado. No ano passado, uma série de atentados teve início em função de problemas na penitenciária de São Pedro de Alcântara. Naqueles dias, a situação chegou a tal ponto que foi ordenada a morte do diretor. O plano não deu certo e quem acabou morrendo foi a esposa dele, uma agente prisional. Como as violências dentro dos presídios não cederam, os chefes do crime organizado deram a ordem para ataques sistemáticos e pontuais visando os ônibus urbanos.

Um acordo com o governo sobre o fim da tortura colocou ponto final no problema e a vida seguiu seu rumo. Agora, em janeiro, no penúltimo dia do ano, uma segunda sequência de ataques começou outra vez. Segundo fontes de dentro dos presídios, divulgadas através de gravações na mídia comercial, a situação continuou a mesma, com novas cenas de tortura e violências de toda a ordem. Nessa segunda leva de ataques também o interior do Estado foi atingido e a queima de ônibus e ataques a bases policiais já passa dos 90 casos.

Enquanto os trabalhadores do transporte amargam cenas de completo terror, tendo armas apontadas para suas cabeças,  e a população precisa se virar para chegar em casa depois do trabalho, as autoridades insistem em dizer que tudo está sob controle. Só não dizem de quem. Ao que parece, o controle é do chamado "Primeiro Grupo Catarinense", grupo organizado a partir de dentro das penitenciárias com ramificações em todo o Estado. A secretária de segurança, Ada de Luca, tem tido uma atuação bastante omissa e quando finalmente falou com a imprensa, limitou-se a dizer que há uma batalha interna contra ela na segurança pública, uma vez que as fitas que vazaram para a imprensa foram encaminhadas - segundo informações correntes  - por agentes prisionais. Sobre as torturas, nada a declarar. Enquanto isso o "salve geral" dado desde dentro dos presídios aos que estão fora chegou ao ponto de atingir a garagem do centro administrativo do Estado, com dois carros queimados. E os jornais locais reproduzindo notícias de que tudo estava sob controle no carnaval e divulgando informações de exaltação ao sistema de segurança estadual dizendo que este possui as melhores tecnologias de inteligência (sic), numa tentativa de minimizar a completa derrota do estado.

Apenas ontem, dia13, o governo se reuniu com o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que esteve no Estado para discutir a situação. A proposta que vinha sendo aventada, mas não foi confirmada pelo ministro, por "questões de segurança", era a  de envio de forças nacionais e a transferência de presos para presídios federais. Tanto uma como a outra parece carecer de eficácia. A primeira porque é paliativa e não garante que os ataques cessem e a segunda porque pode gerar ainda mais revolta. O que os presos querem é que cessem as torturas dentro das penitenciárias e essa opção é a que parece mais distante.

Cenas em vídeo distribuídas pela mídia mostram um cotidiano bastante perverso nos locais onde os chamados criminosos deveriam estar sendo ressocializados. O Estado, que deveria primar pelo cuidado das vidas que estão sob sua custódia é o que acaba fomentando mais violência. E aí não se trata de querer que os presos sejam tratados a pão de ló, apenas com a dignidade que merece uma vida humana. O que pouca gente mostra é que a maioria dos apenados não é formada por gente que tenha praticado crimes bárbaros. Pelo contrário, são delitos mais leves. Tanto que na vistoria feita aos 49 estabelecimentos penais do Estado durante o carnaval, o Departamento de Administração Prisional levantou o número de 20 pessoas que seriam as responsáveis pelos chamado aos ataques. Vinte pessoas, num universo de mais de 12 mil presos. Assim, fica claro que as condições dentro das cadeias acabam criando uma espécie de escola do crime e a pessoa geralmente sai pior do que entrou. Para se ter uma ideia, segundo estudo da Corregedoria Geral de Justiça, em 2009, o sistema em Santa Catarina poderia abrigar apenas a metade do número que hoje abriga, gerando superlotação. Naqueles dias já havia um excesso de 5.050 presos no sistema.  E são justamente essas condições que fazem brotar "fraternidades" , as quais prestam serviços importantes aos presos e aos familiares (no geral pessoas empobrecidas, sem condições de dar assistência ao familiar) gerando um código de honra que se expressa em momentos como esse, de crise.   

Durante os festejos do carnaval o vereador Tiago Silva se movimentou e conseguiu reunir as assinaturas necessárias para convocar a secretária Ada de Luca a dar esclarecimentos sobre a situação na Câmara de Vereadores, em reunião convocada para hoje, dia 14. Ainda não há confirmação da presença. No geral, as forças políticas da cidade estão anestesiadas ou desinteressadas. Talvez estejam esperando passar o carnaval ou quem sabe estejam mais preocupadas em definir planos para a sucessão governamental do próximo ano. Não se vê movimentação no mundo sindical, exceto entre os trabalhadores do transporte público que já delineiam uma greve e do sindicato dos professores que pediram o adiamento do início das aulas, o qual foi olimpicamente ignorado pela Secretaria de Educação. As aulas começaram hoje e ninguém sabe como as pessoas que estudam à noite vão voltar para casa. Uma ou outra nota pública circula, mas não há uma mobilização junto aos trabalhadores para discutir o problema na sua causa e não apenas a consequência.

Também se percebe nas ruas o velho ranço conservador que exige mais violência contra a violência. A população, nos ônibus, nas ruas, nas esquinas, reproduz os discursos de que é preciso uma mão mais dura junto aos apenados, sem se dar conta de que é justamente isso que está levando o Estado a esse caos. Sem a mídia para fazer o debate e sem os sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais informando e esclarecendo, a tendência é de que esse pensamento siga florescendo, avançando inclusive para bandeiras mais reacionárias como a diminuição da maioridade penal. Como a maioria dos atentados está sendo protagonizado por menores, a grita geral é que é preciso dar cadeia a esses garotos. De novo, as causas ficam encobertas.