Foto: um guri palestino - Karine Garcêz |
Gosto de esperar o menininho fazendo meus rituais. Ver dezenas de filmes de natal, colocar o sapatinho na janela para os presentes espirituais, estender o capim para o burrinho comer enquanto espera o menino que vem para brincar comigo, montar o presépio, enfeitar a árvore. Tudo coisas simples, mas que me dão felicidade. Aprendi tudo isso com minha mãe, que era bem católica e tinha apreço por esses momentos de celebração do aniversário de Jesus. Nada de presentes, compras, grande comidas. Só a espera, carregada de ternura, pela hora do advento. Quando muito uma cerveja bem gelada, que ninguém é de ferro. Prefiro passar a meia-noite em solidão, sem alardes, enquanto nas demais casas as pessoas se empanturram. Eu não. Eu canto.
No geral, a noite de natal sempre é noite de paz. A meia-noite o pai já dormiu, o companheiro já foi brindar com a família, o sobrinho saiu com a namorada. Tudo é silêncio. Eu, os gatos, os cachorros, a cerveja. Celebrar mesmo, em família, a gente curte no almoço do dia 25. O momento do nascimento do menininho pede essa calmaria.
Esse ano, não sei, creio que vai ser um natal bem triste. Afinal, foi um ano em que muita gente ruim fez coisas ruins em nome do meu deusinho. Imagino que nós dois estaremos no alpendre, acabrunhados, sentindo aquele sentimento ruim, de impotência e de raiva. É certo que sempre teve gente ruim usando o nome de deus para justificar seus horrores, mas esse ano parece que foi mais, e a ruindade esteve bem mais próxima. Já posso até ver a carinha do meu menino, com seus olhos graúdos, marejados. Ele que veio para firmar uma nova aliança, baseada no mais profundo amor, vendo seu nome usado para o mal. Acho que não brincaremos, nem daremos gostosas gargalhadas. Acho que ficaremos abraçados, quietos, coração com coração. “Não tenho poder”, ele vai dizer, como sempre disse. E eu responderei: “Eu sei, eu sei”.
E quando a barra do dia surgir e ele tiver de ir, não daremos cambalhotas, nem faremos currupiu entre gritos de alegria. Soltaremos o abraço bem devagar e choraremos. Ele subirá no burrinho e seguirá o caminho para o infinito e eu ficarei, impávida, no portão. Ele acenará tristonho e eu gritarei: “Tranquilo, vamos enfrentar com brio, como tem de ser”. Um dia, menininho, esse mundo vai ser todo de amor, quando a propriedade for comum e o trabalho for para a vida. A gente vai chegar lá.
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