sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

UFSC: 54 anos em meio à tristeza


















Ela trabalha na UFSC há pouco tempo. É uma das “novas”. Os olhos, cheios d´água, fitam um horizonte que não mais vê. “Eu sabia que isso iria acontecer. Mas, ver na minha ficha funcional, escrito ´faltas injustificadas´ pelos dias que lutamos por democracia dentro da UFSC, foi triste demais. Eu não me conformo”. A mulher fala da greve pelas 30 horas que durou mais de dois meses na UFSC, fruto de uma atitude muito pouco comum dos dirigentes locais: a decisão unilateral e autoritária sobre a jornada de trabalho dos técnicos-administrativos. Na verdade, uma decisão inédita, tomada pela reitora Roselane Neckel, que deliberou sobre a vida dos trabalhadores, sem discutir com eles o tema, ancorada apenas numa reunião com os diretores de Centro, todos professores. 

Essa decisão, que fere a democracia universitária, levou os trabalhadores a uma greve interna, também inédita, que mobilizou a UFSC na luta pelas 30 horas, ou seja, universidade aberta o dia todo, com turnos de seis horas para os trabalhadores. A atitude da reitora, claramente uma retaliação por conta da greve nacional que também levantara os TAEs em meses de luta, levou os trabalhadores a questionar a proposta geral da administração, eleita com o verniz de “esquerda”. Nunca, em todas as administrações da universidade – sempre ligadas à direita e a maçonaria – um reitor se comportava dessa maneira, simplesmente descartando a presença dos técnico-administrativos negando-lhes o direito de discutir sobre temas de seu interesse.

A greve foi uma longa e desgastante queda de braço, na qual a reitora contou com a força extra da maioria dos professores que apoiou a ideia de controle sobre os TAEs e do próprio sindicato da categoria, que, desde o início do movimento atuou de maneira titubeante, quando não marcadamente contra a vontade dos trabalhadores. Foi um desastre. 

 A reitora insistia em desconhecer a greve e no segundo mês do movimento impôs o corte de salário, coisa também jamais vista na UFSC. E, não bastando cortar o salário de trabalhadores que estavam trabalhando – já que a greve era de ocupação – ela ainda decidiu que as horas descontadas deveriam ser assinaladas nas fichas dos trabalhadores como “faltas injustificadas”, o que pode acarretar problemas para os que estão em estágio probatório e também para os que ainda têm algum degrau a subir no plano de salários. Um golpe baixo que feriu de morte os trabalhadores. Aguentar o corte de salários era fácil, um risco calculado, mas a mentira descarada e a injustiça já é mais difícil. 

Para os novos trabalhadores, gente jovem, cheia de vontade de construir um espaço bom e saudável de trabalho, as retaliações da reitora caíram como um balde de desestímulo. Como iniciar uma relação de amor com uma instituição que os massacrava na base da ameaça e da mentira? Muitos se encheram de tanta tristeza que até adoeceram. Para os mais calejados, que estão na UFSC há mais tempo e já enfrentaram duras lutas, o que aconteceu também foi um baque. Nem com a mais violenta direita se viveu algo semelhante. E, agora, com uma mulher, vinda de um Centro sempre progressista, o CFH, e com o colorido da esquerda, aquilo parecia impensável. Muitos aceleraram a aposentadoria, tamanha a tristeza com uma direção tão antidemocrática e injusta.

De qualquer forma, a batalha foi travada. A força da luta não foi suficiente para enfrentar o silêncio cúmplice de uma maioria de professores que sempre viu os TAEs como seus empregados, aliado ao braço frouxo do sindicato. Nesse momento houve uma derrota, mas a peleia por uma universidade nova segue adiante. 

A reivindicação na justiça contra o corte de salário deu alguns frutos. A greve, que a reitora insistia em desconsiderar, foi reconhecida pelo judiciário. Isso leva agora a outra luta que é a retirada das “faltas injustificadas” das fichas, uma vez que a  falta por greve é justificada. Mas, o que se vê é que não será coisa fácil também. A reitora não cumpriu a liminar da justiça que deliberou pelo desconto de apenas 10% do salário e muitos trabalhadores tiveram descontos agora em dezembro, bem maiores que 10%. Poder ser então que ela também não acate o reconhecimento da greve. Há uma viseira tampando o bom senso na administração. 

O sentimento de “vingança” contra os técnicos é tão grande e irracional que, por ser questionada quanto ao horário de verão – que será de seis horas -  a reitora baixou uma portaria na qual delibera que se algum trabalhador não quiser repor as horas do horário de verão, que deverão ser obrigatoriamente cumpridas com uma hora a mais na jornada de oito horas normal, pode trabalhar oito horas, mas deve seguir o horário proposto que é: das 10 às 12 e das 13 às 19. Uma verdadeira aberração, a considerar o verão, o trânsito alucinante pelo aumento da população e o fato de que não há nada aberto próximo à UFSC nos meses de férias. A medida seria motivo de riso se não fosse trágica. Mas, mostra claramente o nível de autoritarismo da gestão que beira o ridículo.

O fato é que toda essa intransigência tem um endereço certo: os novos trabalhadores, os que pensam e questionam, os que insistem em ser parte da democracia ufscquiana. Para esses o recado é simples: sejam submissos, cumpram as ordens e assim pode-se chegar a alguns acordos. Ou seja, é a retomada do velho coronelismo que sempre tratou os trabalhadores técnicos-administrativos como “empregadinhos de professor”. Como agora os novos que estão chegando tem formação, são propositivos e participam da vida política, eles têm de ser derrubados, para o bom andamento da máquina.

Não é sem razão que um grupo expressivo de docentes está com a proposta de encerrar uma também histórica e democrática forma de eleger o reitor. Os professores querem o poder supremo sobre a vida da UFSC, relegando aos TAEs e aos estudantes apenas 15% do peso dos votos. É a treva! Voltamos ao medievo!

Mas, a despeito de tudo isso, nesse mês que se comemora mais um aniversário da universidade, os trabalhadores acham forças para se encontrar, se abraçar, se confortar e ainda fazem um bazar para arrecadar fundos que serão repassados aos que ficaram sem salário e sem empréstimo. Ao final, a vitória da reitora foi de Pirro. Os TAEs estão mais unidos do que nunca e seguem se encontrando e discutindo os destinos da UFSC.

Afinal, quem disse que o chicote para a rebeldia. É o contrário. Acirra!

A UFSC é de todos nós. Eles passarão.. .Nós, passarinho!

A discussão sobre o IPTU

















Cética, mas sempre otimista, fui à Audiência Pública proposta pelo vereador Afrânio Boppré, sobre a questão do aumento do IPTU em Florianópolis. Digo cética, porque as audiências públicas que envolvem decisões da prefeitura e dos vereadores, no geral, são apenas atos ritualísticos, formais, nos quais as pessoas falam, mas ninguém escuta. Essa, particularmente, fora proposta quando ainda estava na casa legislativa o projeto do executivo que pleiteava o aumento do IPTU.  Dias antes da audiência, o prefeito retirou o projeto, dizendo que iria esperar a decisão da Justiça, visto que o tema está sendo questionado judicialmente por várias entidades da cidade. Ainda assim, os vereadores decidiram mantê-la. A proposta era ouvir as forças vivas da cidade.

Até aí a decisão já se configurava uma novidade visto que a Câmara é muito avessa a qualquer debate mais profundo sobre os temas quentes. Basta lembrar a votação do Plano Diretor, que aconteceu depois da inclusão de mais de 600 novas emendas. A população pedia nova audiência pública para discutir as emendas, mas os vereadores  passaram o trator, fazendo a votação, sem nem mesmos eles terem conhecimento sobre as emendas. Vai lá saber na defesa de quê interesses...

Mas, basta uma olhada no público interessado que lotou o auditório do CDL e já se pode ver porque os vereadores aceitaram, cordatos, fazer a audiência: a maioria era de  representantes de entidades empresariais. Os poucos representantes populares que entraram - porque o acesso foi restrito ao número de cadeiras  - ainda tiveram de ouvir desaforos do presidente da Câmara, Bispo Jerônimo Alves Ferreira, como se não fosse legítimo um cidadão comum querer expor seu pensamento.   
De qualquer sorte, as falas das entidades e dos cidadãos seguiram uma direção única: ninguém quer o aumento de imposto conforme foi apresentado pela prefeitura, o qual chega a sofrer aumento de até 250% em algumas áreas. O plano de César Souza Junior foi criado em cima de alguns telefonemas dados para pessoas aleatórias nos bairros perguntando o valor de seus imóveis, o que se configura uma metodologia muito pouco aceitável, segundo a denúncia de vários representantes empresariais. "O valor do imóvel não pode ser medido pelo preço de venda, pois esse preço nunca é o real", disseram os empresários.

Outro aumento questionado, que já foi inclusive aprovado pela Câmara (com poucos vereadores votando contra), é o do ITBI, que é pago quando a pessoa transfere o imóvel para o seu nome. Passou dos 0,5% para 3%, configurando um aumento de 500% e que praticamente inviabiliza que muita gente possa legalizar seus imóveis, pelo valor excessivamente alto que precisa pagar. Segundo os empresários do setor de venda de imóveis, isso está trancando muitas vendas. Sobre esse ponto, um dos vereadores, o Coronel Paixão, chegou a fazer um mea culpa, dizendo que os dados referentes ao ITBI tinham sido repassados pela Secretaria da Fazenda, e ele havia votado confiando nesses dados, logo não teria problema em pedir desculpas e voltar atrás. A perplexidade é saber que um vereador vota cegamente na confiança de um dado oferecido pelo executivo, sem procurar investigar por conta própria. Ora, a quem ele representa, então? Aos interesses da prefeitura? Um vereador precisa estudar e avaliar as propostas enviadas pelo executivo a partir de outras fontes.  

Foi lembrado a todos os presentes que a proposta do prefeito está claramente ancorada no modelo de cidade que o Plano Diretor, votado atabalhoadamente e sem conhecimento, pelos próprios vereadores  - excetuando Lino Peres, Afrânio Boppré e Pedrão - aprovou. Segundo o Plano, a cidade passa a ser um espaço para os ricos e agora, o aumento do IPTU vem nessa direção. A intenção é tornar inviável a presença de gente pobre ou classe média baixa em áreas consideradas nobres. "Naqueles dias não ouvimos a voz dos empresários contra o Plano Diretor. Pelo contrário. Agora, não deveria ser surpresa essa decisão da prefeitura", disse eu mesma, na tribuna. Ainda assim, reconheci que essa luta específica contra o aumento do IPTU - da forma como a prefeitura propõe - nos coloca juntos nesse momento da luta. Depois, quando as planilhas e cálculos começarem a ser feitos, certamente estaremos em lados diferentes, até porque muitos dos empresários que falaram na tribuna se manifestaram contra o IPTU social, por exemplo.    

A audiência terminou com um consenso. A proposta da prefeitura não pode ser votada. Há que ser apresentado um novo projeto de lei para que sejam feitas mudanças na chamada Planta Genérica de Valores (PGV), que aumenta o valor venal dos imóveis, esses sim bastante defasados e sem reajuste há muitos anos. Como isso será feito e quem o fará não ficou claro, mas pelo menos se obteve um apoio claro de praticamente todos os vereadores que estavam presentes. Resta ver para crer.   

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Vigília pelos direitos indígenas


Nessa terça-feira, dia 16, a partir das 14 horas, em frente a Assembléia Legislativa.




EM DEFESA DO DIREITO A TERRA  E  AOS RECURSOS NATURAIS!

CONTRA A REPRIMARIZAÇÃO DA ECONOMIA!

CONTRA O AGRONEGÓCIO!

CONTRA AS GRANDES  CORPORAÇÕES E EMPREITEIRAS "BRASILEIRAS".


Grandes empresas financiam a extinção dos direitos dos indígenas, dos quilombolas e da biodiversidade

Os deputados que figuram como membros titulares na Comissão Especial1 da Câmara dos Deputados que aprecia a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/20002 receberam mais de R$ 18 milhões na campanha eleitoral de 2010. Entre os doares estão grandes empresas, como JBS, Bunge, Gerdau, Suzano, Klabin, Embraer, Camil, Engevix e Cosan. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral.

A PEC 215 foi apresentada no ano 2000 pelo então deputado Almir Sá (PPB/RR) e propõe, via texto principal associado a emendas parlamentares, repassar do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar Terras Indígenas e Quilombolas, bem como de criar parques nacionais e outras Unidades de Conservação. A referida PEC pode ser votada na Comissão Especial da Câmara ainda na terça ou quarta feira desta semana.

O último relatório à tramitação da PEC, apresentado pelo deputado Osmar Serraglio (PMDB/PR), permite que essas áreas protegidas tenham a sua criação e os seus limites revistos caso a proposta seja aprovada pelo Congresso Nacional. Isso violaria direitos constitucionais e submeteria à insegurança jurídica medidas já aprovadas e consolidadas pelo Estado brasileiro.

Vale ressaltar ainda que, desde 2001, o Código de Ética da Câmara dos Deputados é sistematicamente ferido sempre que parlamentares relatam “matéria submetida à apreciação da Câmara dos Deputados, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral”.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Libertador



Assisti ontem o filme “Libertador”, uma superprodução venezuelana que conta a história de Bolívar. Apesar de alguns erros históricos, normais, porque o cinema sempre busca algum elemento para ligar as histórias ou coisa assim, o filme é muito bom. Ressalto apenas a omissão da importante participação de Pettion, do Haiti, no processo de libertação. Sem a ida de Bolívar ao Haiti e a providencial ajuda do presidente daquele país, talvez a história fosse outra. Isso não aparece no filme. Uma pena. Mas, no demais, o filme é como um punhal na nossa carne. Fica muito clara a participação danosa de Santander e sua traição, bem como o erro estratégico de Simón (humano, demasiado humano) que não quis condená-lo a morte, permitindo que ele ficasse livre e seguisse tramando contra ele. Esse erro acaba levando o próprio Bolívar à morte, bem como o grande marechal Sucre.

A última cena do filme que pude ver foi o momento em que Sucre, então um jovem de 24 anos e já mariscal, provado na luta renhida, se despede de Bolívar para ir ao encontro da morte, assassinado que foi por sicários a mando de Santander. Seu rosto jovial, transparente de esperança, seu manto negro esvoaçando, e a visão dos matadores no seu encalço, foi o suficiente para mim. Não pude mais seguir, e ver o filme até o final porque ao que indicava a narrativa, mostraria a triste morte do Libertador. Fugindo dos inimigos da Pátria Grande, ele enfrenta temporais, atravessa rios e termina sozinho num catre sujo. Morre aos 46 anos, buscando desesperado pelo ar e certo de que tudo pelo qual lutou foi em vão.

O homem que travou mais de 100 batalhas, que percorreu duas vezes mais território que Alexandre, o Grande, que fez, no lombo do cavalo, mais de 120 mil quilômetros, que atravessou as montanhas geladas dos Andes duas vezes, acabou traído pelos generais que queriam cada um o seu país para comandar. Com ele, se foi o sonho de uma grande pátria, unida e forte, só renascido agora, com Chávez, outro que também já se foi.

Apesar de lindo e bem feito, o filme me colocou no chão. As cenas do Sucre indo embora e a de Bolívar, encharcado, tentando alcançar a margem, não me saem da mente. Passei a noite revirando, em lágrimas. Doendo a morte de uma das ideias mais generosas que tivemos em nossa Abya Yala. Bolívar e suas contradições, suas fraquezas, seus erros, seu liberalismo eivado de europeísmo. Mas, ao mesmo tempo, um homem capaz de querer um mundo diferente e, mais que isso, marchar - com erros e acertos  - para sua construção.

O filme Libertador foi um sucesso de bilheteria na Venezuela esse ano e está entre os indicados para o Oscar de filme estrangeiro – coisa estranha. Vale a pena ver, abstraindo os clichês. As cenas da batalha de Boyacá são absolutamente incríveis, com a tomada da ponte que servia de barreira para o avanço das tropas patriotas. Com a heroica atuação dos llaneros, os negros e a gente empobrecida da Venezuela, essa batalha foi decisiva para a chegada da independência.

Edgar Ramírez está perfeito como Bolívar.




sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Movimento Social em paralelas




















Dois momentos importantes da luta social essa semana apontaram para uma realidade que se aprofunda: as lutas estão isoladas nas suas especificidades. Há uma perda quase que completa da ideia de totalidade, o que faz que com os movimentos caminhem em linhas paralelas, incapazes de se encontrar. 
O primeiro momento foi o da discussão do Projeto de Emenda Constitucional 215, que tenta levar para o Congresso Nacional a decisão sobre a demarcação das terras indígenas. Excetuando os grupos não-índios que tradicionalmente se alinham junto às lutas dos povos originários, essa tem sido uma batalha solitária dos indígenas. Há campanhas pontuais, abaixo-assinados, manifestações nas redes sociais, é fato. Mas a luta mesma, essa que se trava na realidade, não consegue juntar grupos distintos como os sindicalistas de toda a ordem, movimento sem-terra, movimento pela moradia ou pelo passe livre, para citar alguns exemplos. O apoio que todos dão é quase ritual, nos discursos. Não está na discussão sistemática do tema junto às categorias ou aos grupos específicos. 

Assim, quando se chega a uma situação como a de ontem (dia 12/12) em que o agronegócio se articula para garantir seus privilégios, burlando inclusive o regimento da Câmara Federal, lá estão apenas os índios e seus parceiros de sempre. Não se vê nos veículos de comunicação dos movimentos e sindicatos o debate profundo sobre o que significa essa PEC para os índios e para a nação brasileira. Caso a lei passe, será o Congresso que decidirá sobre as demarcações de terra, por exemplo. A raposa no comando, a considerar que na próxima legislatura mais da metade do congresso é formada por gente que é ou representa o agronegócio, o agrobussines, para ser mais exata. Bom, num primeiro momento serão os índios os atingidos, retirados de seus territórios, ou sem conquistar as terras que vêm ocupando historicamente. Mas, depois deles, a derrota chega na nossa cara, seja pela destruição ambiental que o agronegócio promove, seja pela superexploração dos trabalhadores, seja pela monocultura que arrasa a vida da terra. Assim, a luta dos povos indígenas é a nossa luta também, e precisa sair da retórica ritual. Assim como a luta das diversas categorias por melhores salários e condições de trabalho também deveria ser pauta e preocupação dos povos indígenas que estão organizados e já conhecem muito bem as agruras do capitalismo. O inimigo é o mesmo.

O segundo momento vivido essa semana foi a manifestação em frente à Câmara Municipal de Vereadores, na cidade de Florianópolis. Como mais da metade dos edis (14 de 21) está envolvida numa operação policial que investiga o suborno realizado por empresas para que os mesmos votassem a favor de seus interesses, o movimento social da cidade decidiu fazer um protesto, exigindo a punição dos envolvidos. Nada mais justo e necessário. Então, ali pudemos presenciar a participação de lideranças sindicais que andaram ausentes do debate sobre as lutas da cidade. Que não participaram das manifestações dos movimentos comunitários que até então gritavam, solitariamente, contra o absurdo da aprovação do Plano Diretor,  num final de dezembro, como agora, sem que nenhum vereador soubesse o que estava votando. Naquele triste dia, lá estavam apenas os representantes das comunidades envolvidas com o Plano. 

De fato, ao logo dos sete anos em que a cidade viveu, entre atropelos, a discussão do Plano Diretor, muito pouco se viu a intervenção do movimento sindical, embora as categorias específicas também vivam, sofram e desfrutem a cidade. Faltou ao sindicalismo local o debate sistemático com seus filiados sobre a importância da participação no Plano Direito e nas lutas por uma cidade boa de se viver. O resultado foi a ação dos movimentos de bairro e populares isolados que, a despeito de sua valentia, não conseguiram vencer a opinião pública, colonizada que foi pelos meios de comunicação. No dia da votação do Plano, as poucas pessoas que compareceram em luta no plenário da Câmara acabaram agredidas pela polícia, impedidas de entrar no recinto e ainda foram chamadas de "baderneiras" pela mídia local. Os atrasados de sempre que querem barrar o "progresso" da cidade. 

Agora, no rastro da estrada aberta pela mesma mídia que criminaliza os movimentos, sindicatos e movimentos reivindicam a pauta do "contra a corrupção". Uma mobilização válida e importante nesse momento em que os interesses da cidade, mais uma vez são tripudiados. Mas, insuficiente.  Primeiro, porque, em sã consciência, ninguém pode ser a favor da corrupção e ela mesma não é um ente. Ser contra essa prática - que é intrínseca ao sistema capitalista -  é algo óbvio. O que temos de tratar de incorporar é a luta a favor da cidade e da população, contra as práticas criminosas dos vereadores que, em última análise, deveriam representar os interesses dos cidadãos.

Mas, a Câmara de Vereadores, como em nível nacional, a Câmara dos Deputados, não são espaços de representação popular. Em Florianópolis, entre os 21 vereadores, apenas três têm se colocado para além dos interesses particularistas, pensando a cidade como um todo. E, em Brasília, dos 503 não deve chegar a 50 o número dos que realmente pensam no país como uma totalidade. Os demais estão a representar interesses muito específicos, geralmente, os dos seus financiados de campanha. 

Assim, é chegada a hora de os movimentos populares e sindicais assumirem pautas conjuntas, totalizando a compreensão sobre a realidade. A reforma agrária sozinha não dá conta da mudança, assim como aumento salarial de uma ou outra categoria não muda a vida. O que vai transformar a existência de todos nós - classe trabalhadora - é a mudança desse sistema, o fim da violência e da exploração que o capital impõe sobre a maioria. Logo, cada luta travada pelo campo dos trabalhadores, deve ser a nossa luta. A batalha por condições de trabalho, a reforma agrária, moradia, saneamento, planos diretores das cidades, luta anti-manicomial , a batalha das mulheres contra o machismo, dos negros contra o racismo, dos índios por território, dos desempregados por vida digna, passe livre, tarifa zero, universidade gratuita e de qualidade, enfim... Tudo isso é pauta nossa e deve ser tratada como tal. Esses são temas que têm de estar - totalizados, discutidos na sua universalidade - na agenda diária dos movimentos e sindicatos, batidos e rebatidos junto aos seus filiados e parceiros. 

A nossa luta é contra o capital. Sozinhos, nas nossas batalhas específicas, não vamos muito longe. No rumo das palavras do velho companheiro el Che: se há um irmão sofrendo injustiça, somos companheiros. E somos de fato, na luta real, concreta e cotidiana. Esse ainda é o nosso desafio como esquerda e como classe trabalhadora. Cada um, com seus recursos, colocando a lenha na fogueira unificada da transformação. Ou isso, ou seguiremos como as linhas paralelas, caminhando separadas rumo ao infinito. Não temos tempo de esperar pelo encontro num lá na frente nunca chegado. A hora do encontro é agora. Com os índios, com os negros, com as mulheres, com os desempregados, com os moradores de rua, os loucos, as putas, os velhos, os trabalhadores, os sem-terra, os sem-teto, os que lutam por um tempo novo. 

Divergências há, e devem ser reconhecidas  discutidas à exaustão, mas também precisam ser transcendidas em nome da Eko Porã, uma vida boa e bonita para toda a classe trabalhadora.  

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Já está pronto o presépio




Tenho gravada nas retinas e no coração as imagens dos natais da minha infância. No início do mês de dezembro minha mãe começava a preparar a construção do presépio. Era uma tradição. Nós, os três filhos, participávamos organizando os personagens da famosa noite em que nasceu Jesus. A família, os bichinhos, os pastores, os reis magos, a estrela. A coisa levava o mês todo. Havia a árvore de natal, mas ela era absolutamente secundária. Porque minha mãe reverenciava o menino e não o Papai Noel. Naqueles dias, no interior do Rio Grande, o capitalismo selvagem ainda não tinha chegado com toda a sua força. Depois, eu cresci, e segui a velha tradição. Todo o natal, monto o presépio com todos os seus personagens, e outros que vou agregando aos afetos. Passo o mês inteiro esperando pelo dia do aniversário desse adorável deus-menino.

Sempre há os que dizem que ele (jesus) não existiu, que é uma invenção de Paulo. A mim não importa. Tudo que sei é que as histórias que dele se contam, das coisas que ensinou, amparam minha prática de vida. Jesuânica. Por isso o natal segue sendo importante pra mim. Não que eu precise de um dia específico para lembrá-lo ou falar dele. Mas é um aniversário e é sempre bom celebrar.

Não gosto dessa onda de Papai Noel. Sua figura bonachona, de bom velhinho que vinha visitar as crianças na noite do grande advento perdeu o sentido. Santa Klaus não gostaria de saber o que fizeram dele. Agora, natal significa consumo, louco, desenfreado. Nas telas da TV tudo o que se fala é da porcentagem do aumento das vendas e nas ruas já começa o frenesi dos pacotes. Impossível andar pelo centro.

Eu não dou presentes no natal. Busco o refúgio interior e o encontro com a ideia de Jesus, o cara do aniversário. Também conspiro com as demais culturas originárias do hemisfério sul que celebram o solstício de verão. Faço minhas cerimônias, minhas rezas e celebrações. No dia do solstício, que é o 21, o sol parece ficar estacionado no céu. O dia é longo e a gente faz reverências àquele que nos dá calor e propicia a vida. Kuaray.

Então, natal é isso: festejar a vida. Celebrar com os que amamos a ideia de que o mundo precisa ser justo, que as riquezas devem ser repartidas, que as pessoas precisam ser solidárias e amorosas. É dia de comungar com os ancestrais, com a natureza, com a vida que vive. Dia de agradecer por poder estar neste lindo jardim. Se há algo a presentear, que seja essa ideia, de que o natal não é um dia para comprar presentes impessoais, impostos pelo mercado capitalista. O natal é dia de armarmos nosso presépio interior, com todos os personagens do nosso grande advento.

Aqui em casa ele já está montado, no meu "canto rojo" e em mim... Feliz Natal... Feliz Solstício... !!! 

E que venha o Pachakuti... 


sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Os vereadores de Florianópolis e rapinagem






Nosso mercado público, transformado para sempre...














Quem esteve na votação do Plano Diretor, em dezembro de 2013, no apagar das luzes do ano, sabe o que viu. No espaço dos vereadores, uma turba inquieta. Diante das falas de Afrânio (PSOL), Lino (PT) e Pedrão (PP) exigindo novas audiências públicas, uma vez que o projeto estava todo alterado pelo IPUF, os demais vereadores esbravejavam, balançavam as cabeças e sapateavam. Não houve acordo. O projeto haveria de ser votado. Não importava que o mesmo tivesse sido alterado, não importava que ninguém soubesse sobre o quê tratavam as quase 700 novas emendas, nem importava que não tivessem sido entregues os mapas. A ordem era aprovar. E assim foi, apesar dos protestos nas galerias. Com o voto contrário dos três citados vereadores, os demais votaram de olhos fechados, contra a população.

A pergunta que fica é: se votaram contra a população, a qual deveriam representar, estavam a favor de quem? A quem interessaria aprovar um Plano Diretor que descaracteriza totalmente a cidade, levando-a para um caminho sem volta, ao estilo Miami? A quem interessaria a possibilidade de construir espigões e seguir especulando com a paisagem e com as belezas naturais?

Pois a operação da Polícia Federal conhecida como “Ave de Rapina” aponta algumas respostas para essa nossa questão. Projetos de menor envergadura e de interesses menos custosos foram votados com o tradicional pagamento de propinas. Relações perigosas entre os vereadores e empresas, outra vez indo contra os interesses da população. Pagamentos variando de 5 a 100 mil reais para funcionários públicos e vereadores, fraudando contratos públicos e mudando as leis, garantindo vantagens para as empresas “amigas”.

Dos 23 vereadores, um está preso, 12 já foram indicados pela polícia e dois ainda estão sob investigação, o que mostra a “qualidade” da Câmara Municipal.

É fato que sempre me surpreendeu a eleição de determinadas pessoas, com número expressivo de votos. Figuras que nunca tiveram qualquer atuação comunitária, que nunca foram vistas em qualquer situação em que estivesse em jogo a vida da cidade. Ainda assim, lá estavam, eleitas para representar os cidadãos de Florianópolis. No rastro de boa parte das campanhas, o que conduzia eram as benesses, ou a simples compra de votos, para ser mais clara. No Brasil patriarcal, um favor, uma caçamba de brita, uma camiseta podem ser moeda de troca, sem maiores esforços.

- Por que votou no fulano?

- Ah, ele me deu tal coisa! – Ou: Ele é amigo do meu pai. Ou ainda: É meu amigão!

Mas, afinal, o que faz alguém que vende seu voto para vereador, ou que vota simplesmente por amizade? Pois bem, coloca na Câmara Municipal alguém que vai definir o destino da cidade, o que, em última instância decide os destinos de todos nós. Os vereadores, apesar do quem pensa a maioria, não é eleito para resolver o “nosso” problema pessoal de falta de empregou, ou o calçamento da “nossa” rua, ou a arrumação do “nosso” esgoto. Ele vai decidir sobre como a cidade vai ser no seu conjunto, incidindo sobre a vida de todos.

Foi assim com o projeto Cidade Limpa. Pode parecer uma coisa boba isso de tirar ou por um outdoor, ou a instalação de radares, que são os objetos da investigação policial. Mas não é. O projeto Cidade Limpa tem a ver com como a cidade se organiza, como enfrenta a criação de necessidades induzidas pela propaganda, como se relaciona com a lógica do consumismo. Os radares dizem respeito à segurança das pessoas no trânsito, podem significar a diferença entre a vida e a morte. São coisas sérias e importantes. E olha como foram tratadas? Como uma moeda de troca de favores. Um voto por dinheiro. Ou seja, muitos desses vereadores reproduzem neles mesmo a idêntica fórmula que usam para ganhar os votos. Tudo se resume a um lucrativo mercado no qual só eles saem ganhando.

Um ou outro realiza seus compromissos rituais, aprova um calçamento aqui, uma obra ali, para ficar bem com seus eleitores. Mas o que fazem por trás deles – e agora vimos que com lucro pessoal - é o que realmente influi na vida de cada um.

Outro dia vimos nas redes sociais a indignação de muitos moradores de Florianópolis com o novo Mercado Público, que agora, depois da licitação levada a cabo pelo prefeito César Souza Junior , está completamente descaracterizado. Empresas do tipo Bobs, ou de sorvete italiano, ocupam as portas que antes vendiam panelas, comidas típicas ou artesanato, coisas possíveis de serem desfrutadas por qualquer cidadão. A cara típica da cidade não existe mais naquele lindo prédio amarelo, agora um pastiche da cultura local, exposto apenas para os turistas que podem pagar até seis reais por uma bola de sorvete. Pois todo esse processo deveria ter passado pela Câmara de Vereadores. Não passou. E entre os “nobres” poucos levantaram a voz contra a forma atabalhoada como foi conduzida o processo. Omissão da maioria, calada pelos interesses.

Agora, feito o estrago, e expulsos os comerciantes que já eram patrimônio imaterial da cidade, as pessoas se dão conta do que perderam. Pois naqueles dias em que os movimentos sociais denunciavam o absurdo do processo, que não levou em consideração os aspectos culturais, a maioria apontava em acusação os que não queriam o “progresso” da cidade. E o progresso veio, pela omissão daqueles que deveriam ser os guardiões dos interesses da comunidade. O que fazer? Tudo foi destruído!

O mesmo se deu no processo do Plano Diretor, que haveria de ser investigado também. Os vereadores Lino, Afrânio e Pedrão eram apontados como os que queriam igualmente barrar o progresso da cidade, travando a aprovação do plano desconhecido, ou quem sabe muito conhecido pela maioria que o aprovou. O fato é que a vida da cidade toma outro rumo com esse plano. Bairros como o Estreito e o Saco dos Limões terão suas populações adensadas de maneira brutal, mudando radicalmente o cotidiano, com implicações na mobilidade e na cultura. E todas essas mudanças são provocadas pela ação dos vereadores que sustentam a irracionalidade que vem do executivo.

Agora a investigação sobre os componentes da Câmara está a todo vapor. Um ou outro acabará preso, outros se safarão, e a vida seguirá seu curso. Resta saber se a população de Florianópolis também vai seguir sua vida como se nada tivesse passado, como se não importasse muito um vereador cair na malha da corrupção. Tudo pode ser facilmente esquecido com algum novo escândalo.

Mas pode ser que esse caso sirva como uma pedagogia, a construção de um caminho. Pode acontecer de as pessoas começarem a entender que o voto num vereador é coisa que tem reflexos duradouros na vida de todos. Que o voto não pode ser comprado por um simples churrasco, ou uma carrada de areia. O vereador precisa ter o compromisso não com a rua ou o bairro, mas com a cidade inteira. Ele vai definir coisas que fazem parte da grande política, que colam no cotidiano da gente, que modificam as paisagens, que mudam uma cultura, um modo de vida. Imaginem se os vereadores alteram o zoneamento de um lugar de residencial para comercial. Muda tudo! A coisa é muito séria. É claro que o voto num vereador não define a vida, mas nesse regime representativo no qual vivemos têm a sua importância. Daí o cuidado.

Não tenho muitas ilusões quanto às punições aos envolvidos na operação Ave de Rapina. Como o que aconteceu na famosa “moeda verde”, quando empresários conhecidos foram envolvidos e nada aconteceu, com eles aí, circulando nas colunas sociais, como pessoas nobres e boas. Mas tenho a ilusão de que as pessoas possam pensar sobre as coisas e começar a perceber quem de fato representa os desejos da cidade na Câmara de Vereadores. E quando os hoje vereadores Lino e Afrânio, os quais têm minha confiança, defenderem isso ou aquilo, possam ser ouvidos como aqueles que estão discutindo a favor da cidade, da maioria da população. E não como uns moleques que querem “atrasar” o progresso de Floripa.

Uma cidade desenvolvida não é aquela que tem os prédios mais altos, o trânsito caótico, muitas indústrias e outros empreendimentos monumentais para uso quase exclusivo dos ricos.  Uma cidade desenvolvida é aquela que é boa para se viver, que mantém viva a cultura, que respeita o outro, que garante uma movimentação fácil e uma existência segura.


Sigo acreditando que essa vida da gente é um largo aprendizado e que, um dia, haveremos de ficar livres da rapinagem, seja dos políticos ou dos poderosos. Mas, para isso, é claro, precisaremos bem mais do que aprender sobre o predador voo da ave.