quarta-feira, 9 de julho de 2014

São Petersburgo – a cidade dos czares








Circular por São Petersburgo pode dar a medida exata dos motivos que levaram os trabalhadores russos a fazerem uma revolução, iniciada em 1905, justamente ali, com o episódio da grande caminhada do povo até o palácio real, exigindo reforma agrária e participação política. A manifestação acabou em desgraça com um massacre dos trabalhadores no que ficou conhecido como “domingo sangrento”, abrindo caminho para a revolução de 1917. Foi o fim de um tempo em que os russos consideravam o czar como um pai amoroso e cuidador.

Andando pela cidade é impossível imaginar como poucas pessoas conseguiram acumular tanta riqueza a custos sociais tão exorbitantes. São ruas e ruas repletas de palácios e palacetes que, à época czarista, pertenciam aos nobres. A cidade não é antiga. Foi criada às margens do rio Neva, na entrada do Mar Báltico, em 1703, pelo hoje aclamado czar Pedro, o Grande, que o foi o primeiro da dinastia Romanov a europeizar a Rússia. É conhecido como aquele que abriu a Rússia para a Europa, modernizando a vida.

Em tempos passados, o lugar era espaço do povo sueco, que foi vencido pelo czar na busca por uma saída para os mares do norte. Ali, expulsos os suecos na conhecida “Grande Guerra do Norte”, ele construiu uma fortaleza (a de Pedro e Paulo, em homenagem aos apóstolos) que serviu de base para o crescimento de uma cidade ao seu redor. Todos o trabalho ficou a cargo dos servos do czar, mais os prisioneiros de guerra suecos, e milhares deles pereceram para que a grande cidade pudesse existir. São Petersburgo foi capital da Rússia desde então, só perdendo o posto para Moscou em 1918, depois da vitória dos bolcheviques.

Obcecado pela vida europeia, Pedro mandou buscar os melhores arquitetos da Itália e França para desenharem a nova cidade dentro dos cânones da arquitetura que estava em voga na Europa. Tudo foi planejado conforme seus desejos. Ele queria uma cidade aristocrata, à moda francesa, e tanto que todos os nobres eram obrigados a trajarem-se conforme a moda de Paris. Assim, o centro da cidade foi tomado por palácios imensos, decorados ao estilo barroco. Na praça central pontifica o Hermitage (hoje museu) composto de seis enormes palácios que se comunicam entre si. Era a residência de inverno do czar. Depois, mais tarde, com Catarina II, em 1764, começou a ser o centro da arte europeia. Ela, sozinha, adquiriu centenas de obras de arte, tornando o castelo – e os que se anexaram a ele – um dos mais importantes acervos do mundo. O início da coleção começou com 225 obras e hoje elas somam três milhões de peças.

Circulando pelos palácios é impossível não se chocar com o elevado volume de riquezas. Além dos prédios em si, muito parecidos com os palácios parisienses, revestidos em ouro e decorados com exagerada riqueza, também as igrejas, erguidas para reverenciar a fé cristã ortodoxa, foram construídas de forma bastante luxuosas, não no mobiliário – que é inexistente - mas nas pinturas, feitas por artistas famosos à época. Tudo feito à base do trabalho dos servos, que viviam à margem das grandes muralhas que protegiam os nobres, a base de batatas, cebolas e pão preto.

Cortada por rios e canais, formando ilhas, São Petersburgo é uma cidade boreal, situada na parte mais norte do mapa russo. No verão, praticamente não há noite. E foi justamente Pedro quem decidiu ligar as pequenas ilhas por pontes dando o perfil da cidade atual. É, no geral, uma cidade baixa, pois nenhum prédio podia ser construído mais alto que a mais alta torre da igreja. Até a vitória da revolução de 1917 era ali, naqueles palácios do sistema Hermitage que vivia a família real, e foi dali que o último czar, Nicolau II, saiu para a morte, junto com toda sua família. Hoje, observando a incrível riqueza acumulada nos palácios, em arquitetura, obras de arte e vestuário, fica martelando a pergunta: à custa de quê mantinham tanto luxo? Os guias que carregam os turistas para os passeios dentro do Hermitage – hoje uma dos maiores museus do mundo – evitam falar disso. Segundo eles, os trabalhadores gostavam de servir ao czar, tinham-no como um pai que tudo provinha e por ele eram capazes de todos os sacrifícios. Pergunto sobre o massacre de 1905. Que pai faria isso a seus filhos? O tema é ignorado.

Raros são os guias que falam do período revolucionário soviético. Ele só é citado para explicar a terrível morte da família real. “O czar foi levado com a família para outro castelo e lá foram todos fuzilados. Os soviéticos prenderam os nobres e os padres e mandaram todos para a Sibéria. Mas, agora, tudo está no lugar outra vez”, informava Irina. E está tão “no lugar” que a igreja ortodoxa, reconstituída depois do fim do regime soviético, canonizou o último czar Nicolau II, considerado então um santo e um mártir. Os chefes da igreja não levaram em conta o papel do antigo czar no massacre de Khodynka, no qual 1429 pessoas morreram e mais de 20 mil ficaram feridas enquanto aguardavam para render honras à sua coroação, nem ao massacre do domingo sangrento, quando os trabalhadores que reivindicavam direitos foram assassinados, ou ainda a perseguição antissemita que ele empreendeu ao longo do reinado.

Na Rússia atual, o foco do turismo está na vida antiga, czarista. Qualquer passeio guiado que se faça prioriza o contar das velhas histórias das dinastias imperiais, promovendo nomes como o de Pedro, o Grande, Catarina II e Ivã, o terrível, passando ao largo pelo tempo soviético. É como se houvesse apenas o passado remoto e o presente, agora regido pelo sistema capitalista. Também há uma volta significativa ao mundo da religião, que ficou em suspenso durante o período revolucionário. “Os comunistas prenderam nosso patriarca (equivalente ao papa) e destruíram nossas igrejas. Isso a gente nunca perdoou”, diz Larissa, que ganha a vida como guia. Agora, a igreja recupera novamente todo o seu poder. Sabe-se que no tempo dos czares, na falta desse quem mandava era o patriarca. As igrejas foram reconstruídas e nas mais importantes as obras de restauração seguem a todo vapor. O número de fiéis cresce a tal ponto que, em Moscou, uma das igrejas destruídas foi reerguida em apenas quatro anos, com a participação de mais de 500 artistas plásticos organizados para a decoração, tudo às custas de doações dos fiéis. Hoje ela resplandece do lado do Kremilin, na Praça Vermelha, como um sinal do retorno da religião ao centro do mundo russo.

E assim, na bonita cidade erguida por Pedro, o grande, ressurge também o culto aos czares, cujas caras se transformam em ímãs de geladeira, camisetas, copos decorados etc.... Já os trabalhadores, que desde 1905 pavimentaram o caminho da revolução estão de volta ao submundo, chamados de “inúteis e insignificantes”, tal como no tempo dos imperadores. De qualquer forma, é impossível olhar para toda a riqueza produzida na velha cidade e não compreender que tudo aquilo foi feito por mãos anônimas, as mesmas que se levantaram em rebelião por não suportar mais o peso do jugo imperial. Entre os mais velhos, ainda persiste a nostalgia de um tempo em que os trabalhadores foram os protagonistas da vida russa. Mas, junto a nova geração, que não viveu o regime comunista, pouco importam os czares ou os soviéticos. Sua preocupação maior é o consumo. Nos xópingues, nas grandes redes de departamentos, nas avenidas comerciais, nos quiques do McDonalds, eles se deliciam – tal como um dia o fez Pedro, o grande - com as maravilhas do mundo ocidental.



domingo, 6 de julho de 2014

Primeiros olhares sobre a Rússia




















A palavra comunismo é quase um palavrão na Rússia atual. A geração mais jovem não tem ideia do que seja, apenas repete que "é muito ruim". Os mais velhos praticamente se recusam a falar do período soviético. Resmungam alguma coisa, falam do racionamento e insistem que essa coisa de comunismo não passa de uma "fantasia de filósofos". Os russos vivenciaram uma realidade bem diferente da maioria dos países. Saíram de um mundo imperial, dominado pela violência dos czares, direto para o que chamaram socialismo. Não passaram pelo processo de uma revolução burguesa. E isso é o que estão vivendo agora.

O mundo da nova geração russa não se diferencia em nada da maioria do planeta. Concentração de riqueza em alguma regiões (o desenvolvimento do subdesenvolvimento) e pobreza extrema em outras. Nas grandes cidades abundam os xópins, com todas as marcas globalizadas, inclusive o Mc Donalds, Subway, Armani, e tudo mais. Noventa e nove por centro dos jovens estão com a cara enfiada num "smart" fone e o mundo do consumo é intenso. Em Moscou, a famosa rua Arbat, antes um espaço mais cult, dos pintores e artistas de rua, agora é um paraíso para a classe média emergente e para os turistas que querem comprar coisas de marca.

As marcas do período soviético tem sido sistematicamente apagadas e o que não é destruído fica relegado ao ostracismo. Os guias turísticos sabem na ponta da língua tudo sobre a Rússia dos czares, mas raramente citam algum fato do mundo "comunista". Quando não há jeito, procuram minimizar os efeitos.

Uma das coisas que parece imperdoável no que diz respeito aos dirigentes da Rússia comunista foi a destruição das igrejas. Ao percorrer mais de mil quilômetros em ônibus, visitando as pequenas cidades, tudo o que ouvia era do sacrilégio que havia sido cometido com relação aos espaços sagrados. Durante o regime soviético, as igrejas - que são milhares - foram fechadas e muitas delas, de rara beleza, acabaram convertidas em estábulos, depósitos de comida, dormitórios para tropas ou destruídas. Para a maioria da população esse crime não tem perdão. Não é por acaso que se vê um renascimento quase fundamentalista da religião cristã ortodoxa, tradicional da Rússia. Ao longo desses anos pós- abertura, todas as antigas igrejas foram recuperadas, restauradas e estão abertas outra vez. As grandes catedrais, reformadas, agora são museus, visitados por milhares de turistas e reverenciadas com fervor pela população local.

Um exemplo da força do transcendente é o que aconteceu em Moscou. Uma das maiores catedrais da igreja ortodoxa foi destruída e no seu local construída uma grande piscina pública, bem no centro da capital, próximo ao Kremlin. Pois assim que caiu o regime comunista, a população, organizada pelos padres, arrecadou dinheiro e reconstruiu a catedral exatamente como era antes, em apenas 4 anos. A igreja consumiu 8 milhões de dólares, foi erguida em quatro anos e contou com a participação de 500 pintores russos que decoraram seus interiores. Hoje, a imensa catedral é ponto turístico. "Os comunistas prenderam nosso patriarca (equivalente ao papa do catolicismo), nossos padres e destruíram nossas igrejas. Também mataram a família real e prenderam os ricos. Hoje está tudo no lugar de novo", conta Lara, uma guia turística explicando a nova Rússia para os visitantes.

No campo, na região noroeste e norte, o cenário é bem diferente das grandes cidades. As famílias seguem vivendo como nos tempos imperiais. Para esses agricultores, o tempo soviético foi bem melhor. Eles foram organizados em cooperativas e conseguiam produzir o suficiente para viver, além de vender o excedente. Com o fim do regime, as cooperativas acabaram, os novos ricos compraram as terras a preço de nada e foram concentrando outra vez as propriedades. Sobraram os mais velhos, que se recusaram a vender o pouco que haviam conseguido com a repartição de terras. Mas, sobreviver individualmente não é coisa fácil numa região em que a terra é pantanosa e pouco fértil. Assim, o que se vê ao longo de quilômetros são as tradicionais casinhas de madeira dos camponeses se despedaçando, sem que possam reformá-las para garantir calefação e água no inverno. Essa estação chega a apresentar termômetros de 30 graus abaixo de zero, e sem as condições financeiras para uma tubulação resistente, a água se congela e não passa pelos canos. Justamente quando faz mais frio é que os camponeses precisam buscar água no poço. "Hoje, estamos como no tempo dos czares", reclama uma "matrioska" (mãezinha - senhora mais velha). Enquanto isso, para os da nova geração é bom que as terras estejam na mão dos mais ricos pois, segundo dizem, esses têm "mais amor" por ela, enquanto os camponeses são uns "beberrões".

Na cidade de Vladimir, que fica bem próxima a grande Moscou, pode-se perceber o velho ranço aristocrata que voltou a tomar conta das almas russas, principalmente da nova classe média. Ao circular pelas ruas com uma guia, ela apontava uma parte da cidade onde estavam confinados os "insignificantes e inúteis", referindo-se aos trabalhadores artesanais e camponeses. Uma expressão chocante, muito mais apropriada na boca de uma Catarina II do que a de uma moça trabalhadora, que sequer tem o emprego garantido. Na Rússia, os contratos de trabalho são anuais e os patrões podem demitir a qualquer hora, sem apresentar justificativa. Tampouco existe hoje a instituição de férias. "Podemos tirar férias, mas não ganhamos por isso", explica Júlia, ainda louvando os valores do novo mundo capitalista.

Figuras como as dos antigos czares são reverenciadas outra vez, tais como Pedro, o Grande, que europeizou a Rússia e Ivan, o terrível, que chegou a matar seu próprio filho por conta de uma discussão sobre a nora. As mortes e a violência de seus governos são reputadas como necessárias e bem menos prejudiciais que os expurgos comunistas. "Ivan matou muita gente, mas Stálin matou mais", insiste Lara. Nas lojas de recordações abundam os ícones dos antigos czares com destaque para Catarina, a grande, e o último dos imperadores, Nicolau II (assassinado pelos bolcheviques), que foi , agora, canonizado pela igreja ortodoxa, sendo considerado um mártir da pátria. As lembranças soviéticas são mínimas e praticamente só são vendidas em comércios mais populares. As estátuas de Lênin, que estão em todas as cidades, não foram derrubadas por questões técnicas. "Custa muito caro tirar as estátuas, então deixamos aí", explica Júlia.  Já o corpo embalsamado do líder bolchevique, que ainda é bastante visitado pelos turistas, pode ser enterrado. "Já houve debate na Duma (congresso) sobre isso, mas consideraram que os mais velhos sofreriam com isso. Estamos esperando os mais velhos morrerem para resolver sobre esse tema", diz a guia.


sexta-feira, 27 de junho de 2014

Quando tudo fica gris







O rio Uruguai, sempre uma bênção






Onde era o bar do picolé, agora é agropecuária, mas segue ali, firme.










A escola Francisco de Miranda, ainda de pé...






 
Minha irmã mais velha foi quem me ensinou a ler. Ela chegava da escola e fazia os deveres numa pequena lousa de "brinquedo", fazendo as vezes de mestra, ensinando. Eu, olhuda e atenta, aprendia. Mal sabia ela o tanto de bem que me fazia. Tinha cinco anos quando fui levada para a escola pela nossa vizinha, Maria Elena, que era professora. O colégio era longe, ficava no bairro do Paso, bem na beira do Rio Uruguai, e a gente ia de ônibus. Pelo caminho, eu vislumbrava uma cidade diferente da que se via pelo "centro". O quartel, enorme, se estendendo por metros a fio, os guardinhas parados vigiando o nada, as casinhas pequenas, os pátios cheios de bergamoteiras, as pessoas sentadas na varanda, as mulheres varrendo a calçada, a gurizada correndo pelas ruas de chão. A Escola Municipal Francisco de Miranda tampouco era diferente do bairro onde se encontrava. Simples, com partes de madeira, carteiras velhas. A diferença é que tinha, bem na entrada, a foto do grande precursor das batalhas de libertação nessa nossa imensa Abya Yala: Francisco de Miranda. Imagino eu que foi ali que meu sentido de pertencimento a essa américa baixa foi se formando.

Na hora do recreio, a gurizada se espalhava pelo campo enorme que havia em frente a escola e a maior aventura era correr até o casarão da esquina para comprar picolé. Naquelas horas de folguedo também era possível se misturar às crianças do bairro, muitas delas com voz argentina. Essa coisa boa de viver na fronteira. Uma mistura de línguas e costumes. Voltar para casa, tão distante da escola, era sempre triste. Era como adentrar outro mundo, um mundo que não tinha o encantamento da vida do Paso. Foi assim que me apeguei aos livros. Por sorte, meu pai tinha pena dos vendedores de livros que batiam à porta, com sua algaravia de provações, e comprava tudo o que ofereciam. Assim, desde bem pequena tive contato com o que há de melhor da literatura nacional. Coleções inteiras com as obras de Machado de Assis, Aluísio de Azevedo, Castro Alves, Euclides da Cunha, Graciliano Ramos. Também chegavam livros sobre os Incas, Maias, Astecas, os povos africanos, os grandes filósofos, os mitos gregos. A minha casa era um mundo encantado.

Foram os livros também os responsáveis pela minha tristeza. De tanto conhecer as coisas do mundo, fui ficando macambúzia. Tanta impotência com os dramas humanos. Como entender a destruição dos indígenas? Ou a dor de um continente inteiro, como o africano? Como explicar a violência do nazismo? Por que havia tanto mal, tanta miséria, tanto aniquilamento? Minha mãe, católica praticante, dizia: "são os desígnios de deus". Mas, eu, desconfiava. Se deus era puro amor, aquilo não era obra dele. Parecia evidente que era obra humana. Mas, por quê? Não tinha a resposta. Lia mais e mais, e nada. Decidi que não poderia ser alegre com tanta tristeza nesse mundo. Passei muitos anos assim, mergulhada na desesperança.

Todo esse pano de fundo me levou ao jornalismo. Amante das palavras, a vida só parecia fazer sentido quando eu mesma juntava as letras e contava as histórias. Se não havia como salvar as pessoas de tanta tragédia, pelo manos narrá-las, para que não se perdessem na noite da história. E assim fui, pelos caminhos, re-construindo mundos. Pretensiosa aventura, sempre inconclusa. Já era adulta quando percebi que podia ter direito a algumas alegrias, e re-aprendi a rir com vontade, gargalhar, desfrutar dos pequenos momentos de felicidade que aparecem na vida da gente, num átimo. Esses que valem uma vida.

Ontem, vendo um vídeo que contava a história de um homem - Nicholas Winton - que ajudou a salvar 700 crianças do horror nazista, me abateu a tristeza de outrora. O repórter aludiu ao terror daqueles dias, tão longínquos. E o sábio velhinho redarguiu, ligeiro: "Não se engane, os dias de hoje não são melhores do que aqueles. Falta ética e compromisso". Bateu como um martelo. Pura verdade. "A humanidade não aprendeu nada", disse, desolado. E me deixou, assim, nessa tristeza infinda...


quinta-feira, 26 de junho de 2014

Cem anos do contato










Guerreiros xogleng

















Uma crônica de amor

A noite caíra, e Helga seguia espiando pela janela. Esperava ver o homem que havia dias a espreitava desde o mato, poucos metros adiante. A mãe advertira para que denunciasse qualquer movimento suspeito. Mas como dizer suspeito àquele olhar de doce surpresa? Nunca vira ninguém assim, nem sentira esse sentimento oceânico, que lhe enchia o corpo e a alma. “São bugres, perigosos”, dizia o pai, que já mandara seus homens pelo mato para caçá-los. Mas, para Helga, aquele que lhe tomara o coração, era quase um deus.

Foi no princípio do inverno que eles se encontraram. Ela saíra com um cobertor e depositara no lugar onde ele sempre estava. Não imaginava que ele aparecesse. Enganou-se. Devagar, ele saiu do meio das árvores. Ela estacou, sem palavras. Ele sorriu, ela também. E ficaram olhando um para o outro, no encantamento. Ele pegou a coberta e se foi. Ela correu. Desde aí se viam todas as noites. Ela pulava a janela e seguia para o mato, onde ele a esperava. Conheciam um ao outro sob o luar, no toque suave de mãos. Ela amava sua cor de cuia, ele amava a tez branquinha. Ela não sabia o significado das palavras xokleng, ele tampouco entendia as dela. Mas, sorriam e tudo estava compreendido.

Até que um dia, ele não veio mais. Ela temeu. Sabia dos “bugreiros”, matadores de índios. Já vira, inclusive, o tal de Eduardo Hoerhann, chamado de “pacificador”. Ouvira que ele andava convencendo os índios a se integrar ao mundo branco. Parecia-lhe tarefa impossível, tendo eles uma existência tão livre e pura. O pai dizia que eram selvagens, mas a ela parecia que os selvagens eram os brancos. Ouvia e cismava, olhando pela janela, buscando na mata.

Soube, era outubro, que Hoerhann havia atraído uns 400 índios para um posto em Ibirama, mas que ainda havia alguns espalhados pela região de Blumenau. Os “bugreiros” seguiam atuando, caçando os “hostis”. Pensou no homem que amava e soube que ele jamais seguiria para o posto. Era certo que estava morto. Não sabia seu nome, não sabia nada além da doçura de seu olhar e do toque suave de suas mãos. Mas, era o suficiente para uma vida. Quando o pai lhe apresentou o futuro marido, nem piscou. Faria o que era devido. Casaria, teria filhos. Sempre fora assim. A diferença é que ela tivera aquelas noites de puro amor.

Passou todos os anos da vida espiando pela janela. A vila cresceu, as árvores sumiram, tudo desapareceu. Tinha noventa anos quando contou do momento mágico que vivera quando era ainda uma menina. A neta andava metida com gente do Cimi, circulando pelas aldeias do povo Xokleng. Viu na garotinha de cabelos esvoaçantes a mesma guria que fora um dia, na velha Blumenau de 1914. Numa tarde de abril falou do encontro com o homem que lhe roubara a alma. “Era um xokleng, vó”. Sim, era. E vivera dentro dela esse tempo todo. No silêncio.

Agora, nesse junho de 2014, quando a história registra 100 anos da “pacificação”, a neta de Helga escuta pela televisão sobre a luta do povo Xokleng. Eles estão na Barragem Norte, exigindo que o governo cumpra o acordo feito em 1992, quando precisaram também invadir a barragem construída sobre suas terras. Cem anos se passaram e nada mudou. Na mesa ao lado, alguém maldiz: “são os bugres, vagabundos”. Nora pensa na vó, na coragem que teve em viver seu amor, na força que precisou para aguentar a ausência. Olha de novo para os dois casais que sorriem ao lado. “Bugreiros, tal e qual os do passado”. Haverá de passar muito tempo até que realmente aconteça o contato, capaz da pureza e do amor, como o vivido por Helga e o jovem guerreiro Xokleng.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Infernos telefônicos



Parafraseando Manoel de Barros eu estou menos para pedra e mais para socialismo. Digo isso porque fui buscar na memória um tempo em que tínhamos apenas a Embratel. Empresa Brasileira de Telecomunicações. Naqueles longínquos dias era apenas essa empresa que cuidava dos telefones. Não havia as múltiplas opções do capitalismo moderno. No começo, apenas os mais endinheirados podiam ter um telefone, depois, a tecnologia foi avançando e o produto barateando. A empresa, que era estatal, começou também a colocar telefonia no campo. Era uma alegria aquele orelhão nas vendas do interior, nos quais as pessoas faziam fila para falar com os parentes. E o dono da venda acabava sendo o “recadeiro”, fazendo a ponte entre os que estavam fora e a gente do local.

Na cidade, mesmo as pessoas que não podiam ter uma linha telefônica em casa, tinham a sua disposição as cabines da “telefônica”. Elas estavam sempre à mão. Lembro que eu descia a Felipe todos os domingos de manhã, até a antiga Telesc, na Praça em frente ao INSS, para falar com a minha mãe, em Minas Gerais. Não tinha estresse com isso. Ou se tinha o telefone em casa, ou se ia à telefônica. E para falar localmente, os orelhões estavam por toda a parte. E caso se precisasse de alguma informação, ali estavam as moças e os moços da Telesc, em carne e osso.  

Hoje, com a modernização do setor, o que temos? A empresa brasileira de telecomunicações foi sucateada e fatiada. Depois de montar toda a estrutura de telefonia nesse gigante país, foi entregue aos “empreendedores”. O grosso do empreendimento foi estatal, os lucros estavam entregues ao capital privado.  Grandes empresas de telefonia vieram pegar o seu quinhão. “Tudo vai melhorar”, diziam. E àqueles que defendiam o monopólio estatal chamavam de atrasados, uma gente contra o progresso.

Pois aí estão a Vivo, a OI, a Claro, a Tim, com maioria de capital estrangeiro. O que trouxeram de bom? Temos mais opções? Sim. Temos. Mas qual a qualidade dessas opções? Eu luto contra a Oi há mais de um ano, tentando provar – eu tenho de provar  - que pedi para desligar um número que eles insistem em me cobrar. As contas vêm cheias de cobranças de telefonemas que nunca dei. Os planos são verdadeiras armadilhas. Para vender um plano, existem as moças bonitas, os rapazes simpáticos. Mas, para reclamar, ou solicitar qualquer reparo já não há pessoas. Só o infindável pular de um atendente a outro, que te perguntam as mesmas coisas 10, 20 vezes para, ao fim, não resolverem os problemas. Encerrar um serviço é mais difícil que ganhar na loto. Não há lojas com pessoas, só aquelas vozes em gerúndio, que ficam sabe deus onde.

Semana passada encerrei tudo que tinha em casa. Tirei telefone, internet, celular, tudo. Mandei cortar. Agora é esperar para se incomodar por meses, pois certamente as contas seguirão chegando. Oi? “Senhora elaine, a senhora tem de estar pagando para depois reclamar”. E lá vai dinheiro. Pode-se ir ao Procom. Sim, pode-se. Mas tem de ter todos os números de protocolo dos telefonemas dados. Impossível isso. Pode-se também fazer queixa na Anatel. Mas tem de ser via sistema. Não há pessoas. E quem, e são consciência consegue  encerrar aqueles formulários? Eu não!


O mundo coloridos das “opções” não serve pra mim, sou fraca com quantidades inúteis, por isso sou menos pedra e mais socialista. Uma única opção. Uma empresa estatal, com humanos no atendimento. Com todos os seus problemas e limitações.  A vida moderna exige os serviços. E lá vamos pulando. De Oi para Net, de Net para Claro, de Claro para Tim, de Tim para o inferno, e assim por diante. Não há paz para meu bolso, nem para meu coração.  Que os deuses me ajudem!!! Dinossauricamente eu clamo por uma empresa brasileira, que cuide de nós... Que seja mais afeita a gente que a moeda. 

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Já estão abertas as inscrições para o 2º Seminário Unificado de Imprensa Sindical



De 6 a 8 de agosto/2014 será realizado em Florianópolis, Santa Catarina, pelo Fórum de Comunicação da Classe Trabalhadora, o 2º Seminário Unificado de Imprensa Sindical. O evento será um importante espaço de debates sobre a imprensa sindical na disputa de hegemonia. O tema do seminário deste ano é: “A Democratização da Comunicação e a luta contra a Criminalização dos Movimentos”. 

Entre os temas que serão abordados estão: Lei de meios – realidade e perspectivas no Brasil e na América Latina; Como andam o jornalismo sindical e as condições de trabalho nas assessorias de imprensa?; A importância da Mídia Alternativa na luta contra a criminalização dos movimentos e a disputa de hegemonia; e A aplicação das redes sociais no jornalismo sindical. O Seminário é voltado para jornalistas, assessores de comunicação, dirigentes sindicais e estudantes na área de comunicação. Durante o evento haverá espaço para exposição dos materiais dos sindicatos. 

As inscrições estão abertas de 9  a 23 de julho.

Veja abaixo mais informações sobre o vento, a programação completa e como se inscrever.

Nos encontramos todos lá! 

2º Seminário Unificado de Imprensa Sindical do Sindprevs/SC

Público-alvo: jornalistas, assessores de comunicação, dirigentes sindicais e estudantes na área de comunicação.

Vagas limitadas

Informações

imprensa2@sindprevs-sc.org.br e imprensa@sinasefe-sc.org.br ou pelos fones (48) 3224.7899 (com Marcela Cornelli, das 13h às 18h) e (48) 3028-5787 (com Luciano Faria, das 13h às 18h)

Inscrições 

De 9 de junho a 23 de julho de 2014 

Valor da Inscrição:  R$ 130,00

(a inscrição cobre a alimentação)

Hospedagem

Sugerimos hospedagem no Hotel Canto da Ilha, local do evento. Fone: (48) 3261-4000 e 3261-4054  reservas@cantodailha.com.br | www.cantodailha.com.br. Endereço: Av. Luiz Boiteux Piazza, 4810 – Praia de Ponta das Canas.

Valores da hospedagem no Hotel Canto da Ilha 

com café da manhã

Quarto com duas pessoas: R$ 150,00 - R$ 75,00 por pessoa

Quarto com três pessoas: R$ 195,00 - R$ 65,00 por pessoa

*preços promocionais somente para quem participar do evento.

* diária inicia às 14 horas e encerra às 12 horas. 

Como se inscrever?

- a inscrição pode ser realizada pelo e-mail: imprensasindical2014@gmail.com, contendo o nome do participante, telefone para contato, cidade/estado e local de trabalho.

- o valor da inscrição deve ser depositado no Banco do Brasil, agência 4236-6, conta nº 7011-4 ou na Caixa Econômica Federal, agência 1078, operação 003, conta nº 333-9. (CNPJ Sindprevs/SC: 782671430001-51)

- o comprovante do depósito da taxa de inscrição deve ser enviado através do e-mail: imprensasindical2014@gmail.com com o nome completo do participante.

- a inscrição só estará confirmada após o envio do comprovante do depósito. 

Programação:   

Dia 6 de agosto (quarta-feira) 

18h30min – abertura

19h - Palestra: O jornalismo sindical na era da disputa pela hegemonia, com Vito Gianotti, Coordenador do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).

20h30min - Debate

21h – Coquetel de confraternização e lançamento de livro. 

Dia 7 de agosto (quinta-feira) 

9h – Mesa: Lei de meios – realidade e perspectivas no Brasil e na América Latina, com Nora Veiras, jornalista argentina, subeditora da Seção Política do Jornal Página 12, integrante da equipe jornalística do programa 678 da TV Pública da Argentina e condutora do programa diário Manhã Mais da Rádio Nacional Argentina, e a jornalista, Elaine Tavares, mestre em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, pesquisadora no Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA/UFSC) e editora da revista Pobres & Nojentas.

10h30min – Debate 

12h – Almoço 

14h – Mesa: Como andam o jornalismo sindical e as condições de trabalho nas assessorias de imprensa?, com Roberto Ponciano, mestre em História, Coordenador de Imprensa da Fenajufe, diretor de imprensa do Sisejufe e um dos criadores da  Revista Ideias; Magali Moser, professora do curso de jornalismo da FURB e jornalista do Sinsepes/Blumenau; e Glauco Marques, ex-diretor de imprensa do Sinergia e comunicador da Rádio Comunitária Campeche. 

15h30min – Debate 

16h – Café 

16h30min - Palestra: A importância da Mídia Alternativa na luta contra a criminalização dos movimentos e a disputa de hegemonia, com Pablo Capilé, do Coletivo Fora do Eixo, e Vívian Virissimo, editora do Brasil de Fato Rio de Janeiro e diretora do Sindicato dos jornalistas do Município do Rio.

18h – Encerramento 

19h30min - Jantar 

Dia 8 de agosto (sexta-feira) 

9h – Palestra: A aplicação das redes sociais no jornalismo sindical, com Gustavo Barreto, jornalista, pesquisador, professor e colaborador do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).

10h30min – Debate 

12h – Almoço 

14h – Mesa de avaliação, propostas e encaminhamentos

17h – Encerramento

terça-feira, 17 de junho de 2014

Funai reconhece que estado tem dívida com os Xokleng

Entrevista com João Maurício Farias , superintendente da Funai.