quarta-feira, 20 de agosto de 2008

As FARC e as ligações com o Brasil

Ventilam em toda imprensa brasileira informações sobre supostas ligações do governo de Lula com as FARC, na Colômbia. Aparecem nomes como o de José Dirceu, o chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, e até o ministro Celso Amorim. As informações, requentadas por jornalistas brasileiros, foram divulgadas pela revista colombiana Cambio, do grupo editorial El Tiempo, que tem entre seus diretores membros da família do atual Ministro da Defesa da Colômbia, Juan Manuel Santos. O ministro é o mesmo que deu em primeira mão, para o jornal El Tiempo, também da sua família, a informação de que haviam confiscado o computador pessoal de Raul Reyes, do ataque no qual o mesmo resultou morto. Desde então, este super computador tem servido de cornucópia de informações sobre praticamente todos os inimigos da política estadunidense que, por incrível coincidência, estavam listado na máquina do guerrilheiro.

É importante lembrar que as Forças Armadas Colombianas formam um grupo insurgente e popular que luta pela soberania daquele país desde os anos 60, quando em toda a América Latina pipocaram dezenas de movimentos de libertação. Alguns deles foram vitoriosos, como o caso dos sandinistas na Nicarágua, outros foram sendo destruídos pelas forças dos governos ditatoriais em parceria com mercenários estadunidenses. As FARCs vem resistindo a todos os embates com os governos de seu país e ao complexo e anti-nacional Plano Colômbia fechado em Washington por dirigentes colombianos, em 1992. Já o grupo editorial El Tiempo é formado por poderosos grupos da oligarquia que sempre esteve no poder na Colômbia, controlando a maioria dos meios de comunicação que funcionam como usinas ideológicas a serviço do status quo. Logo, fica bastante difícil confiar nas informações que são divulgadas pelos seus veículos, sejam eles impressos, televisivos, radiofônicos ou distribuídos na internet. Pior ainda se a fonte for o ministro do governo Uribe, que é filho do editor do jornal e digno representante da elite colombiana.

Assim, é totalmente inverossímil que alguns jornalistas, ditos sérios, possam cair no conto de que estas “supostas ligações” tenham sido descobertas no computador de Raul Reyes, o líder guerrilheiro assassinado pelas forças colombianas no território do Equador. E acaba sendo surpreendente perceber que poucos “escribas” nacionais falem sobre a ação criminosa de Álvaro Uribe - invadindo um país soberano - mas desperdicem papel especulando sobre os famosos correios eletrônicos que Reyes teria em seu computador, e dos quais não se têm qualquer prova a não ser a palavra do ministro.

Raul Reyes era um intelectual, um homem das letras. Ele sabia muito bem que, na guerra, o elemento mais valioso é a informação. Sendo assim fica difícil acreditar que ele deixaria arquivado num computador todos os nomes e telefones de pessoas que possam ter algum dia ajudado a guerrilha. Também parece pouco provável que numa ação de guerra tão feroz como foi o ataque feito na selva equatoriana, apenas o computador “indestrutível” do líder das FARC sobraria intacto para que a inteligência colombiana pudesse descobrir os emails.

A história do computador de Raul Reyes, que armazenava correios desde a metade dos anos 90, quando a Internet ainda era um instrumento quase que exclusivamente acadêmico, é tão espetaculosa que só mesmo num livro de Garcia Marques poderia ser verossímil. Ao que parece pelo menos isso os militares colombianos têm de bom. Conhecem muito bem o realismo fantástico de seu compatriota e supõe que: se Macondo é possível, porque não um “super/mega/power computador” e um líder néscio o suficiente para registrar tudo em detalhes? Também é importante ressaltar que a Interpol, que supostamente teria conseguido recuperar as informações, violou todas as regras de investigação comumente definidas para este tipo de questão, tornando igualmente pouco crível a história.

O fato é que toda a história de computador, ligações perigosas e terrorismo é uma ação ideológica do estado colombiano para desviar a atenção daquilo que verdadeiramente importa, ou seja, a crescente ocupação do território colombiano por marines estadunidenses que buscam dar fim às lutas de libertação popular em vigor desde o final dos anos 60.

Para melhor compreender o que são as FARC é preciso voltar no tempo e estudar a história da Colômbia. Um país que entrou em convulsão social no ano de 1948 deixando sua população totalmente desprotegida diante da barbárie. Por conta disso as comunidades precisaram se armar para defender suas vidas e seus lares. Como os governos que se sucederam não atacaram as causas da violência endêmica, alguns grupos, alinhados politicamente com as idéias de socialismo e libertação, principiaram um processo revolucionário e desde então vêm lutando no país. A questão do narcotráfico apareceu muito depois e sempre teve o apoio da inteligência estadunidense, porque desta forma poderia ser um bom motivo para levar a cabo o processo de ocupação do país.

A Colômbia é um país que, ocupado pelos marines, serve como porta de entrada para uma das maiores riquezas do planeta: a região amazônica. Daí o interesse estratégico dos governos estadunidenses. Quando em 1999 o presidente colombiano Andrés Pastrana foi a Washington com um projeto de combate ao tráfico de cocaína, este projeto foi totalmente remodelado pelos assessores do presidente Clinton – de olho na Amazônia - e é nesta época que se inicia a ocupação militar estrangeira no país. Os grupos armados, de natureza socialista, como as FARC e o Exército de Libertação Nacional (ELN), o que têm feito é lutar para que a soberania do povo colombiano seja recuperada. É certo que a guerrilha, passados mais de 40 anos de luta renhida, está fragmentada e muitas são as correntes de pensamento e ação dentro dos grupos insurretos, mas isso não os torna terroristas ou narcotraficantes.

O tráfico de drogas existe, é real, e tem ramificações poderosas em todos os setores da sociedade colombiana, inclusive junto aos paramilitares, nas fileiras governamentais e no poder judiciário. Nem mesmo o presidente do país escapa das capilares malhas. O jornal estadunidense New York Times divulgou em 02 de agosto de 2004 -
(
http://query.nytimes.com/gst/fullpage.html?res=9507E3DF163CF931A3575BC0A9629C8B63) - uma reportagem na qual mostra o atual presidente Álvaro Uribe como um dos integrantes da lista (blacklist) dos implicados com o narcotráfico, feita pelo poderoso Departamento de Combate a Drogas dos Estados Unidos. A matéria fala de Uribe como sendo uma pessoa muito próxima de Pablo Escobar, o famoso narcotraficante que consolidou o papel da Colômbia como uma dos maiores produtores de cocaína do mundo. Portanto, imputar às FARC ou a ELN o rótulo de terroristas e traficantes nada mais é do que inverter a lógica, trocar os papéis.

A ação militar que se leva a cabo hoje na Colômbia, com o uso ilegal de mercenários a soldo estadunidense, esta sim é terrorista. É o chamado terrorismo de estado, perpetrado pelo próprio governo. Ao povo, resta a defesa e aí, as guerrilhas são a mais clara expressão desta defesa. Porque essa gente luta por uma Colômbia livre, soberana e capaz de gerir seus próprios problemas, sem precisar da intervenção do exército estadunidense e muito menos dos assassinos paramilitares. Agora, daí a crer que estas informações sobre pessoas da esquerda do mundo todo estejam saindo do computador sobrevivente do bombardeio clínico efetuado por soldados dos Estados Unidos, já é muito realismo mágico para nossas cabeças de simples mortais. Seria bom que os jornalistas cortesãos pudessem estudar mais. Porque dizer isso ou é completo desconhecimento da história, ou o pior, é ser agente de propaganda de um sistema falido e comprovadamente criminoso.

Se todas estas informações que o jornal do pai do ministro diz que foram encontradas no computador de Raul Reyes são reais e verdadeiras, porque o governo de Álvaro Uribe não encaminha um relatório completo e oficial a todos os países integrantes da OEA? Essa seria sua primeira obrigação. Mas, o que se vê é um governo dirigir sua política externa a partir de chantagens, nominando esta ou aquela liderança latino-americana, de preferência as que incomodam ao sistema, e acusando-as, sem qualquer prova, de terrorismo ou de co-participação nos processo de guerrilha. Quem em sã consciência pode crer num governo que usa o terrorismo de estado, que apóia mercenários, e que faz acusações a partir de um computador que ninguém viu? Não será ele filho da mesma escola que inventou provas inexistentes de armas químicas no Iraque?

Os jornalistas deveriam ser um pouco mais perguntadores, como ensinava o grande Marcos Faermann.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Mahmud: imortal!



“Venham companheiros de correntes e tristezas
Caminhemos para a mais bela margem
Nós não nos submeteremos
Só podemos perder
O ataúde”.

Ele era assim. Essa voz poderosa chamando para a revolução. Queria ver seu povo livre, soberano, feliz. Queria de volta a sua Palestina, não como concessão de algum político bonzinho, mas porque esse é o direito do povo, usurpado em 1948 pela criação do Estado de Israel. Mahmud Darwish, poeta, guerreiro, anjo, criança, renitente, insistente. Encantou no último sábado (dia 9) quando seu coração, pesado de tanta dor, deixou de bater. Mas, enganam-se aqueles que pensam que Mahmud vivia por conta de seu coração. Não. Ele vivia pelas palavras que criava, pelas construções poéticas que erguia e, estas, nunca haverão de morrer.

Ninguém disse nada, mas quando os olhos de Mahmud apagaram para este mundo, abriram-se para a velha aldeia onde nasceu, Al Barwua, de onde sua família foi expulsa pelas armas de Israel. Um lugar que não existe mais, a não ser nos sonhos do menino que nunca a esqueceu. Encravado no coração da Galiléia, o povoado é hoje um acampamento judeu. Mas, para Mahmud sempre foi seu torrão natal, seu ninho. E é possivelmente lá que agora ele passeia, entre as oliveiras.

“Registra-me
Sou árabe
O número de minha identidade é cinqüenta mil
Tenho oito filhos
E o nono... virá logo depois do verão
Vais te irritar por acaso?”

Mahmud foi o poeta palestino que de forma mais radical imortalizou a dor e a luta de seu povo. Até porque nunca se limitou a ser apenas um escrevinhador. Era um animal político, absolutamente conectado com as ações e com a vida real. Seu canto poético brotava das vísceras à mostra, do homem pé-no-chão, do palestino encarcerado, do humano grávido de esperanças. Suas palavras nunca foram criações estéticas. Eram o gume cortante de uma vida real, expressa em sangue e lágrimas. Seu poema nos arranca da apatia e nos convida a lutar, concretamente.

“Ainda verte a fonte do crime.
Obstruam-na!
E permaneçam vigilantes
Prontos para o combate”

Pois agora a mão que rasgava em fogo o papel com o grito da Palestina ocupada já não escreverá mais. Mas precisa? Seu canto de liberdade está cravado na terra fértil dos corações que sonham com o ainda-não, e dali nunca fugirão. Mahmud passeia em Al Barwa. Mahmud passeia nas terras antigas, onde vivia uma gente livre. Mahmud passeia nas cabeças das gentes e grita, com elas. Mahmud imortal, imenso, menino, homem, pura vontade de ser aquilo que sempre foi: palestino, livre, soberano. Porque a liberdade, afinal, vive lá dentro, no profundo do humano. Mahmud! Presente! Sua alma imortal dançará no dia da vitória!

“selvagens... árabes”sim!
Árabes
e estamos orgulhosos
e sabemos como empunhar a foice
como resistir
inclusive sem armas
e sabemos como construir
a fábrica moderna
a casa
o hospital
a escola
a bomba”

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

sorriso de deus

E então a natureza nos convida a ser feliz...

“Se é pra cachaça, não dou!”


Eu sou uma observadora das ruas. Gosto de ficar parada, olhando como as pessoas se comportam, e existe uma situação que me incomoda demais. É a postura dos motoristas quando pessoas empobrecidas pedem uns trocados nos sinais de trânsito. É batata. Nove em cada dez não dão moedas para o povo pobre. No mais das vezes fecham a cara e acabam de cerrar os vidros para sequer ouvirem a súplica. Outro dia perguntei a um cara porque ele não dava dinheiro e ele respondeu de forma ríspida: “isso é pra tomar cachaça”. E, claro, como um bom pequeno burguês ele tinha de dar lição de moral. Cachaça para gente empobrecida é coisa nefasta. Uísque no final da tarde não, mas cana? Por que afinal, esse povo não vai trabalhar?

Pois no início de semestre aqui na universidade federal eu vejo cenas semelhantes acontecerem. Garotos e garotas idiotas, que se submetem aos trotes - mais idiotas ainda - ficam nos sinais de trânsito pedindo trocados. Todo ano a cena se repete apesar de o trote ser proibido. Pois é incrível como a postura dos motoristas muda. Nove em cada dez abrem o vidro, sorridentes, e buscam rapidamente as moedas nos bolsos ou no porta-luvas. Entregam o dinheiro, felizes, e ainda fazem piadinhas inocentes. “São os universitários, tão bonitinhos”. Perfeito! Para as garotas de rosto corado e garotos criados a toddy não há problema nenhum em dar dinheiro. São estudantes vivenciando o trote. Mas, para os feios, sujos e malvados, ah..não! Esses vão beber cachaça.

Mas, se os motoristas imbecis não sabem, os trocados que eles tão alegremente dão aos idiotas que se submetem ao trote, vão parar todinhos na caixa registradora do Bar da Nina, onde os veteranos ficam enchendo a cara de cerveja às custas do trabalho de pedintes dos calouros. Ah tá, mas tudo bem. São estudantes. Podem encher os cornos à vontade. Os empobrecidos não. Estes têm de enfrentar a miséria, a humilhação, o nojo, de cara!

Não é sem razão que abomino a classe média, essa raça intermediária que sonha em ser burguesa e vive arrotando caviar apesar de comer cardosinhas. É uma gente que não tem compaixão, não tem consciência de classe, não se acha trabalhador e pensa que estará sempre livre da miséria. Mal sabem que no mundo capitalista para que possam viver à larga, outro tem de morrer. E seguem, com os vidros fechados, torcendo o nariz para a pobreza. Até que ela os encontre...

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

O que é afinal, a autonomia?

A Bolívia está de novo a arder. Há dias de um referendo histórico, a direita e a ultra esquerda se unem em uma série de protestos, o que mostra quão difícil é fazer mudanças radicais na vida das gentes. A grande questão que divide os bolivianos hoje é a da autonomia. Com a decisão da nova Constituição de estabelecer a autonomia para as comunidades indígenas, a elite branca das regiões mais ricas do país decidiu que também quer autonomia. Mas, afinal, o que diferencia uma autonomia (a dos povos originários) da que quer a elite branca? Talvez esse seja o nó que precisa ser compreendido e que quase ninguém explica.

Sem qualquer sombra de dúvida, o pano de fundo de toda essa guerra passa pela questão étnica, mas não só no que diz respeito ao aspecto cultural, folclórico. O problema é, fundamentalmente, político e econômico. Pois então vamos trilhar os caminhos da história para chegarmos até os conflitos de hoje.

Desde a invasão espanhola que os povos originários, vencidos, foram relegados a condição de gente de segunda classe. Por terem uma organização da vida completamente diferente da que foi trazida e imposta pelos invasores, sempre foram tachados de preguiçosos, inúteis, sub-raça, etc... Mesmo entre parte daqueles que se dizem seus defensores este mito subsiste e não é à toa que as idéias que hegemonizam as políticas indigenistas ou são integracionistas ou de isolamento tutelado.

O mexicano Hector Diaz-Polanco, num livro bastante revelador chamado “La cuestión étnico-nacional” dá uma visão clara destas correntes que hoje disputam as mentes e os corações das nações. A primeira delas é a da integração. Nesta, a idéia que vigora é a da completa irrelevância do modo de vida dos povos originários. Sua organização política, econômica e produtiva é considerada primitiva, atrasada, sem chance de vingar no mundo capitalista. Então, a melhor saída é a integração. Os originários adentram ao mundo branco, capitalista, e podem disputar um lugar ao sol na senda do progresso. Nada mais que a mesma lógica colonial na qual o que é diferente precisa ser eliminado. Já a outra corrente busca o isolamento dos povos em mundos idealizados e tutelados. O modo de vida dos povos autóctones é visto como algo a ser preservado e a ênfase fica calcada na questão cultural. Garante-se reservas protegidas pelo Estado e ali, os povos originários podem ser o que são, sem se contaminar pelo mundo capitalista.

Na verdade, tanto uma como a outra desconsidera e reduz o mundo originário. Uma como negação e a outra como idealização. As gentes autóctones, por mais segregadas que estejam em reservas protegidas, estão definitivamente mergulhados no mundo real, multi-étnico e multi-cultural do agora. A América Latina é hoje um espaço mestiço, misturado, de brancos, negros, originários, amarelos e azuis, regidos pelo sistema capitalista. Todas estas etnias reivindicam o direito de serem livres e autônomas, de construírem por si mesmas, neste espaço geográfico comum, em comunhão, a vida mesma. Pois é aí que entra o debate sobre autonomia.

A autonomia dos povos autóctones

Desde os anos 70 que a América Latina vem apresentando um movimento profundo das etnias subjugadas ao longo destes 500 anos. Encontros, congresso, debates e rodas de conversas foram se produzindo nas entranhas do continente envolvendo os povos originários e suas demandas. Eles saiam das sombras e passavam a reivindicar autonomia. O grande divisor de águas, foi, sem dúvida, o levante zapatista no México em 1994, fato que impulsionou toda uma retomada das lutas autóctones. Quando alguns autores vaticinavam o fim de todas as utopias, os chiapanecos, armados, tomavam cidades e lançavam seu grito: “Ya basta!”

Mas, então, o que é essa autonomia reivindicada pelos povos originários? Até onde ela ameaça realmente a idéia de Estado-nação? Até que ponto significa a balcanização do continente? Bom, no que diz respeito à maioria destes povos em luta, em nenhum sentido. A proposta dos zapatistas não é de destruir o México, ou separar-se do estado. É garantir ao seu povo, que conspira de uma outra forma de organizar a vida, o direito de fazê-la. É, na verdade, uma proposta que se contrapõe ao modo de produção capitalista e que busca a construção de outras experiências. É, principalmente, a tentativa de destruição desta forma de vida – o capitalismo - em que para que um viva outro precise morrer. A autonomia reivindicada pelos povos originários é a que lhes garanta o direito de organizar a vida do jeito que acreditam ser melhor, o que não significa retomar de forma acrítica o passado, mas de preservar aquilo que do passado pode ser preservado e avançar ainda mais no processo de construção de um mundo bom de viver, no qual possam estar em harmonia e igualdade de direitos com as demais etnias.

Por que então, esta proposta de autonomia é diferente da que quer a elite branca de Santa Cruz? Por que esta não reivindica separação. Esta quer o direito de autodeterminação que está em todos os documentos internacionais, que é o centro da doutrina Truman, que é o que cada nação reivindica para si. Porque os povos originários são aquilo que Lênin chamaria de “nações oprimidas”, ou seja, não têm direito a vida política e econômica dos seus países, são tutelados. E os ricos de Santa Cruz, desde quando não têm direitos? Desde quando são oprimidos? Pois nunca passaram por isso. Sempre foram os que mandaram na Bolívia e agora não querem saber de dividir o poder num espaço pluri-nacional.

É aí que parte da esquerda também se equivoca, ao unir suas forças contra a idéia do estado pluri-nacional, contra a autonomia dos povos originários. É quando mostra sua faceta racista, incapaz de perceber que as gentes autóctones também estão colocadas na condição de classe oprimida, portanto, parceiras na luta contra o capital. Este deveria ser o trabalho da verdadeira esquerda: juntar forças, estabelecer parcerias, unificar as lutas. Ao atuar na direção da garantia da autodeterminação e autonomia dos povos originários os trabalhadores organizados poderiam aumentar suas fileiras com aqueles que hoje estão fazendo as lutas mais esganiçadas na defesa dos recursos naturais e pela soberania dos povos. Exceto alguns grupos absolutamente minoritários, os povos originários de todo o continente não têm entre suas consignas a idéia de separação. O que querem é o direito de atuar politicamente no país e de garantir sua especificidade no jeito de organizar a vida.

É mais do que óbvio que isso constitui um problema para os governantes e para a maioria da população que está incluída no modo de produção capitalista. Mas este é o desafio a vencer. Estas são as batalhas para serem travadas agora. As de construção de um outro tipo de nação, capaz de garantir verdadeiramente direitos iguais a todos e não apenas a alguns, como tem sido. Conviver com a diferença, respeitar o outro e fundamentalmente fundar um novo modo de viver, esta é a proposta. Um modo de viver construído “desde abajo”, por aqueles que sempre estiveram à margem, excluídos da vida digna. Um modo de viver que não seja a inclusão no sistema que aí está, mas que permita o desalojamento de todas estas verdades cristalizadas de que o capitalismo é o melhor dos mundos. Neste mundo novo, anti-capitalista e anti-sistêmicos os autonomistas de Santa Cruz não querem viver. Por isso querem outra nação, por isso querem se separar. Eles não cabem no mundo novo. Mas a Bolívia é mais do que a elite predadora e vai ter de superar seus desafios.

É certo também que o governo de Evo Morales tem lá seus problemas e muitos são seus erros e equívocos, mas o que não dá para negar é que se está tentando revolver a velha forma de vida. E na comunhão com a maioria oprimida. Esse é um bônus que não dá para descartar. Os trabalhadores explorados, os informais, os mineiros, os brancos pobres, os amarelos, os azuis, todos aqueles que conformam a classe trabalhadora da Bolívia deveriam aceitar esse desafio. E fazer história, construindo um jeito novo de viver.


sexta-feira, 25 de julho de 2008

Que venha um ano de alegria


Dia fora do tempo


Quando a Europa ainda estava mergulhada na feiúra do tempo feudal, aqui, na nossa Abya Yala (hoje América Latina) já viviam povos prósperos e de vida plena, tais como os incas, astecas e maias. Estes últimos conheciam a astronomia e tinham um calendário bastante complexo. Nele, também existem os mesmos 365 dias, tal e qual o calendário gregoriano que é assumido hoje por grande parte da humanidade. Mas, a contagem do tempo baseia-se em 13 ciclos lunares de 28 dias por ano solar, perfazendo 364 dias.

O dia 365 existe, mas é chamado de “Dia Fora do Tempo”, uma espécie de hiato entre o Ano Velho e o Ano Novo que começa, então, no dia 26 de julho. O dia fora do tempo é celebrado com festa e meditação. Os maias consideravam este dia como uma grande oportunidade para reciclar, recomeçar, recarregar as energias, libertar o que já não é mais preciso, agradecer por tudo o que foi recebido no período anterior, e prepara-se para o ano seguinte, sempre em completa harmonia com a natureza.

Hoje existe uma vasta tribo que vive segundo as vibrações do calendário Maia, é a chamada comunidade da paz, e é essa gente que se junta à ancestralidade dos maias para celebrar e conspirar por um novo tempo. É um povo que caminha pelas estradas secundárias, que professa um profundo amor pela natureza, que busca a harmonia com a vida que vive. Uma gente única, que bate tambores e compreende o som do coração da terra mãe, Pachamama. Neste dia 25, dia fora do tempo, recomeça um novo ciclo com o nascimento astronômico de Sirius, que se eleva no horizonte juntamente com o Sol, trazendo uma energia de limpeza e purificação interior, trabalhando corpo e alma. Este é um dia para se ficar em paz, em plena meditação, ligando a vida terrena com o Grande Espírito. É hora de ratificar a incrível lição dada pelo povo Apache que ensina que viver é caminhar na beleza.

O novo ano maia que começa neste dia 26 de julho leva o nome de Tormenta Elétrica Azul e os amantes da paz rezam e caminham, unidos, para construir a grande ponte do arco íris que levará a humanidade a um tempo novo, de alegria e riquezas repartidas. Enquanto os poderosos do mundo planejam a destruição em nome de seu egoísmo, gente há que vibra noutra onda, que trilha os caminhos do mundo grávida de solidariedade, liberdade, cooperação, beleza. É nesta tribo que descanso meu viver. Com eles, eu os convido a esse dia de purificação...

E que venha o ano novo!