sábado, 20 de junho de 2009

A mulher no chafariz



Nem eram oito horas da manhã. Fazia frio na capital. Na Praça da Alfândega uma mulher magrinha, com o rosto vincado pelo sol de tanta rua, lavava roupa no chafariz. As poucas pessoas que passavam pelo local olhavam escandalizadas. Uma mulher de meia idade indignou-se: “mas que barbaridade”. E se foi atrás de um guarda municipal. Não resisti. “Mas o que ela está fazendo de mal? Não vê que é uma andarilha?” E a mulher, tão desprovida de generosidade, me olhando como se visse um ET: “aqui não é lugar de lavar roupa”. E seguiu na busca do guarda.

Mais na frente, no portal do mercado estava o guardião da ordem. A mulher falou, gesticulou e apontou a andarilha que seguia com seu ritual, absorta no prosaico ato de lavar umas poucas roupinhas que carrega numa pequena valise. Eu decidi estacar, esperando o desenrolar da cena. O guardo veio vindo, mansinho, carregado de autoridade. De novo me meti. “Não está fazendo mal a ninguém, nem peixinho tem ali”. E ele, firme: “Mas não pode”. Então pedi que olhasse bem pra ela. “Tu não acha que uma mulher dessas, com essa idade, não deveria estar sendo cuidada por alguém em vez de estar aí, sem eira nem beira? Ela poderia ser mãe da gente”. Uma garota de pouco mais de vinte anos passou e vomitou um: “que absurdo”. O guarda empertigou e olhou pra mim. “Que mundo é esse, né?”. E saiu de fininho, deixando em paz a mulher.

Saímos os dois, lado a lado, no silêncio. Um peso no coração. Como é possível que a gente como povo permita que ainda existam velhos abandonados pelas ruas, perdidos de sua alegria, na batalha diária por um resto de comida? Como é possível que com tanta riqueza no mundo, não haja um teto para que uma mulher que já viveu tanto possa descansar a cabeça? Um guri vestido de punk que acompanhou a cena toda sorriu pra mim e disparou: “Só a revolução!” E eu assenti. Pois é. Enquanto houver um sistema como esse, em que para que para que um viva, outro tenha de morrer, só a revolução.




quinta-feira, 18 de junho de 2009

Sem lenço e sem diploma


Paulo Freire, o grande educador brasileiro que é praticamente desconhecido no Brasil, sempre foi enfático com relação à alfabetização. “Não basta saber ler, é preciso saber ler o mundo”. Queria dizer com isso que aprender era coisa que ia muito além da compreensão sobre como se juntavam as letras. Era necessário estar capacitado também para uma leitura crítica do mundo. E como é que se consegue isso? Não basta unicamente estudar, ler, ter acesso a múltiplas fontes de informação, múltiplos pontos de vista. É preciso fundamentalmente saber de onde se é. E o que isso quer dizer? Que a pessoa precisa ter bem claro o lugar que ocupa no mundo, o que, no mundo capitalista, nos leva a uma compreensão da nossa posição de classe.

A votação sobre a não exigência do diploma para a profissão de jornalista, que aconteceu no STF brasileiro, diz bem desta questão. Ali estavam os senhores togados, representantes da classe dominante. São homens nomeados pelos presidentes de plantão para defender os interesses dos que mandam. Nada mais que isso. Vez ou outra acontece uma decisão com base na lei, mas sempre é coisa pequena, que não mexe nas estruturas, porque como bem diz o professor Nildo Ouriques, da UFSC, a democracia liberal é um regime sem lei. Neste modo de governo, as leis são mudadas ao bel prazer da minoria que tem o comando.

Vejamos os argumentos do ministro Gilmar Mendes para que a profissão prescinda de uma formação universitária: “Um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área. O Poder Público não pode restringir, dessa forma, a liberdade profissional no âmbito da culinária. Disso ninguém tem dúvida, o que não afasta a possibilidade do exercício abusivo e antiético dessa profissão, com riscos eventualmente até a saúde e à vida dos consumidores. Logo, um jornalista não precisa de formação para fazer bom jornalismo.” Alguém entendeu?

Pois claro. Vamos supor que o que tivesse em questão fosse a necessidade de uma faculdade de Direito para que o juiz pudesse julgar a vida de outras pessoas. Poderíamos, qualquer um, argumentar o seguinte: “Um excelente chefe de cozinha poderá ser formado numa faculdade de culinária, o que não legitima estarmos a exigir que toda e qualquer refeição seja feita por profissional registrado mediante diploma de curso superior nessa área. O Poder Público não pode restringir, dessa forma, a liberdade profissional no âmbito da culinária. Disso ninguém tem dúvida, o que não afasta a possibilidade do exercício abusivo e antiético dessa profissão, com riscos eventualmente até à saúde e à vida dos consumidores. Logo um juiz não precisa de formação para ser um bom juiz. Basta que ele tenha um bom senso de justiça e estude muito. ” Simples não?

Num país onde a maioria da população, desprovida do acesso à cultura e a educação, que se informa pela Globo, este simplório argumento representa uma vergonha. E nos causa profundo pesar ouvir isso de alguém que está acima de praticamente todos os habitantes da nação, o presidente do STF. É um argumento anti-intelectual, anti-cultural, anti-vida.

Minha mãe era uma grande cozinheira, mas sua comida divina nos era servida em casa, para a família. Não estava ela inserida no sistema de super-exploração capitalista, atuando numa empresa transnacional, na qual imperam os conceitos de competição, baixos salários e disputas intestinas. Não estava ela submetida a patrões, organogramas e metas de produtividade. Não estava também integrada num regime de divisão do trabalho aos moldes de garantir maiores lucros aos patrões. Logo, a decisão tomada nesta quarta-feira pelo STF foi uma decisão de classe. A defesa intransigente dos donos de jornais e empresários da comunicação que querem apenas gente minimamente capacitada para ler, não para ler o mundo. Porque o ser crítico, desejado por Paulo Freire, é um indivíduo perigoso demais. Ele reclama, ele reivindica, ele luta e ele ensina. A elite brasileira não quer isso para o seu povo. Há que mantê-lo sempre atado ao cabresto da ignorância, ao entretenimento, a mais-valia ideológica promovida pelos meios de comunicação de massa. Dá-lhe Big Brother, a Fazenda e outros quetais.

Voltando aos tempos do início do capitalismo

Quando a Idade Média terminou, foi-se chegando um jeito de organizar a vida que mais tarde viria a ser chamado de capitalismo. É o supra-sumo da liberdade, dizem os seus defensores. Nele, o trabalhador tem escolhas. Como era naqueles dias em que as fábricas passaram a dominar a vida. O povo empobrecido dos burgos tinha como escolher: ou se submetia a trabalhar vinte horas em condições insalubres e de quase escravidão, ou estava morto. Grande escolha.

Agora, no mundo capitalista da mídia selvagem e cortesã estamos no mesmo patamar. Os profissionais não precisam de formação específica, só vocação. Depois, uma vez dentro da empresa terão escolhas. Ou se submetem a salários mais baixos, condições precárias, opressão, assédio moral e tudo o que vem de lambuja no processo de super-exploração, ou não entram nesta profissão tão simples quanto fritar um bife.

Bueno, e não é por acaso que o futuro esteja praticamente na mão da empresas de mídia, visto que hoje em dia a produção de informação é o xodó do planeta. Logo, aquilo que é a coisa mais importante para um povo, o conhecimento das coisas da vida, ficará entregue a sanha do capital. Aos trabalhadores restará a opção democrática: aceitar ou cair fora. Não precisa ser vidente para prever o futuro: profissionais capacitados serão substituídos por quem aceitar submeter-se a salários menores. Será o “lindo” mundo habermasiano do consenso. A livre negociação entre empresários e trabalhadores. O tubarão dialogando com a sardinha.

Alternativas

Quem acompanha a vida cotidiana dos jornalistas nos locais de trabalho sabe que as coisas vão piorar muito. Até agora ainda havia um mínimo de regulação, uma pequena fatia de direitos com a qual o sindicato podia mover-se. Era possível fazer a luta através da Justiça ou da delegacia do trabalho. Havia um amparo mínimo. Agora não há mais. Os trabalhadores estão entregues a sua sorte, porque até que se crie uma nova lei com algum tipo de regulamentação a vida seguirá seu curso inexorável.

Mas, como dizem os cubanos – acostumados a bloqueios e vicissitudes – às vezes o horror pode servir para o passo adiante. Nos últimos tempos estávamos entregues a um trabalho sindical burocratizado, limitado às ações na Justiça. Havia uma apatia dos trabalhadores frente às lutas, uma espécie de “deixa que o sindicato resolva”. E os sindicatos, esvaziados de vida, iam arrastando-se, ganhando uma coisinha aqui e outra ali, amansando o monstro.

Agora estamos no chão. Os empresários ganharam esta batalha. Desregulamentados totalmente, estamos entregues aos desejos dos patrões. Sem medidas compensatórias via Justiça só cabe uma ação: a luta mesma, renhida e dura. Voltarmos aos tempos em que os trabalhadores se reuniam nos sindicatos para conspirar e organizar batalhas contra o capital. Então, é chegada a hora. De volta às ruas, de volta à organização, de volta a vida! Foi só uma batalha...Outras virão.

Por isso, agora, estamos num momento de viragem. Ou inventamos ou morremos, como dizia Simón Rodrigues. Para novas liras, novas canções. Nada de soluções atrasadas como a do Conselho Federal de Jornalismo que só engessa e institucionaliza a luta. Nada temos a perder, apenas nossos corpos nus, como dizia Marcos Faermann. Só os trabalhadores unidos e organizados podem mudar o seu destino. Por isso, vamos à luta. Refazer os mapas, reorientar rumos, mas organizados no sindicato.

Os patrões talvez não tenham se dado conta, mas ao nos tirarem tudo podem estar criando “cuervos”. Nada mais perigoso que um homem sem esperança!

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Haiti: mais mortes e violências pela mão da Minustah


Já se vão cinco anos de ocupação do Haiti por tropas das Nações Unidas, no melhor estilo estadunidense de “defender a democracia”. E, para piorar esta situação, é o exército brasileiro quem está à frente, no comando da operação. Nas propagandas oficiais do governo Lula, a idéia que aparece é a de que os soldados estão lá para ajudar o povo, mas para quem sofre diuturnamente a ação da repressão armada, a palavra ajudar não cai muito bem. Sindicalistas e militantes sociais haitianos são pródigos em denúncias sobre barbaridades que são cometidas contra o povo sob o manto da “ajuda humanitária”.

A mais recente ação contra as gentes haitianas foi na última semana quando as tropas da Minustah dispararam contra uma manifestação de estudantes e trabalhadores em luta pelo cumprimento de uma lei. Segundo informes das entidades sociais do Haiti, mais de 40 pessoas foram presas, uma criança morreu sufocada pelo gás lacrimogêneo e um jovem teve a cabeça dilacerada por um balaço. Os protestos aconteceram dentro da cidade universitária e indignaram toda a população.

No dia seguinte os militantes sociais insistiram pela soltura dos prisioneiros, já que todas as manifestações estavam sendo pacíficas e legítimas. Apenas cinco pessoas foram liberadas. Os estudantes que insistiam em protestar foram encerrados no próprio bairro onde fica a universidade e ninguém pode sair. Os secundaristas decidiram então sair em passeata para apoiar a luta dos universitários e trabalhadores e as tropas protagonizaram novas ações de violência. Chegaram a aspergir gás lacrimogêneo na região do Hospital da Universidade Estadual, onde até os médicos fugiram, deixando os doentes sem qualquer proteção. Um senhor idoso morreu sufocado pelo gás. Mais gente foi presa.

No outro dia, mais dois espaços universitários foram invadidos pelas tropas da Minustah, a Faculdade de Etnologia e a Faculdade de Ciências Humanas (FASCH). Mais confusão e prisões. O estudante Emmanuel Jean-François recebeu uma bala na cabeça e acabou morrendo. Também corre a boca pequena que a Minustah tem uma lista de professores marxistas para matar, acusados de incentivar idéias de rebelião nos estudantes e de acompanhá-los nas manifestações. A Minustah também é acusada de agir com violência durante a greve que aconteceu em maio na Faculdade de Medicina e Farmácia, o que mostra que as forças da ONU estão sendo usadas como polícia nos casos mais prosaicos da política haitiana.
Os motivos das lutas

Os recentes conflitos no Haiti dizem respeito ao fato de que o presidente ainda não sancionou a lei aprovada pela Câmara dos Deputados e o Senado que reajusta o salário mínimo de 70 para 200 gourdas (42 gourdas = 1 dólar). Segundo informações que chegam dos movimentos sociais do Haiti, a Associação dos Industriais Haitianos (ADIH), no dia 13 de maio, promoveu uma conferência colocando claramente que pretende impedir a publicação da lei no jornal oficial do Estado e insiste para que os parlamentares voltem atrás no voto. E é esta queda de braço entre os trabalhadores e empresários que está mobilizando as gentes. Os trabalhadores querem que o governo cumpra com a obrigação legal de publicar a lei já aprovada. Mas, em vez de fazer o que tem de ser feito, o governo de Preval prefere usar as tropas da ONU para matar, prender e reprimir a luta popular.

O pano de fundo

O Haiti tem uma longa tradição de luta popular. Foi o primeiro país de Abya Yala a garantir, na luta, a sua independência. O único no mundo onde os escravos foram os protagonistas, e não os criollos, como no restante dos países latino-americanos. Foi no Haiti que Francisco de Miranda e Simon Bolívar buscaram abrigo e conhecimento, que os levou à luta pela libertação da Pátria Grande. Mas, a ousadia deste pequeno país em fazer valer sua libertação teve um preço alto: 150 milhões de francos/ouro, a primeira dívida externa – com a França - que saqueou o país e impediu a construção de uma alternativa econômica. Desde aqueles dias de independência colonial, mas não financeira, o Haiti se manteve na linha da pobreza, com uma classe dominante bastante débil.

Por conta deste permanente estado de tensão, o Haiti ficou vulnerável a lutas internas também consideráveis entre negros e mestiços. Viveu ainda décadas de ditadura do pai e do filho Duvallier, governos ferozes, predadores, mortais. E, quando conseguiu sair da longa estrada da opressão elegendo um presidente, Bertrand Aristide, se deparou com a corrupção, o roubo de suas riquezas e a companhia nefasta do império, os Estados Unidos.

Desde os anos 80, no governo Regan, foi organizado um plano para os países do Caribe, entre eles o Haiti. Criaram-se fábricas, parques industriais e zonas francas. Tudo isso com a promessa do desenvolvimento. Mas, como sempre, o plano só é bom para os EUA. Assim, o Haiti começou de fato a produzir coisas, mas nada do que faziam era ou é vendido no país. O povo não tem dinheiro para comprar. No acordo firmado, a grande vantagem que o governo haitiano oferecia às empresas era a mão de obra barata de sua gente. A jogada é manter o salário miserável para que as empresas fiquem no país. Assim, ganhando 1,65 dólar ao dia, um haitiano ainda tem sob sua cabeça a ameaça constante: se brigar contra isso, as empresas vão embora. Então, entre nada e o dólar miserável, ele tem de preferir o dólar.

A política de zona franca no Caribe torna a região um espaço surreal. Hoje já são 56 zonas livres de impostos. Coisa para turista. A burguesia existente é a que mexe com esse setor. A lógica da ALCA é a que manda. Aos trabalhadores resta a fome e a opressão. Os trabalhadores das zonas francas passam o dia todo sem comer, porque não têm condições de ir para casa e muito menos comida para levar. Quando muito, fazem uma refeição por dia, e rala. A repressão aos sindicatos é coisa normal. Estar vinculado a uma organização de classe é quase como pedir demissão. E agora, nem o aumento salarial aprovado pelos legisladores está sendo aplicado.

Não bastasse isso, o povo tem de aturar a ocupação do país por tropas estrangeiras que, como se vê, fazem o papel de polícia, defendendo os interesses dos empresários e do governo. E para piorar - para nós - estas tropas estão sob o comando do Brasil.

Para os trabalhadores e militantes sociais haitianos, se o Brasil quisesse mesmo ajudar, mandaria médicos, engenheiros, professores, gente para erguer o país e não se prestaria a ser capacho do império, fazendo o serviço sujo. E o que pedem ao povo brasileiro é que seja solidário e pressione o governo e Lula para que retire as tropas do Haiti. Saindo o Brasil a Minustah perde muito de sua legitimidade.

sábado, 6 de junho de 2009

Caminhando na beleza



Outono no Campeche. O pôr-do-sol é um acontecimento. O dia vai enfraquecendo devagar e a barra do céu se põe dourada. Aos poucos o dourado vai cedendo ao laranja e depois ao cor-de-rosa. Algo hipnotizante. O vento gelado que sopra do mar espanta as corujas que se aninham quietas sobre as cumeeiras. Os gatos ronronam e os cachorros descansam nas casinhas. Fica uma quietude quase sagrada. Nestas horas a noção de deus se impõe. Não é possível tanta beleza. Na praia os pescadores arrancham, olhando o mar encapelado. E quem arrisca um mate na beira-mar fica ali, mudo, reverente.

E é para defender essa beleza que a comunidade está em polvorosa diante das idéias de colocarem ali um emissário submarino para jogar no alto-mar o esgoto de quase toda a ilha. Ninguém acredita que isso pode ser bom. Dia desses escrevi sobre isso e recebi um chamado do presidente da Casan, Valmor de Luca. Disse ele que era uma irresponsabilidade eu falar mal do emissário, que isso existia em São Paulo, em Copacabana, e que não havia melhor lugar para jogar o esgoto que no alto mar. “Não vai vir para a praia”, insistiu. “Cem por cento de certeza que não vai aparecer na praia de ninguém?”, perguntei. “Sim”, disse ele, alegando que os que falam mal do projeto são “palpiteiros. Não entendem nada de correntes marítimas”.

Mais tarde ligou um engenheiro da Casan disposto a mostrar o projeto para que eu entendesse bem o que seria. Marcou hora. Eu fui, ele não. Tinha surgido um compromisso de última hora. Ligou de novo. Insisti. “Olha, o projeto tem que ser mostrado pra comunidade toda, tem que ser discutido”. Mas, ao que parece, discutir com o povo do Campeche não é prioridade. E as coisas vão sendo feitas. Os “palpiteiros” tem argumentos sólidos. O volume de dejetos, mesmo jogado em alto mar, uma hora volta e vai dar na praia de alguém. Pode até nem ser a do Campeche. Mas será a de outra comunidade, tão linda quanto a nossa. Pode ser até na África, mas a nossa sujeira não tem que macular a vida de ninguém.

Os “palpiteiros” vão ainda mais longe. Têm planos, propostas alternativas. Uso da água do tratamento do esgoto para projetos comunitários, produção de gás, de fertilizante. Coisas mais complexas, talvez mais caras, mas infinitamente mais saudáveis. Enfim. Gente há que busca encontrar caminhos melhores, sem pressa de gastar dinheiro do PAC, sem se importar com eleições e desejos de poder de uns poucos. Gente há que ama onde vive e quer preservar a beleza. Assim, no Campeche, neste outono divinal, vamos nos reunindo, conversando, discutindo e defendendo nossas próprias pautas. Ô lugarzinho bom de viver!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Um gato


Que força é essa que tem um bicho,
De engolir nossas almas?
Meu dourado Tupac
tal qual seu homônimo inca,
é assim...
Ele me acolhe e me enfeitiça...
E aí está, feito um rei!




quinta-feira, 28 de maio de 2009

Meus homens do Passo Fundo


Eles eram quatro, como os cavaleiros do apocalipse: Conquista, guerra, fome e morte. Cada um deles com seu furacão interior. Um era tormenta, outro fúria, um era riso e outro doçura. Nos dias e noites de Passo Fundo, no interior do Rio Grande, eram meu esteio, minha casa, meu amor. Ora me protegiam, ora me colocavam a perder. Cerveja, música, aventuras, vinho, trabalho, futebol, rancheiras. Éramos siameses de cinco cabeças. Aonde um ia, os outros iam atrás. Kapa, Gilmar, Bozó e Gildo. Irmãos, pais, amigos, amores. Sem eles, a vida era gris.

Pois então eu fui embora fazer faculdade. Outro estado, outro lugar. Eles ficaram no Passo Fundo, torcendo para que tudo me sorrisse. Porque eram assim. Só queriam que eu fosse feliz. Por isso ninguém ficou triste. A vida passou, os anos escoaram pelo ralo do tempo e a gente não mais se viu. Mas, no fundo do peito aquele amor imenso sempre ficou igual. Eles eram meus príncipes, meus furiosos cavaleiros, e viviam em mim.

Dia destes, passados 22 anos, eu voltei a Passo Fundo. Levava um frio na espinha, um medo gigante, de que não mais fôssemos os mesmos. De que algo se tivesse quebrado. E foi assim, suando frio que esperei o Gilmar em frente à biblioteca da UPF. Até que o vi, caminhando seu passo cadenciado, magrinho, do jeito como sempre fora. Lá no meio da rua ele abriu os braços e eu soube que tudo era como antes. A dobra do tempo não acontecera. Aninhada em seu peito eu encontrava o velho irmão, o companheiro. A mesma ternura, a mesma cumplicidade, a mesma intimidade.

Quando veio a noite, trouxe com ela o Kapa, meu príncipe, e o Bozó, amado. Tudo igual. Nada mudara. O mesmo abraço, o mesmo beijo, a mesma sensação de completo aconchego. Não havia espaço para o medo. Os anos não haviam apagado aquilo que nós éramos. Só o Gildo não apareceu, perdido que anda por outras plagas deste grande país. Mas os meus amigos ali estavam, mais velhos é certo, com o mesmo profundo e “imorrível” amor. E na noite fresca , aninhados na casa do Gilmar, entre suas delicadas lembranças, nós quatro festejamos – com o macarrão da Rosângela e o bom vinho gaúcho - aquilo que segurou o tempo devorador de gente: o amor verdadeiro que sempre sentimos um pelo outro. Hoje, frente ao mar do Campeche eu agradeço aos deuses, porque um dia me levaram a Passo Fundo e me fizeram encontrar esses homens lindos, que me fizeram melhor!

Aos meus cavaleiros, todo meu amor!

sábado, 23 de maio de 2009

20 anos depois...



Em Passo Fundo, depois de 22 anos, reencontro os dois mais importantes compas de trabalho que já tive. Gilmar Lima e Flávio Gonçalves (Kapa), com os quais vivi histórias incríveis na construção de um jornalismo amoroso, soberano e de libertação. Seguem como sempre foram: éticos, sensíveis e comprometidos com a comunidade das vítimas.