domingo, 5 de fevereiro de 2012

Youssef, o egípcio






No primeiro dia foi como mágica. Entramos no quarto depois de uma longa jornada peregrinando pelos templos dos deuses antigos do Egito e ali estava, sobre a cama, um cisne, todo moldado em toalha. Era a imagem de Tot, um deus protetor. No segundo dia, mais caminhadas pelo velho Egito, dos faraós e dos sacerdotes. E, de novo, ao abrir a porta do quarto, ali estavam as toalhas, dobradas em outro desenho esplendoroso. Era um elefante, e a pessoa havia chegado ao preciosismo de colocar duas folhas negras no lugar onde deveriam estar os olhos. Era uma coisa delicada e bela. Desconfiei de que haveria de ser uma criatura mágica que deixava tudo assim, já que no Egito certamente não haveria Saci.

No terceiro dia chegamos mais cedo e surpreendemos um garoto que fazia a limpeza dos quartos. Seu nome: Youssef. Tentamos conversar, mas ele não entendia. Pediu, através de sinais, que esperássemos um pouco para entrar. Esperamos. Em cinco minutos voltou, sorridente, fazendo o sinal de positivo. E sumiu pelos corredores. Entramos e ali estavam as toalhas, penduradas no teto como se formassem um macaco. E havia um detalhe especial. Ele ainda pegara meu casaco e meus óculos, dando ao macaco de toalhas uma aparência descolada. O guri era um artista.

Youssef é um desses garotos egípcios que fizeram a revolução, cheio de desejos de vida boa e bonita para toda a gente. Nascido em um pequeno povoado da região de Assuam ele desde cedo precisou batalhar duro para que a vida fosse melhor. Hoje, com 21 anos, trabalha como camareiro em um pequeno barco que carrega viajantes pelo Nilo afora. Mas, no seu peito de garoto pulsa um coração artista que precisa de espaço para se expressar. Então, ele vai trabalhando com as toalhas, encantando os passageiros com suas surpresas. Faz tudo no silêncio das manhãs, quando todos estão fora, desfrutando da vida. Muitos sequer percebem a obra de arte que foi ali construída com tanta sensibilidade e perfeição. Ele não se importa, faz porque gosta. Quando vê que alguém gostou, se esmera mais e usa os pertences das pessoas para incrementar as figuras. Sorri como menino, encantado que tenham se encantado.

Youssef faz parte de um exército de jovens que já não quer mais o Egito que se fazia apenas para poucos. Ele quer fazer universidade, criar outras coisas, inventar novas artes. Ele quer formar uma família, viajar, conhecer o estrangeiro. Não esteve naqueles dias de janeiro de 2010 na Praça Tahir, mas fez sua parte onde estava, às margens do grande rio. Como todos os demais que foram às ruas naquele então ele sonha com um país novo, de riquezas repartidas. Faz parte dos 67% que hoje estão entre os 18 e os 40 anos, dos que querem mudanças, a nova geração do Egito.

Assim, entre o ir e vir pelas águas do Nilo, Youssef fabrica sonhos e também sonha, debruçado sobre o convés. Sorriso de anjo, cara de menino e coração de criança, esse jovem da região núbia já aprendeu que a vida pode ser dura, mas que a luta também pode fazer acontecer o novo. Por conta disso, no último dia, ele deixou no quarto um sapo. Bicho que pula, que vai longe, que transpassa as fronteiras do possível. Assim ele haverá de fazer, com seus companheiros de geração, saltando sobre as pedras do seu amado Egito, em busca do grande meio-dia.

E nós, partimos, com a sensação de que, às vezes, um menino inventando bichos com toalhas é o que basta para encher o coração de alegria. Foi como uma doce dádiva dos deuses. Youssef e seus delicados presentes.

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