segunda-feira, 22 de abril de 2019

O pai e o entardecer



Sempre gostei do entardecer. Ainda que me dê melancolia. Quando a barra do dia vai sumindo assoma invariavelmente aquela triste sensação da finitude. Tudo acaba. Tudo acaba. Sempre. Mas, se tudo acaba é sinal de que estamos em movimento, construindo novas auroras. Então, quando entardece é bom. Assim que me encanta ficar no alpendre, ruminando pensares. O sol sumindo, a noite vindo. Tão bom!

Mas, agora, com a presença da doença do meu pai, o entardecer perdeu a cor. Já não é mais um momento de fruição. Sua chegada é a hora do desassossego e medo. Por conta de algo que ninguém ainda sabe muito bem, quando chega o pôr-do-sol as pessoas que têm Alzheimer ou demência senil se agitam de maneira desesperadora. E alguém que passara o dia tranquilo fica outra pessoa. Irritado, confuso, violento, desequilibrado. As palavras tropeçam e saem em convulsiva confusão. O olhar fica desesperado, como se estivesse diante de um grande perigo, e ele mira o portão, com seu mantra “quero ir para casa”.

Essa é a hora noa (da suprema angústia). Dele, e minha. Dele, porque sofre. E, minha, porque não sei o que fazer. É aquele momento aterrador no qual tu queres proteger o outro de toda a dor, mas não sabe como, não tens os instrumentos, as condições. No processo de compreensão da doença temos feito algumas tentativas medicamentosas. Mas, as coisas não se ajeitam. É um confuso turbilhão. Um remédio ajuda em uma coisa, e desarruma outra. É uma aventura assustadora, porque tudo parece inútil. Como se todo o conhecimento da medicina não servisse para nada. Uma insuperável impotência nos assalta.

No meu desarvoro faço o que posso. Mas, desabo com o seu olhar aterrorizado. E, nessa hora, nem um abraço pode ser alcançado, porque não há razão, só o desespero, um desejo de fugir talvez. Imagino que seja alguma coisa que acontece no cérebro, que desarranja tudo, onde o toque amoroso não tem morada. É triste demais.

Há dias que são mais calmos, outros mais tumultuados. Mas, indefectivelmente, o fim do dia para mim passou a ser portal do medo e da impotência. Meu pai sempre foi um homem de ação e decisão. Mata-me vê-lo assim. E nesse morrer, dele e meu, vamos caminhando, de mãos dadas, enfrentando o torvelinho com as poucas armas que temos. Lançando-nos no abismo, todos os dias. O amor vai segurando a onda. Mas, momentos há que nem o amor tem poder. É duro demais! Resta essa força atávica, que herdei dele. Que vai sustentando, sustentando, sustentando...


Um comentário:

Diário de Mel (Tania Pacheco) disse...

Triste mas linda esta crônica sobre vocês dois. Carinho e força!
Tania Pacheco