quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Fenaj adere aos fundos de pensão



A Federação dos Jornalistas, a cada dia que passa, vai aprofundando suas contradições e equívocos. Primeiro, propôs discutir a regulamentação da profissão com patrões e governo, numa mesa de “negociação”, como se fosse possível “negociar” alguma coisa com os donos da mídia, em igualdade de condições. Além do que, nos parece uma tremenda ingenuidade, para não dizer outra coisa, permitir que os patrões partilhem da decisão sobre como devem os trabalhadores jornalistas se organizar. É como chamar os lobos para que ajudem a decidir por onde devem passar as ovelhinhas.

Depois, decidiu reavivar a discussão da criação do Conselho de Jornalistas, mais um órgão para acolher burocratas que não querem largar o poder. Sem contar que criar um conselho para os jornalistas aprofundaria na profissão a idéia de que esta é uma profissão liberal, de pequenos empresários da comunicação, pessoas jurídicas capazes de prestar serviços aos grandes, fazendo girar assim, com mais força a roda do capital. Embora, é claro, esses “empresários” sejam tão explorados quando os que trabalham de carteira assinada. O conselho para jornalistas apenas enfraqueceria a luta sindical, bem ao gosto dos patrões. E o pior é que nós, que fazemos a crítica, ainda somos acusados de “fazer o jogo da direito” por dirigentes da Fenaj. Risível se não fosse trágico. Quem está fazendo o jogo dos patrões é quem aposta no enfraquecimento da luta de classe.

Pois agora, na contramão da história, em plena crise sistêmica, a Fenaj apresenta mais uma saída neoliberal para seus filiados: a contratação de previdência privada. Pelas informações que circulam nos jornais, oito sindicatos de jornalistas já teriam aderido à idéia. Então, agora, a federação pretende fechar acordo com a Petros, empresa criada para cuidar dos fundos de pensão dos trabalhadores da Petrobrás. Mas, que, com o processo de privatização da empresa estatal, acabou abrindo as portas para outras entidades do setor, e agora abre mais ainda, acolhendo novos sócios.

E o que são os fundos de pensão? São fundos criados por empresas de cunho privado, para oferecer uma aposentadoria maior aos trabalhadores que querem enfrentar a velhice ganhando mais do que estipula o estado. Para isso, além dos 11% de desconto obrigatório que o trabalhador faz diretamente no contracheque para a Previdência pública, ele aplica mais outro tanto na complementação privada. Bom, até aí tudo bem. É um direito de cada trabalhador investir seu salário onde bem quiser.

As letrinhas miúdas
Mas, algumas questões precisam ser consideradas. A lógica dos fundos é a da capitalização, que segue a ordem do mercado capitalista e substitui a solidariedade entre gerações. Os fundos de pensão só conseguem garantir o pagamento das aposentadorias se este dinheiro que recebem hoje conseguir crescer. E o dinheiro só cresce se for investido em papéis que possam gerar lucro. Estes papéis onde os fundos investem o dinheiro dos contribuintes são comprados na bolsa de valores. Então, é um investimento de risco. Se a empresa que gere o fundo de pensão investir numa empresa que vier a falir, por exemplo, as pessoas perdem todo o dinheiro que investiram durante a vida toda. E, no mais das vezes, as pessoas que entram nos fundos de pensão não são esclarecidas quanto a isso. Raras sabem exatamente onde estão colocando o dinheiro.

No geral, as empresas de fundo de pensão propagandeiam lucros exorbitantes, gordas somas e alardeiam a possibilidade de volumosas aposentadorias. Como grande parte das pessoas está enredada na lógica financista do sistema capitalista, tudo o que quer é ver seu dinheiro lucrar sem que precise fazer força. Daí que os investimentos na bolsa de valores tornam-se tão atrativos. Mas, isso nada mais é do que a boa e velha prática da usura. Enriquecer a custa da desgraça alheia. E quem se desgraça? Os países subdesenvolvidos e seus povos que ficam com o rebotalho e a sujeira do sistema, expressas em colonialismo, dependência e super-exploração do trabalho.

O que causa espécie é ver a Fenaj embarcar de forma institucional nessa canoa furada, levando risco aos trabalhadores e aprofundando a violência do capital. E pior, o faz num momento em que o mundo vive uma grave crise no sistema, justamente provocada por este tipo investimentos sem lastro na produção. O desmantelamento do setor imobiliário nos Estados Unidos está levando à falência um número expressivo de pessoas que apostou todas as suas economias na bolsa de valores. E agora, é o que se quer também para o trabalhador jornalista?

Vamos então fazer um exercício de matemática. O jornalista catarinense ganha pouco mais de mil reais. Desse valor ele tira 11% para a previdência, tira mais um tanto para pagar a taxa do Conselho (se for criado, esperamos que não seja), paga o Plano de Saúde( porque raros são os que ficam no SUS e lutam por ele), paga isso e aquilo, e ainda vai investir na bolsa de valores? A sobra de um salário de fome vai para a bolsa? Ora , isso é irracional. A menos que esta história toda de fundo de pensão não seja para a plebe rude. A menos que só se esteja pensando naquela porcentagem ínfima de jornalistas-estrelas que ganha salários astronômicos nas grandes redes do país. Ah, tá! Então está explicado!

Fica aqui o alerta. Fundo de pensão é fria. É investir em papel volátil. É entrar na ciranda financeira que tantos sindicalistas se arvoram em criticar. É arriscar a velhice e colocar na roleta as economias de uma vida. Daí que os jornalistas precisam ficar muito alertas quando seu sindicato for discutir a questão. Há quem diga que isso só diz respeito ao livre arbítrio de cada um. Ninguém é obrigado a aderir. Isso é fato. Mas, muitas vezes, as pessoas não têm as informações. Daí a armadilha. Confiam em seus dirigentes e aceitam suas decisões. Por isso, ao discutir fundo de pensão, fique alerta. Promessas de ganhos fáceis quase sempre acabam mal.

No caso da Fenaj é triste ver a federação embarcando na onda da governança corporativa, ou seja, na proposta neoliberal do desaparecimento das fronteiras entre capital e trabalho, como se fosse possível, aqui nestas terras do sul, aplicarmos os conceitos habermasianos de consenso e negociação. A idéia de governança corporativa pressupõe alianças com banqueiros empresários, multinacionais. É uma relação odiosa, promíscua e fundamentalmente nociva para o trabalhador. Como bem lembra a fábula: um lobo nunca perde seus hábitos alimentares. É da natureza do capital destruir a força dos trabalhadores. Portanto, alerta!

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Um espelho no banheiro


Apesar de estarmos no século XXI algumas questões ainda permanecem estagnadas no serviço público, principalmente na universidade. Uma delas é o completo desconhecimento da “mulheridade”. Uso esse conceito em vez do de “gênero” porque o segundo não me compraz. Parece-me que de alguma forma esteriliza as lutas pela emancipação das mulheres e torna tudo meio gosmento, sem identidade. Por isso inventei o conceito de “mulheridade”, porque creio que falar da mulher é falar da diferença e da posição de classe. Não dá para só pensar na mulher como um gênero, porque este gênero se divide em classes e as mulheres da classe dominante são tão opressoras quanto os homens, por isso não me permito misturar as coisas.Quando digo mulheridade quero falar do jeito específico de ser mulher trabalhadora, lutadora, cheia de vontade de mudar esse mundo que aí está como espaço do consumo, da dominação, do medo e da opressão.

Pois um dos aspectos da mulheridade é a beleza. E isso bem que poderia ser considerada coisa do gênero, porque é comum às mulheres que oprimem e às que lutam. Há uma coisa em nós que nos move na direção da beleza, esse jeito de escolher um adereço, uma pintura. Pode ser a mulher mais pobre do mundo, mas ela sempre vai encontrar um jeito de realçar o que é bonito nela. Por isso me encantam as mulheres indianas. Mesmo na mais triste miséria elas vestem-se de cores, pulseiras e pingentes. Sabem que a beleza é um estado de espírito e que se precisa dela para ter força de lutar e mudar as coisas. A beleza nos aquece, enternece, salva. Veja a diferença de uma Margareth Thatcher, a dama de ferro inglesa, com seus terninhos sem sal e o cabelo armado como um capacete. Mulher sem mulheridade. No poder feito um homem, com toda a sua vileza, crueldade, desprovida de ternura.

Outra coisa que atrai ás mulheres é o espelho. Filhas diletas de narciso elas não podem ver um. Porque as mulheres cheias de mulheridade gostam de se ver. No reflexo invertido elas saúdam a beleza, a graça, a ternura que brota nos seus corpos, nos olhos cheios de brilho e vontade de transformar as coisas em volta. Esse adereço indispensável é coisa mítica, é primal. Sem a imagem por inteiro antes do arrancar para o dia, parece que falta algo. É por isso que as mulheres aproveitam cada falso-espelho como as vitrines, por exemplo. Parece que há sempre que confirmar a beleza que nos é intrínseca.

Na Universidade Federal de Santa Catarina o único banheiro a ter um espelho onde a gente se vê por inteiro é o Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Pudera. Ele, geralmente, é dirigido por mulheres. E elas lá sabem muito bem da mulheridade que lhes cabe. Sempre falei deste delicado detalhe do CFH, sonhando com o dia em que o Centro onde trabalho também tivesse espelhos de se ver por inteiro no banheiro feminino. Mas, os demais centros são masculinos demais, incapazes de um gesto de ternura e compreensão da mulheridade.

Pois, ao voltar à ativa neste janeiro, tomei um susto. Susto bom. Ao entrar no banheiro do Centro Sócio-Econômico lá estava ele. Enorme. Desci as escadas conferindo o banheiro de cada andar. E, em todos, assomava o santo oráculo da beleza feminina. Isso me deu um alento. Se no CSE, ao assumir a nova direção sob o comando de Ricardo Oliveira, deu-se um passo na direção da compreensão da mulheridade, isso significa que esta universidade pode, sim, um dia mudar. Sair do atraso, do conservadorismo, do pensamento único, patriarcal, colonialista. O professor Ricardo me surpreendeu com esse gesto de profunda ternura e me deu esperanças! Isso foi um bom começo de ano!

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

FSM - inquietações a partir de nosso quintal

Por Rogério Almeida

O geógrafo Milton Santos em suas inflexões sobre o totalitarismo do capitalismo em escala planetária sinaliza que a saída se encontra nas periferias do planeta com as suas territorialidades específicas nos campos de arte, cultura, comunicação e associações em redes. O que sugere uma dissonância ante a tentativa de homogeneização do pensamento.

Em sua 9ª edição do Fórum Social Mundial (FSM), em seu regresso ao Brasil baixou numa periferia considerada estratégica para as décadas que se seguirão, caso o mundo não exploda antes.

Quando do anúncio da realização do FSM na Amazônia a crise no mercado não constava na agenda, ainda que anunciada por alguns. O que desnuda os limites do modelo em voga.

Desde a sua realização no começo da década, um cipoal de cenários passou por significativas modificações. A democracia na América Latina soa numa perspectiva à esquerda.

A eleição pela primeira vez de um indígena na Bolívia não pode passar despercebida, tanto que mobilizou a tentativa de golpe da elite local. Equador, Venezuela, Chile indicam outras perspectivas. E qual o papel mesmo do Brasil nesse xadrez? Parceiro ou imperador?

Há um outro diferencial das edições anteriores do FSM, a presença dos representantes de Estado do continente. Positivo? Palanque?

Eis a nona versão do FSM na Amazônia. O vasto território rico em recursos hídricos, terra e os recursos nela cravados e uma pujante biodiversidade, mobiliza os mais variados interesses e debates dentro e fora da região dos mais diversos segmentos.

O FSM é realizado em Belém. A capital do segundo estado em extensão territorial do país é uma cidade que inchou sufocando seus rios e igarapés. Um milhão e meio de pessoas é a população estimada, em condições de moradia consideradas no limite da humanidade.

Chove nesses dias de FSM. As baixadas (favelas) é a parte que mais padece. Todo ano a mesma história. Como os desmoronamentos de morros nas ditas metrópoles do país. Assim como se repete a saga dos desabrigados em Santarém, oeste do estado e no município de Marabá, a sudeste.

Belém, próxima de completar 400 anos é quase uma ilha. Os rios Pará e Guamá e um mundo de afluentes formam a baía do Guajará. As capitais e as médias cidades da Amazônia do Brasil já concentram a maioria da população. O que não implica o rompimento das mesmas com o universo rural. A cidade tem o cheiro e a cor de negros e índios em suas raízes.

Mas, somos tão periferia assim, que nem mesmo os ditos espaços de comunicação da esquerda não nos dão ouvido fora de um plano de mobilização internacional como o FSM?

Aqui, ainda que um caleidoscópio de movimentos sociais seja vasto, não se consegue afinar a viola e tratar a comunicação como algo estratégico e nem mesmo se consolida um portal para servir de abrigo sobre as experiências exitosas e as denúncias de violações dos direitos humanos.

O FSM pode ser uma possibilidade? Ou ficará tudo como dantes no castelo de Abrantes, cada um em seu escaninho numa corrida desenfreada por financiador?

No segundo dia dedicado ao FSM, 28, uma parte das amazônias da Pan-Amazônia, que engloba nove países (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, além da Guiana Francesa), mobilizará esforços para debater os dilemas da região. Governo, sociedade, modelo de desenvolvimento e Estado estão na berlinda.

Quais os desenvolvimentos possíveis para a região? E em nosso quintal, como equacionar a ação do Estado, ainda o principal indutor da economia numa política que cimenta trilhas já surradas, onde os passivos são socializados e os louros gozados em terras distantes?

Como será possível escapar da condição colonial de exportador de matéria prima e produtos semi-elaborados com apenas 1% do investimento em pesquisa de um esquálido recurso? O professor Gadotti costuma salientar que o processo do capital na Amazônia é um atentado contra a razão. Continuaremos no mesmo diapasão?

Para onde se lança olhos no território do Pará nota-se situações de conflito entre fazendeiros, grandes corporações e as populações tratadas como originárias. Na região do Marajó quilombolas são ameaçados pelo fazendeiro Liberato de Castro e a família Condurú, proprietária de cartório em Belém. Quilombolas também são ameaçados pelo mineroduto da Vale no município de Mojú e em Juriti a peleja é com a ALCOA, empresa americana do setor de alumínio.

No Xingu a construção de Belo Monte coloca em lados opostos indígenas e megas corporações. No Tapajós as tensões residem sobre a monocultura da soja da Cargil e camponeses, sem falar nas barragens projetadas. E assim vai.....Vamos? Para onde?

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Mais uma ameaça para o funcionalismo


O ano de 2009 começa apresentando inúmeros desafios aos trabalhadores das universidades. E um dos “tenebrosos” é volta da proposta de extinção do regime jurídico único na administração pública, que já havia sido aprovada na Câmara como Emenda Constitucional 19, em 1998, criando inclusive o chamado emprego público, que, na prática era a contratação sem concurso pela CLT. Essa lei acabou sendo abortada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2007, por conta de problemas de ordem regimental. A alegação era de que não havia sido respeitado o quorum mínimo para a aprovação. O fato é que isso caiu.

Pois, no ano passado o deputado Eduardo Valverde, do PT de Rondônia apresentou no mês de novembro uma nova PEC, que leva o número 306/08, que apresenta outra vez a proposta de extinção do regime jurídico único na administração pública. Passando essa emenda os servidores públicos poderão ser contratados pela CLT ou pelo regime estatutário que abrangeria apenas as chamadas carreiras típicas do estado, tais como as da Justiça e da Diplomacia.

A idéia do deputado visa dar solução à situação dos trabalhadores que foram contratados via emprego público durante o tempo em que esteve em vigência a EC 19. Singelo! Na verdade, o que o deputado petista quer provar é que a administração pública pode e deve funcionar como uma empresa privada, ajeitando as coisas para quando tudo ficar na mão das Fundações Estatais. É tudo muito orquestradinho, e vai se fazendo devagar, pelas beiras, sem muito alarde.
Valverde, no melhor estilo rançoso do neoliberalismo agonizante afirma que "é necessária a flexibilização do regime das relações de trabalho firmadas com a administração pública".
Assim, enquanto em alguns países da América Latina os novos governantes vão aprofundando mudanças estruturais significativas que acabam de vez com o perfil neoliberal que tomava conta do continente, aqui, os petistas insistem na forma velha de gerir o público. Não conseguem ver que esta prática de privatizar tudo o que é público já faliu de vez. No rumo do atraso, o deputado petista insiste, usando as palavras-chave do velho regime: “a mudança otimizará as contratações pelo administrador nas hipóteses que demandam prestação de serviços não permanentes, compatibilizando os gastos em folha com uma eventual mudança na necessidade daquele serviço à população”. Trágico.

O fato é que esta “singela” vontade do deputado Valverde balança com toda a estrutura do serviço público e, ao que parece, a turma ainda está anestesiada pelos ganhos conseguidos com as últimas lutas que, ainda sendo poucos, conseguem calar uma boa parcela das categorias.

O lulinha paz e amor segue com altos índices de aprovação. Enquanto isso seus companheiros de partido vão atacando pelos flancos. O mês de janeiro é um tempo de férias nas universidades, fevereiro ainda não chegou e o carnaval está longe. Vamos torcer para que o povo não espere março chegar para abrir os olhos, porque enquanto as gentes cumprem seu merecido descanso, os dirigentes dos sacos de maldade seguem a todo vapor. É por isso que eu sempre digo, na vida sindical não há tempo para o descanso. Quem opta por este caminho tem de saber que aqui não é a Guerra de Tróia, onde os guerreiros acordavam entre si os momentos de trégua para descansar. Aqui é a luta de classes do capitalismo selvagem. Não há tempo para torrar ao sol.


quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O aumento da tarifa é abuso do direito



Já vai longe a Revolta da Catraca, quando, em 2004, na cidade de Florianópolis, as gentes decidiram se rebelar contra o aumento das tarifas de ônibus. Naqueles dias, quem não lembra, a polícia baixou valendo no povo sob o seguinte argumento: aquela massa de desvalidos, os que são obrigados a usar o transporte coletivo, estava atentando contra a ordem pública. E assim foi como os meios de comunicação se referiram aos lutadores. Eram os baderneiros, os desordeiros, atentando contra o direito de ir-e-vir. Muitos foram presos e respondem processos até hoje.

Pois nestes dias de sol forte, de um janeiro doido, fomos surpreendidos com mais um aumento de tarifas. Agora, para irmos trabalhar e fazer mover a roda do capital, precisamos pagar 2,10, isso quem tem cartão. Quem não tem terá de desembolsar absurdos 2,70. Agora vejam: uma família que seja formada por um casal e dois filhos vai gastar mais de 500 reais em passagem. Isso se resumir sua vida a ir e voltar do trabalho. Nada destas coisas “anti-produtivas” como ir almoçar em casa, ou passear, ou ir à praia, ao cinema, por exemplo. Não, só para trabalhar, vai entregar aos empresários do transporte 500 reais. Parece uma coisa surreal. A gente paga para trabalhar. E mais, paga adiantado. Essa gente nunca perde.

Procurei indignação nas gentes, mas não encontrei. Nas filas, o povo segue com sua cara triste, amansado pela máquina de moer ideológica que diz: aceitem, aceitem, aceitem, é assim mesmo. Agora começou mais uma novela da Globo, melhor ficar em casa e acreditar que a pobreza da gente é digna, afinal, ali na novela, pobre toma suco de laranja no café da manhã.

Então, depois de ouvir o Dário Berger dizer na TV que o aumento da tarifa é um direito dos empresários, fui buscar algumas coisa na área do direito para ver se ele estava certo. Então, num trabalho do historiador argentino Alejandro Olmos, encontrei uma doutrina que fala do abuso do direito. Diz essa doutrina que os direitos nunca são absolutos e que o exercício das faculdades que surgem da lei devem efetuar-se em função do espírito que anima a própria lei. Um dos elementos que caracteriza o abuso do direito é a intencionalidade de prejudicar; ou seja, quando existe um fazer doloso ou culposo no sujeito, mas também quando sua ação excede os limites impostos pela boa fé, a moral e os bons costumes.

Diz Alejandro que um dos antecedentes é uma lei prussiana de 1794, na qual se impunha a obrigação de ressarcir o dano “quando das circunstâncias resultar de modo inequívoco que entre as várias formas de usar o direito se optou pela mais prejudicial” estabelecendo ainda que “ninguém pode abusar de sua propriedade para ofender ou prejudicar a outro”. Ó, isso é importante.

Também o Código Civil alemão estabelece em seu parágrafo 226 que “não se permitirá exercer um direito quando seu exercício somente tenha por objetivo prejudicar o outro”. Bueno, e por aí vai.

Fiquei pensando, será que esse aumento da tarifa do ônibus não é um abuso do direito? Não está nesse aumento a intenção clara de prejudicar os trabalhadores, visto que eles já não têm salário digno e ainda terão de desembolsar mais para ir gerar lucro ao patrão?

Diz ainda o Código Civil da Grécia de 1941 no artigo 281: “o exercício de um direito está proibido se sobre passa manifestamente os limites impostos pela boa fé ou os bons costumes, ou pelo fim social e econômico deste direito”. Na Tchecoslováquia diz o direito: "Nenhuma pessoa pode abusar de seus direitos em prejuízo dos interesses da sociedade ou de seus concidadãos; não pode enriquecer-se em detrimento deles".

Pronto: esse último é supimpa. Então, se a doutrina do direito internacional estabelece que ninguém pode enriquecer em detrimento dos interesses da sociedade, vamos usar isso aí a nosso favor. Que tal, não é incrível?

Ah, tá... Esqueci. A justiça brasileira tem os olhos vendados para nós. Bueno, então resta a luta! Vamos a ela!

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Esperando um menino


Eu confesso. Gosto de ler a bíblia. Acho um livro fantástico, quase que uma grande reportagem sobre a história de um povo. É fascinante. Uma das histórias das que gosto muito é do menino Davi vencendo o gigante Golias. Aterrado diante de um homem grande, o exército de Israel se acovarda na guerra contra os filisteus. Seus homens tremem e paralisam. Até que um guri, com uma prosaica funda, se adianta e diz: vou pegar esse gajo! E assim faz. Com a força de sua mão, joga a pedra no meio da cabeça do gigante e ele tomba. Mais tarde, Davi torna-se rei daquele povo, que conheceremos como judeu.
Hoje, vendo a TV julguei ver Golias. Não era mais filisteu. Havia assumido a face daquele que lhe vencera há milênios. Ali estava diante das portas de Gaza, com todo o seu poder. O gigante acossando um povo indefeso. Tal como um daqueles monstros de filme japonês, este Golias avança sobre os palestinos com um dos mais poderosos exércitos da terra. Pasma, ouço os locutores falarem dos ataques do Hamas. Para William Bonner e os demais títeres da mídia cortesã, quem está agredindo é a Palestina. “Mais um ataque contra Israel”. É assim. Seria para rir se não estivéssemos num palco de horror.
O governo de Israel é o Golias redivivo. Sabe de seu poder e avança, roubando terras, roubando vidas. Estoura as cabeças das mulheres, que carregam crianças. Arrebenta crianças, que buscam as mães. Aniquila a juventude palestina, esperando que esta gente se acabe. Destrói casas, deixa almas em escombros.Espero a ação dos governantes da terra.
Espero o embargo, o bloqueio, e nada. Penso em Cuba, embargada desde há 50 anos por querer ser livre. Contra a ilha socialista a coisa funciona. E este Golias que baba sangue, por que não é parado? Por que se calam as gentes? Por que gritam apenas os que não têm poder? Por que se omitem os grandes da terra? Como podem permitir que isso prossiga?
Na tela de luz encontro os olhos de um menino. Está impávido. Não tem medo. Nesta história enviesada ele é Davi. Tem uma funda e uma pedra. Só ele pode parar o gigante opressor.. A sua volta jazem os mortos, o vermelho do sangue encharca a terra. Crianças mutiladas, homens destroçados. E ele segue de olhos vidrados. Já não espero governantes, poderosos, grandes da terra. Eu sinto vontade de um desses guris palestinos que parecem “imorríveis”. Porque ao que parece, quanto mais deles tombam, outros tantos se levantam.
Um dia, naquelas terras, um guri judeu venceu o filisteu, que nada mais era do que a raiz da Palestina. Falastin. Mas, hoje, os guris estão do lado filisteu. A história e suas voltas. A samsara. Nós aqui gritamos, do alto de nossa impotência. Os grandes dormem. Deles nada virá. São vocês, pequenos filhos da palestina que, sozinhos, com suas pedras, hão de vencer essa criminosa ocupação que vem desde 1947. Você estão aí morrendo, lutando. E eu, tão longe, ainda que abomine a guerra, só posso esperar que vocês, tal qual aquele Davi, tenham boa pontaria.

sábado, 10 de janeiro de 2009

Um homem bom


É bonito de ver quando um homem faz aquilo que Jesus ensinou: reparte o que tem em vez de dar o que sobra. Esta última uma opção burguesa que equivale à musculação de consciência. Já a primeira é coisa de gente especial. Foi assim com o seu Flávio dia desses. Ele é um homem que está morando ao lado da minha casa num pequeno barraco de madeira que serve de apoio a uma construção. Devagar, ali naquele pequeno espaço, seu Flávio constrói um lar. Não sei precisar sua idade, por certo menor do que a que aparece no rosto curtido de sol, resultado da labuta como pedreiro. Mas, é lépido, ágil e gosta de encerrar o dia com um pequeno prazer: desfrutar a cerveja bem gelada à sombra da árvore que enfeita o quintal.

Como a chuva não pára desde setembro a obra demorou mais do que o esperado e ele acabou fazendo amizade com os vizinhos do lado, guris novos, recém acertando as asas dos primeiros vôos. E, apesar da diferença de idade eles acabaram estabelecendo parcerias, compartilhando uma carne assada, uma gelada, um dia de chuva, uma tarde de sol. Então, os dois guris, que espichavam os olhos para a casa que crescia sob as mãos de Flávio, inventaram de fazer uma calçada no próprio lar. Coisa de garoto, metido a inventar. Tímidos, arriscaram um pedido de ajuda ao experiente pedreiro, certos de que não é coisa fácil alguém ensinar seu fazer. Mas não o Flávio.

No cair da tarde ele veio e, tranqüilo como um velho professor, foi ensinando passo a passo como fazer a guia, como colocar as tábuas, fazer a medição, misturar a massa. E, os dois guris, alegres e ávidos, foram sorvendo o saber generosamente ofertado. Assim, o pôr-do-sol daquele dezembro marcou uma destas cenas mágicas. Uma cena simples na qual um homem bom, sem medo de perder, deu aquilo que tem: a sabedoria de construir mundos. Parado à beira da obra, sem camisa, mostrando o corpinho magro, ele comandava o serviço enquanto os guris acertavam o cimento. Fez-se um gigante, imenso na generosidade, como poucos nesse mundo cão conseguem ser.

Ali, parada, olhando aquele quadro de solidariedade, amizade e entrega, eu sorri. Ainda é possível se ser feliz nesse mundão velho. Porque existem homens como o Flávio e guris querendo aprender. Na noite que adentrava ouvi os risos e os sons das colheres, retrato seguro da felicidade. E, no dia seguinte, ao sol do meio dia, havia duas obras: uma calçada e um momento único de humanidade. Seu Flávio e os guris sorviam cerveja gelada ao sol... Estava acabado!