sexta-feira, 28 de agosto de 2020

O Brasil e os trabalhadores

greve dos trabalhadores dos Correios

O Brasil já está quase em 120 mil mortos pela Covid 19 e segue tendo mais de mil mortes por dia, mas esse número já não causa mais nenhuma comoção. As pessoas perderam o interesse no drama da Covid. Já não é mais a sensação da hora. O desconhecido cantor Kauã, que sabe-se lá porque ocupou as telinhas por semanas, saiu do hospital curado e parece que isso inaugura uma nova fase. Na televisão vai escasseando o tema e a vida assume a mesma “normalidade” de sempre. Não existe nenhum novo normal. É tudo como dantes no quartel de Abrantes. Nas redes sociais cresce a discussão sobre as eleições e as gentes vão se preparando para mais essa “festa da democracia” que é oferecida de dois em dois anos, sob o comando do poder financeiro. Ou seja: ganha quem tem maior poder de compra. Compra mesmo, real. 

No campo da política o mesmo roteiro de toma-lá-dá-cá vai se fortalecendo no Congresso Nacional, casa do povo onde o povo não entra e onde os deputados sentam em cima dos pedidos de impedimento do presidente porque, afinal, “ele não está fazendo nada de errado”. Não há ministro da Saúde, não há combate à pandemia, mas há anúncios de novos programas sociais que irão amortecer a pobreza. Muda o nome, mudam os logotipos, mas a política é a mesma. Digestão moral da fome, como diria Nildo Ouriques.  

No campo da moral as redes se enchem de memes sobre o assassinato do marido de uma pastora pentecostal, aliada do presidente. O marido saiu desse plano justamente porque a pastora contratou os assassinos. Foi a mandante e chorou como uma carpideira no enterro. Fotos da assassina com o presidente, com os filhos do presidente, com a mulher do presidente são publicadas à exaustão, mas isso, na verdade, não diz nada para os seguidores do mandatário. Afinal, tirar fotos com alguém não é crime. Assim, a ligação da assassina com o presidente não se faz. E é óbvio.  

A mídia comercial, que é aliada da política de Bolsonaro para o Brasil, tampouco faz questão de ligar lé com cré. Nada parece turvar as águas do governo, que segue popular nas pesquisas. 

E enquanto isso vão rolando no legislativo nacional algumas propostas de Reforma Tributária que igualmente são ignoradas pela mídia, e que acabam não chegando na maioria da população, justamente os que vão sofrer a política. Propostas de manutenção da tributação já existente, hegemonia do empresariado nas propostas e a esquerda liberal discutindo a possibilidade de taxar as grandes fortunas. 

 Conforme muito bem explica o advogado e doutor em direito tributário, Marcos Palmeira, taxar as grandes fortunas não muda em nada o estado das coisas, pois continua se admitindo que haja a concentração da riqueza. Ele lembra o exemplo da Argentina, que tem um percentual - baixíssimo - de taxação sobre as grandes fortunas e que isso não altera o processo de distribuição dos recursos. Os pobres continuam pobres e os ricos mais ricos. A taxação não faz nem cosquinha no abismo que existe entre as classes. 

Falta definitivamente um debate sério sobre o país, uma crítica radical e uma proposta plausível para a transformação. O professor Nildo Ouriques insiste que só uma revolução brasileira pode mudar os rumos do país e ele está certo. Não há como humanizar o capitalismo já que é da natureza desse modo de produção ser assim: para que um viva, outro tem de morrer. Para que um homem como o dono da Amazon tenha sua fortuna aumentada em bilhões, mesmo numa pandemia, é preciso que uma gigantesca massa de gente esteja na penúria, fugindo das guerras, arriscando-se no mar ou morrendo de fome no cotidiano das grandes cidades.  

O Brasil de hoje é o gigante adormecido, entregue às mãos da mesma velha elite que domina essa capitania desde os tempos da invasão. Há reações, pequenas e pontuais, dos trabalhadores. Mas, essa é uma ação que precisa crescer e se espalhar. Nada virá de bom do Congresso Nacional e muito menos as ações isoladas – sobre alguns inimigos intraclasse – do STF farão diferença no andar dessa carruagem capenga. A prisão dos agora inimigos de Bolsonaro não fortalece a esquerda, pelo contrário, ela serve para afirmar junto a claque que o atual governo não tolera a corrupção, embora seja fruto da barganha cotidiana que se dá no judiciário e no legislativo nacional. É um competente jogo de cena. 

Só a luta renhida da classe trabalhadora muda o mundo. Nada mais. 

Uma manhã com o pai



As manhãs com o pai são sempre cheias de surpresa. Hoje acordei mais cedo e o deixei dormindo. É o tempo que tenho para escrever, ver as mensagens e tal. Lá pelas dez horas vi o movimento no quarto e corri, pois é nessa hora do levantar que tenho a chance de trocar a roupa e fazer a higiene matinal. Sempre uma batalha, mas enfim, ou pego ele nesse contrapé ou perdi a guerra. Entrei no quarto e já estava armada a bagunça. Havia um pequeno montinho de cocô em pelo menos uns seis lugares entre o quarto e o banheiro, com respectivos rastros por todo o chão. Afff... Dá aquela desolação! Respiro fundo e para não o deixar nervoso, faço cara de surpresa. 

- Barbaridade, pai, quem será que fez isso? 

E ele me olha com aquela carinha de inocente. 

- Mas sabe que eu não sei. Passou um cara aqui, e outro ali, e outro ali – e foi apontando os cocozinhos, como se cada um deles tivesse sido obra de uma pessoa diferente – Passaram aí e foram embora.  

- Puxa vida, que safados, né? 

- É - e sai andando como se nada.   

Sobra a limpeza, coisa nada fácil. E ele descansa no alpendre, bem faceiro. Assim são as manhãs na casa Tavares


terça-feira, 18 de agosto de 2020

O pai, falando em línguas


As noites com o pai tem suas agruras, mas também os momentos de riso. Com algum custo tenho conseguido fazer com que ele cumpra uma rotina de sono que começa as nove horas da noite. Ele deita e dorme até umas dez e meia. Aí levanta para o xixi. Tudo bem rápido. Então vem a despertada da uma e meia da manhã. Ele acorda, faz xixi e volta pra cama, mas não deita. É quando começa uma algaravia indecifrável que eu chamo de “falando em línguas”. Pra quem não está familiarizado com isso é como se ele estivesse falando uma língua só compreensível para o criador. Ele fala por mais de uma hora, bem alto, como se discursasse, sentado na ponta da cama ou andando pelo quarto. Consigo entender no meio do palavreado apenas um lamentoso “santa maria”, talvez reminiscências de suas rezas, já que era devoto de Nossa Senhora de Fátima. Eu apenas observo. 

No começo me dava alguma aflição, agora acho engraçado. Tomei pra mim que essa hora é a hora da conversa com os espíritos, com seus sonhos passados ou com suas próprias memórias, numa língua que só ele mesmo pode entender. Então, eu fico silente, reverente, esperando que ele termine esse encontro insólito. Tudo termina como começa, do nada. Ele para de falar, levanta os pezinhos, entra pra dentro das cobertas e segue dormindo. Eu cubro com o cobertor, acarinho sua cabeça e peço aos deuses que cuidem dele no próximo bloco de sono. Ele ressona, como um anjo, até que lá pelas quatro e meia ressurja de novo em meio às cobertas, para mais um xixi. E valamideuzi que seja só isso... e não mais duas horas de algaravia pois, às vezes, parece que há muita coisa para conversar com os espíritos... <3  

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Vereadores de Florianópolis aprovam aumento de contribuição da Previdência

 

Como a mídia comercial realiza uma sistemática campanha contra o serviço público, a população sempre tende a concordar que os trabalhadores públicos sejam vagabundos, incompetentes, etc...  E, como muitas vezes também se depara com uma estrutura carcomida, o que leva a um mau atendimento, acaba fortalecendo a opinião de que o serviço público é ruim por conta dos trabalhadores que são ruins. Mas, na verdade, o que realmente acontece é que o serviço público é ruim porque os governos não dão a ele a devida atenção e muito menos os recursos necessários para que sejam bons. E quando as coisas dão certo, no geral, é porque algum trabalhador teve de superar toda a estrutura para garantir o atendimento. É assim nas escolas, nos hospitais, nos espaços de atendimento burocrático. 

Agora mesmo, durante a pandemia, quem efetivamente está se desdobrando para garantir o atendimento às pessoas doente? Médicos, enfermeiros, atendentes, técnico de enfermagem, agentes de saúde. Muitos sendo infectados, e outros tantos morrendo. E quem são essas pessoas? Trabalhadores públicos. Ainda assim, se algo dá errado em qualquer espaço público, a tendência é sempre colocar a culpa no trabalhador e não naqueles que estão fazendo a administração do setor tais como prefeituras, estados e governo federal. O culpado do mau atendimento, do mau serviço sempre será o que está na ponta, o visto, o trabalhador. 

Essa é uma realidade que as entidades tais como sindicatos e federações ainda não conseguiram mudar. E mesmo que se façam campanhas recorrentes de valorização do serviço público e do trabalhador público, o peso do sistemático ataque aos trabalhadores parece ser bem mais eficaz. Quando uma Rede Globo faz uma reportagem de longos minutos mostrando como o trabalhador público onera o estado, ela não revela três coisas básicas: que os altos salários são uma minoria no setor, e que o número de trabalhadores na ponta dos serviços sequer é suficiente para um bom atendimento. Mas, quando a notícia termina, o que fica é: os trabalhadores públicos são um peso para ao estado. 

É por isso que quando os governos arrocham a vida dos trabalhadores públicos a maioria das pessoas vibra. Porque realmente acredita que os trabalhadores públicos são uma vergonha nacional. 

É também por isso que quando os governos decidem tirar direitos - conquistados em longa batalhas – ou privatizar a previdência ou aumentar contribuições, pouca gente se importa. Ocorre o contrário, há uma aprovação geral, porque afinal, se os trabalhadores públicos ganham tão bem, eles que paguem mais. Solidariedade de classe passa longe. Não existe. A lógica é: “se eu não tenho direito, que ninguém tenha”. 

Vivemos isso agora em Florianópolis quando os vereadores da cidade votaram, em uma sessão controversa e cheia de irregularidades, o que o sindicato dos trabalhadores está chamando de “confisco de salário”. Pois em plena pandemia, num momento em que a cidade vive um alerta vermelho, os nobres edis (que são também trabalhadores públicos, embora regidos por outras regras salariais), aprovaram o Projeto de Lei que reforma a previdência dos trabalhadores municipais aumentando em 3% a contribuição. Não houve debate com a comunidade, não foram apresentados os cálculos atuariais, nem sequer passou pela tramitação correta nas comissões. A proposta que partiu do prefeito Gean Loureiro foi votada sem que sequer as emendas apresentadas fossem apreciadas nas comissões. Tudo muito rápido, para evitar protestos. 

Na mídia, a notícia é dada como só uma notícia a mais, sem qualquer questionamento sobre as irregularidades, sobre a pressa ou sobre a falta de debates. Afinal, mais vale tirar 3% dos trabalhadores do que taxar fortunas ou discutir as verbas parlamentares. Ou seja, a partir de um alegado déficit – sem comprovação – na previdência, tira-se dos que mesmo têm. A questão que fica é: até quando a sociedade vai se manter cega diante da injustiça? Por que sempre são os trabalhadores os que que pagam a conta de um suposto déficit que, no geral, nunca é causado por eles?

Os vereadores que votaram a favor do confisco do salário dos trabalhadores – entre eles os da saúde, que hoje se arriscam por toda a população – foram: Beibe, Claudinei Marques, Dalmo Meneses, Dinho, Edinho Lemos, Erádio Gonçalves, Fábio Braga, Gabrielzinho, Gui Pereira, João Luiz da Silveira, Marcelo da Intendência, Maria da Graça, Miltinho, Renato da Farmácia e Roberto Katumi. 

Guarde esses nomes. Eles sempre estarão contra os trabalhadores, hoje, os públicos, amanhã, tu. 


quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Futebol: que parem os campeonatos

 

Eu sempre amei o futebol. Desde menina vibrando a partir das cadeiras vermelhas do estádio do Internacional de São Borja. O pai era radialista, então eu tinha aquele espaço de privilégio. Depois, quando os times se juntaram no Esporte Clube São Borja, lá segui eu o novo time, no novo estádio. A paixão mesmo era pelo que acontecia em campo, aquele bailado, os dribles, o gol.

Muitos anos depois tive a alegria de trabalhar como setorista no Figueirense, em Florianópolis, e foi daí que nasceu meu amor pelo alvinegro. Ainda assim era o futebol o meu encanto. Mas, na prática do trabalho também fui conhecendo a gurizada, os seres que fazem a festa acontecer. Nos clubes menores tende a não haver grandes estrelas. Todos estão no mesmo nível, sem altos salários e com trabalho duro. Todos os dias, o treinamento pesado. Muita academia, muito suor, muito treino tático, com o corpo sendo levado ao seu limite. Não é bolinho não. 

Foi aí que descobri que aquele bailado, os dribles e o gol não existem sozinhos, eles precisam ter corporalidade, nome, sobrenome. Vai daí que os jogadores acabam sendo o centro de tudo. Sem eles, nada. Eles são esse corpo coletivo que levanta as gentes nos estádios. Eles são parte constitutiva dessa belezura toda. 

Por isso me encho de ódio ao ver os cartolas dos times, como empresas patrocinadoras, e como redes de TV exigindo que os campeonatos recomecem. A cada notícia de mais um jogador infectado, mais meu ódio aumenta. Como é possível tanta maldade? Tanta desimportância pela vida do outro? Em cada treinamento lá se vão oito, nove, 12 garotos para o drama da Covid-19. Que insanidade! E o pior é saber que eles sequer podem dizer não. São trabalhadores. Estão sob o tacão do capital. Ou jogam fora. Esse é o tom.  

O futebol é um jogo coletivo, de muito toque e de contato. Não há como jogar sem o risco de se contaminar. Não é possível que os amantes do futebol possam querer que isso continue, como se fosse um combate de gladiadores. É preciso proteger os jogadores como se proteger os demais trabalhadores nessa hora de angústia e incerteza. Como torcidas organizadas, fazer protestos, gritar, impedir esse sofrimento generalizado para os jogadores e suas famílias, que acabam se infectando também. Nada justifica o retorno dos campeonatos se não há sequer como ver os jogos presencialmente. 

Para os donos dos times, a vida não importa. Se um jogador morrer, outro logo vem. Essa é lógica do capital. Mas, se o dinheiro não entrar nos seus bolsos eles podem repensar. Nessa hora os que pagam pelo futebol, os torcedores, os sócios dos clubes, têm poder. Há que impedir essa insanidade. Exigir que os jogos sejam suspensos até que haja segurança para os trabalhadores. 

Eu não mesma consigo ver nem ouvir a transmissão do jogo. Aperta-me o peito, me dói o coração. Coloco-me na pele daqueles homens que entram em campo, assustados, e que ainda precisam vencer. Não, não dá! Que parem os campeonatos. Que se protejam os trabalhadores. Boicote aos tempos, às Federações, às emissoras de televisão. Aquele que ama mesmo o futebol há essa clareza. E os que apenas dinheiro no processo, que se fodam!


sexta-feira, 7 de agosto de 2020

No Brasil, segue a procissão dos mortos

No quinto mês do ano da peste chegamos aos 100 mil mortos no Brasil, enquanto nos EUA são 155 mil. Pelo visto, já, já, o nosso paisinho ultrapassa a matriz, para alegria dos que governam. Enfim, poderemos estar na frente do “tio” Sam. Seguindo a risca a lógica do sistema capitalista, os mortos que se mantenham em silêncio, pois “há que tocar a vida”. Não há novidade ou assombro diante da declaração presidencial, afinal, assim tem sido desde sempre. Os empobrecidos, os trabalhadores, aqueles que têm de seu apenas o corpo nu, esses não têm a menor importância. Não há sequer que pranteá-los. Desde que a máquina de tear foi inventada e os camponeses ingleses foram expulsos do campo para se venderem na cidade industrial que tem sido assim. Sem qualquer meio para prover a vida, sem nem uma nesguinha de terra, os trabalhadores foram morrer nas fábricas. Ali trabalhavam 20 horas ou mais e acabavam morrendo moços, de tanta miséria. Não passava nada. Os ricos tocavam a vida. 

Para quem quiser saber em detalhes sobre como era a vida no início do capitalismo, basta ler o luminoso livro de Frederich Engels “A situação da classe trabalhadora na Inglaterra”, ou para os mais renitentes com a leitura, ver o filme “Germinal”. Os trabalhadores sempre morreram como moscas. E passados séculos, nada mudou. Talvez o cenário, apenas. Se não há pandemia, há exploração, miséria, assassinatos. Basta uma olhada nesses programas imundos do tipo Datena. Os corpos caem sem parar. Isso se naturaliza porque as mortes parecem acontecer devagar e espalhadas, então, aparentemente não guardam relação. E mesmo quando as mães pretas, de crianças pretas, saem em passeata pelas ruas do Rio de Janeiro, ou de São Paulo ou de Florianópolis, pedindo justiça pelo assassinato de seus filhos, a maioria olha insensível: “não é comigo”, ou então, pior: “Alguma coisa deve ter feito pra morrer assim”. 

Agora, quando o novo coronavírus surgiu, já se sabia: os que iam morrer seriam os empobrecidos, os trabalhadores. Sem cuidado com eles, pereceriam. E não deu outra. Para o sistema, a morte de 1% da população significa coisa alguma, nada, logo, não há o que prantear. Toquem a vida, dizem para os que sobrevivem, sigam trabalhando e nos enriquecendo. E os que ficam tocam a vida, de novo, sem guardar relação com a lógica que os domina. É um massacre, não apenas de vidas, mas de consciências, porque os que não são tocados pela ceifadora seguem caminhando sem compreender porque tantos morreram. “Foi o destino”, “deus no comando” ou pior: “malditos comunistas”. 

A verdade é que não foi o destino. Foi o descaso. O governo federal minimizou a doença, sugeriu que ninguém ficasse em casa, tripudiou do uso da máscara, incentivou a aglomeração. Não fosse isso, muito menos gente teria morrido. Cuba, a pequena ilha caribenha, socialista, é um exemplo disso. Com 11 milhões de habitantes teve 88 mortes. O governo cuidou de seu povo. A Bélgica, capitalista, com o mesmo número de habitantes (11 milhões), teve 9.800 mortes. Uma diferença abissal, sendo que a Bélgica é rica e Cuba é um país bloqueado. 

No Brasil, alegando que não era coveiro, o presidente da nação se recusou a dar um trato unificado à doença. Jogou a responsabilidade para cada governador, cada prefeito. E todos eles, pressionados pelos empresários, foram entregando, de bandeja, as cabeças e os corpos dos trabalhadores brasileiros. Que se salve a economia. Danem-se as pessoas. Outras sobrarão para substituir. Vamos tocar a vida. 

Há projeções de que até outubro o país chegue aos 200 mil mortos. Para o sistema, nada. 1%. E para os que sobrarem também parecerá que foi muita gritaria por tão pouco. Afinal, as novelas serão retomadas, as aulas voltarão, o comércio reabrirá todinho, será lançado um novo Ifone, as academias de ginástica voltarão a ser o templo do corpo, a Amazon divulgará seus lucros estratosféricos, os bancos abrirão linhas de empréstimos e tudo ficará no passado. O sistema capitalista segue vigoroso, até fortalecido, afinal, morreram tantos velhos, quantas aposentadorias que já não serão mais necessárias. Será então a hora de criar um novo imposto, aumentar o preço dos produtos, alguma coisa assim que leve as pessoas a trabalharem mais para poderem manter a existência. Marx já dizia isso lá no século XIX: “para o capital, os trabalhadores devem ganhar não tão pouco, para evitar que morram, nem tão muito que os leve a preguiça”. Manter o trabalhador no limite. É e será perfeito. 

Os mortos? Ah, os mortos. Esses estarão bem, na glória de deus, que foi quem quis assim. 


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Lino


Conheço o Lino faz tempo, desde que entrei na UFSC como trabalhadora em 1994. Desde sempre um professor pé-no-chão. Um homem que ensinava – e ensina – a arquitetura a partir da cidade real. Andando pelos caminhos, conhecendo cada cantinho, observando cada transformação, amando a cidade. Esse é Lino. Um cara cheio de amor pelo espaço urbano, espaço da vida das gentes. Um cara que vê a periferia não como lugar para ser melhorado, mas lugar para ser transformado porque todos têm direito a viver uma vida boa e bonita. 

O Lino é a reminiscência do antigo PT, aquele dos primórdios, da práxis, que juntava a teoria com a prática. O Lino é um homem extraordinário, ainda cheio de pureza. Muitas vezes, seus adversários dizem que ele é só um tarefeiro, e que isso é alienante, porque a luta política não é só estar fazendo coisas pelos empobrecidos. Mas, o Lino não é um bocó. Ele é professor universitário, bastante afeito à teoria. Só que ele sabe que existem coisas que precisam ser feitas e ele faz. Isso é o que me encanta e emociona. 

Agora, quando essa loucura da pandemia começou, lá estava ele no apoio concreto às ações de solidariedade, de manhã, tarde, noite e fim de semana. Carregando cestas básicas, produtos de limpeza, agindo. Ah, mas isso não muda nada. Muda sim. Muda a vida de algumas famílias. Isso significa que ampara dezenas de universos, porque cada ser é um. O Betinho dizia que a fome não podia esperar, e que pessoas mortas não fariam a revolução. Por isso criou a campanha contra a fome, e também foi criticado. Cristão, lhe xingavam. Pois é. O Lino é assim. 

Ele reúne os indígenas, os sem-teto, os moradores de rua, o povo de terreiro, o pessoal de ocupação. Ele caminha na cidade empobrecida, ele faz o que tem de fazer. E não é pra buscar voto, não. Porque ele sabe que nesse Brasil patriarcal, ainda uma fazenda, os empobrecidos acabam votando nos políticos que dão coisas urgentes como uma carrada de barro, ou telhas, ou alguns trocados. Ele não dá isso. Ele dá atenção, ajuda a organizar, discute em profundidade os problemas. Ele luta pelo dia em que as pessoas votarão num cara porque tem com ele um projeto. Mas, não é assim. Ainda não. Por isso ele trabalha com formação e seu gabinete de vereador tem sido esse espaço de estudo, de encontro, de construção de novo tempo. 

O Lino constrói com a gente um projeto de cidade, ele escuta, ele repensa, ele aprende. Eu, quem nem sou mais do PT voto nele e tenho vontade de vê-lo prefeito dessa cidade. Porque a cidade do Lino é a minha cidade. Essa que se vê desde o chão vivido e pisado. Sei que é difícil. São tantas as traições, as punhaladas nas costas, o abandono, o desdém. Mas, sigo crendo. Dia virá que os puros de coração comandarão a terra, dia virá a revolução.  Tô contigo, Lino. Sempre...