sábado, 3 de janeiro de 2015

Rafael Correa insiste em despejar indígenas do prédio da CONAIE



Desde que as lideranças da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE) começaram suas críticas ao governo de Rafael Correa, ainda no primeiro mandato, muitos tem sido os conflitos envolvendo as forças oficiais e os indígenas. Até a metade do processo que definiu a nova Constituição os interesses pareciam semelhantes e o movimento indígena conseguiu aprovar muitas de suas demandas na nova carta. Entre muitas conquistas, ficou famoso o capítulo que reza sobre os direitos da natureza, uma reivindicação que nasceu das entranhas do mundo originário e que, de alguma forma, salvaguarda os recursos naturais. 

Mas, quando se iniciou o trabalho de regulamentação da Constituição, os desencontros começaram. E o primeiro deles se deu por conta da nova lei que regulamentaria a mineração no país. O governo optava por fazer-se cego diante dos direitos da natureza definidos na Constituição e dava garantias a grandes empresas estrangeiras para a exploração de minério, inclusive em terras comunitárias e com técnicas há muito banidas, como o uso do mercúrio. Foi o que bastou para que o movimento indígena se alçasse em rebelião. Correa negava todo o trabalho realizado ao longo do processo constitucional e se rendia à lógica do desenvolvimentismo baseado na exploração mineral. E ainda jogava a população contra o movimento indígena acusando-os de estarem contra o progresso. 

Outro fato que gerou conflitos foi a abertura de licitação para que empresas estrangeiras explorassem mais de 13 campos de petróleo na região amazônica. Com o mesmo discurso de que os índios atrapalhavam o desenvolvimento nacional, Correa vaticinava: “Basta do infantilismo de não ao petróleo e a mineração. Se não exploramos agora, o petróleo acaba em 10 anos”. De novo, a chantagem diante da luta dos povos originários. 

Desde aí, com a decisão irrevogável do governo em manter a proposta extrativista, a despeito das demandas indígenas, os protestos e marchas têm sido constantes. Os partidários de Correa seguem o bombardeio contra os indígenas, alegando, inclusive, que eles são manobrados pela direita. O que não é verdade. É fato que a direita tem se aproveitado dos conflitos, mas muito mais em função da truculência de Correa do que da luta dos povos indígenas. 

No rastro dessa queda de braço entre governo e indígenas, Rafael Correa decidiu, em dezembro de 2013, fechar a Universidade Intercultural das Nacionalidades e Povos Indígenas Amawtay Wasi, alegando que ela não se enquadrava nos novos rumos da educação. O governo insistia que a universidade, toda ela organizada dentro da cosmovisão indígena, se transformasse numa escola igual a todas as outras, de corte europeu. Os professores e alunos travaram longas batalhas de informação, mostrando ao governo e à população que a universidade intercultural tinha o direito de atuar de maneira diferenciada, inclusive para honrar a própria Constituição que garante a proposta de autonomia das comunidades indígenas. Mas, a batalha de Correa era muito mais contra os indígenas “rebeldes” que lhe faziam a crítica do que pela educação homogeneizada. E a universidade foi fechada, apesar de todos os protestos nacionais e internacionais. 

Agora, ao apagar das luzes de 2014, o governo desferiu mais um golpe nos movimentos indígenas organizados, exigindo a desocupação do prédio onde funciona a CONAIE, a Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador. O argumento é de que, como o prédio é do governo, cedido em comodato, ele tem todo o direito de requerê-lo de volta. Segundo as autoridades “surgiu uma necessidade imprevista e urgente”. O uso do prédio pelos indígenas se dá nos anos 80 quando é o organizado o Conselho Nacional de Coordenação das Nacionalidades Indígenas, um processo de levante do povo originário que iria desembocar num grande movimento reivindicatório que tem seu ápice no ano de 1990, com a ocupação de diversas igrejas em Quito.  E é justamente aí que a mobilização dá vida à CONAIE (Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador), então a signatária da carta de comodato. Esta entidade se configura no resultado efetivo deste movimento e se organiza hoje em comunidades, centros, federações e confederações de povos indígenas. 

Desde o Congresso de 1986, os povos originários do Equador tem mantido sua resolução de consolidar suas comunidades como espaço de luta, defesa da terra e do território originário, educação própria e bilíngue, recuperação e fortalecimento da identidade cultural dos povos indígenas, luta contra o colonialismo e a batalha sem quartel pela plurinacionalidade.

Atualmente a CONAIE, aglutina os seguintes povos e nacionalidades: Shuar, Achuar, Siona, Secoya, Cofàn, Waorani, Zapara, Shiwiar, Andoa e Kichuas na região amazônica. Os povos Tsachila, Epera, Chachi, Awa, Manta eWankavilka, na Costa e os de nacionalidade Kichua: Palta, Sarakuru, Kañari, Puruwà, Chibuleo, Tomabela, Salasaca, Kisapincha, Waranka, Kitukara, Kayampi, Otavalo, Karanki, Natabuela e Pastom na serra interandina. Todos estes povos se constituem de maneira autônoma.
Desde o anúncio do despejo, que o governo promete para o próximo dia seis de janeiro, movimentos populares e intelectuais de todo o mundo têm se manifestado junto ao presidente Rafael Correa para que não continue com essa ação de represália contra o movimento indígena, mas nada parece demover o mandatário equatoriano. O despejo está mantido.

Essa semana, o governo de Rafael Correa deu mais um passo no processo de tentativa de destruição da mobilização indígena chamando um encontro com outras organizações indígenas menores visando criar o que chama de Aliança Indígena pela Revolução Cidadã, obviamente submetida a uma razão de estado. E, na oportunidade anunciou, através do Ministério de Inclusão Social que utilizará a sede da CONAIE como um centro de recuperação de jovens drogados. 

O próprio presidente já declarou que não vai mais permitir que a CONAIE faça “uso político” do prédio onde está fincada desde há décadas. O que ele não diz para a nação é que foi a partir daquele prédio que se planejaram estratégias para a sua própria eleição, quando o movimento indígena, acreditando nas suas propostas, o apoiou. Hoje, como os indígenas estão fazendo a crítica ao seu projeto de desenvolvimento, o “uso político” parece não ser mais necessário. 

A próxima semana será de muita luta no Equador. 

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

O tempo não para




E eis que vem um ano novo, embora nada de novo venha... Nos tempos antigos, os povos celebravam a cada estação. Havia o tempo de plantar, de colher, de descansar e de amar. Em cada equinócio e solstício se dançava e festejava, cantando com os deuses, sempre muitos...

Então vieram outras crenças, outros modos de vida, veio a dominação da igreja, um deus único, as festas piedosas... As gentes esqueceram da alegria, a simples e doida alegria de se estar vivo.

Neste primeiro de ano eu desejo que todos possam recuperar essa antiga tradição, de se celebrar em cada momento da vida, de se cantar aos deuses, aos tantos deuses que por aí circulam no coração das gentes. Essas nossas divindades inventadas pelo nosso medo e pela angústia de se saber mortal...

No calendário romano é o deus Jano que abre a fieira de deuses, o deus com duas faces, o guardião dos portões. O deus que é sombra e luz, verdade e mentira, amor e ódio, início e fim, um deus dialético, mesclado de tudo o que é humano.

Aqui na nossa Abya Yala celebra-se com Inti, o deus sol, e com outros tantos das mais variadas culturas. Os que não precisam de deuses também celebram o recomeço de um novo ciclo. Tudo é motivo para  festa e também, como nos tempos antigos, ainda se baila nos equinócios e solstícios. É só uma celebração, uma orgiástica celebração desta vida que temos, para a qual somos chamados a plantar, colher, descansar e amar. Agora é verão, puro verão, tempo de amar...

Vem o novo ano, mas o tempo não para...Em 2015 nada vai mudar se não nos pusermos a caminho, porque a estrada se faz assim, ao andar... Então, eu os convido ao borbulhar da champanhe, ao doce da cana, ao perfume do vinho ou ao simples gosto da água pura. Eu os conclamo para o ritualístico momento do primeiro momento dos restos de nossas vidas, neste primeiro de janeiro e em cada amanhecer de todos os dias.

Que venham as dádivas, os terrores, os risos e as lágrimas. Nós enfrentaremos com riso, prazer e luta.!!

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Pelos natais e anos novos




Sempre gostei de filmes de Jesus, desde pequena. A mim encanta esse homem que partilha, que caminha pelas estradas poeirentas, que ama o próximo e o distante. O que ampara a mulher adúltera, o que come com as prostitutas e os tribunos, o que está no mundo, mas não é do mundo. Gosto da sua violência contra os vendilhões e sempre me emociono demais com a absurda fé que ele tinha nas gentes, a mesma fé que o levou a morte, negado até pelos mais íntimos. Pouco me importa se ele foi real ou apenas uma ladina invenção de Paulo. Gosto da mensagem que se diz que ele deixou. No filme de Zefirelli, sobre ele, a cena final sempre me faz chorar. É quando Jesus volta da morte, e está com os apóstolos. Alguém pergunta: e agora, para onde vais? Então ele olha para a câmera, como a fitar nossos próprios olhos diz: não tenham medo, eu sempre estarei com vocês! Acho isso de uma ternura abissal. Não é uma promessa de poder, é só a promessa de um partilhar, estar junto, de maneira incondicional. Creio que isso é o amor.

Nestes dias que rondam natal e o Ano Novo gosto de rever estes filmes. Até mesmo o de Mel Gibson, sangrento e duro, que escancara a tortura e a dor infligida a quem decidiu questionar a lei vigente. Ali, vejo cada um dos que ao longo dos tempos foram torturados e mortos de maneira vil por lutarem contra a opressão, contra leis injustas, por uma vida digna de ser vivida. Vejo no homem ensanguentado os estudantes normalistas mexicanos, tantos de meus companheiros e a mim mesma.

Penso que, de algum modo, em cada um dos diferentes "Jesus" que o cinema ou os livros nos apresentam, há um pouco da pessoa que gostaríamos de ser. Por isso essa mística que representa esse homem ainda me parece tão bonita. Sua proposta é a da  mais radical doçura, da cura do doente, do amparo das almas em escombros, do amor, mesmo àqueles que não são iguais. Quem que, vivendo assim, não representa uma luz na escuridão da vida? É por isso que o meu natal não tem Papai Noel, esse, vermelho, com sacos de presentes, criado pela Coca-Cola em 1931. Não. Ele é repleto da busca desse Jesus, amoroso e radical, que caminha conosco, chora nossa dor e nos ampara com um olhar de supremo acolhimento.  

Assim que nestas noites de dezembro, confrontada com toda a fragilidade da vida, com a dor, a impotência diante do poder, a solidão existencial, preparo com carinho o dia deste homem, que pode ser cada um de nós. Não espero a meia-noite para comer peru, como fazem todos, num ato ritual. Gosto de viver o dia, o 25, como se fosse mesmo um dia de aniversário. Faço pudim e compartilho. Busco em mim a força para domar o medo e enfrentar os vilões do amor, que estão por aí, todos os dias, nos que matam Amarildos, nos que roubam do povo, que oprimem, que negam a vida digna. Eu busco o deus menino, não no céu, mas entre os vivos, meus irmãos.

Nietzsche dizia que só os fracos precisam de deuses, como muletas. E eu digo que ele tem razão. Nós, humanos, somos fracos. Precisamos criar a cultura, explorar a natureza, esconder-nos de nossos semelhantes, sempre a temer algum ataque. Mas até Nietzsche se rendeu a ideia de que Jesus havia sido o único cristão. Nestes dias de desamparo, sim, quero assumir as muletas. Sou uma mulher que precisa de deuses. E espero Jesus, sem presentes, sem pompa, sem festa. Só com minha louca certeza de que os deuses são nossas redes. Nada podem. Apenas balançam, nos ninam e nos sussurram a frase necessária: Não tema, eu estou aqui!


sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

UFSC: 54 anos em meio à tristeza


















Ela trabalha na UFSC há pouco tempo. É uma das “novas”. Os olhos, cheios d´água, fitam um horizonte que não mais vê. “Eu sabia que isso iria acontecer. Mas, ver na minha ficha funcional, escrito ´faltas injustificadas´ pelos dias que lutamos por democracia dentro da UFSC, foi triste demais. Eu não me conformo”. A mulher fala da greve pelas 30 horas que durou mais de dois meses na UFSC, fruto de uma atitude muito pouco comum dos dirigentes locais: a decisão unilateral e autoritária sobre a jornada de trabalho dos técnicos-administrativos. Na verdade, uma decisão inédita, tomada pela reitora Roselane Neckel, que deliberou sobre a vida dos trabalhadores, sem discutir com eles o tema, ancorada apenas numa reunião com os diretores de Centro, todos professores. 

Essa decisão, que fere a democracia universitária, levou os trabalhadores a uma greve interna, também inédita, que mobilizou a UFSC na luta pelas 30 horas, ou seja, universidade aberta o dia todo, com turnos de seis horas para os trabalhadores. A atitude da reitora, claramente uma retaliação por conta da greve nacional que também levantara os TAEs em meses de luta, levou os trabalhadores a questionar a proposta geral da administração, eleita com o verniz de “esquerda”. Nunca, em todas as administrações da universidade – sempre ligadas à direita e a maçonaria – um reitor se comportava dessa maneira, simplesmente descartando a presença dos técnico-administrativos negando-lhes o direito de discutir sobre temas de seu interesse.

A greve foi uma longa e desgastante queda de braço, na qual a reitora contou com a força extra da maioria dos professores que apoiou a ideia de controle sobre os TAEs e do próprio sindicato da categoria, que, desde o início do movimento atuou de maneira titubeante, quando não marcadamente contra a vontade dos trabalhadores. Foi um desastre. 

 A reitora insistia em desconhecer a greve e no segundo mês do movimento impôs o corte de salário, coisa também jamais vista na UFSC. E, não bastando cortar o salário de trabalhadores que estavam trabalhando – já que a greve era de ocupação – ela ainda decidiu que as horas descontadas deveriam ser assinaladas nas fichas dos trabalhadores como “faltas injustificadas”, o que pode acarretar problemas para os que estão em estágio probatório e também para os que ainda têm algum degrau a subir no plano de salários. Um golpe baixo que feriu de morte os trabalhadores. Aguentar o corte de salários era fácil, um risco calculado, mas a mentira descarada e a injustiça já é mais difícil. 

Para os novos trabalhadores, gente jovem, cheia de vontade de construir um espaço bom e saudável de trabalho, as retaliações da reitora caíram como um balde de desestímulo. Como iniciar uma relação de amor com uma instituição que os massacrava na base da ameaça e da mentira? Muitos se encheram de tanta tristeza que até adoeceram. Para os mais calejados, que estão na UFSC há mais tempo e já enfrentaram duras lutas, o que aconteceu também foi um baque. Nem com a mais violenta direita se viveu algo semelhante. E, agora, com uma mulher, vinda de um Centro sempre progressista, o CFH, e com o colorido da esquerda, aquilo parecia impensável. Muitos aceleraram a aposentadoria, tamanha a tristeza com uma direção tão antidemocrática e injusta.

De qualquer forma, a batalha foi travada. A força da luta não foi suficiente para enfrentar o silêncio cúmplice de uma maioria de professores que sempre viu os TAEs como seus empregados, aliado ao braço frouxo do sindicato. Nesse momento houve uma derrota, mas a peleia por uma universidade nova segue adiante. 

A reivindicação na justiça contra o corte de salário deu alguns frutos. A greve, que a reitora insistia em desconsiderar, foi reconhecida pelo judiciário. Isso leva agora a outra luta que é a retirada das “faltas injustificadas” das fichas, uma vez que a  falta por greve é justificada. Mas, o que se vê é que não será coisa fácil também. A reitora não cumpriu a liminar da justiça que deliberou pelo desconto de apenas 10% do salário e muitos trabalhadores tiveram descontos agora em dezembro, bem maiores que 10%. Poder ser então que ela também não acate o reconhecimento da greve. Há uma viseira tampando o bom senso na administração. 

O sentimento de “vingança” contra os técnicos é tão grande e irracional que, por ser questionada quanto ao horário de verão – que será de seis horas -  a reitora baixou uma portaria na qual delibera que se algum trabalhador não quiser repor as horas do horário de verão, que deverão ser obrigatoriamente cumpridas com uma hora a mais na jornada de oito horas normal, pode trabalhar oito horas, mas deve seguir o horário proposto que é: das 10 às 12 e das 13 às 19. Uma verdadeira aberração, a considerar o verão, o trânsito alucinante pelo aumento da população e o fato de que não há nada aberto próximo à UFSC nos meses de férias. A medida seria motivo de riso se não fosse trágica. Mas, mostra claramente o nível de autoritarismo da gestão que beira o ridículo.

O fato é que toda essa intransigência tem um endereço certo: os novos trabalhadores, os que pensam e questionam, os que insistem em ser parte da democracia ufscquiana. Para esses o recado é simples: sejam submissos, cumpram as ordens e assim pode-se chegar a alguns acordos. Ou seja, é a retomada do velho coronelismo que sempre tratou os trabalhadores técnicos-administrativos como “empregadinhos de professor”. Como agora os novos que estão chegando tem formação, são propositivos e participam da vida política, eles têm de ser derrubados, para o bom andamento da máquina.

Não é sem razão que um grupo expressivo de docentes está com a proposta de encerrar uma também histórica e democrática forma de eleger o reitor. Os professores querem o poder supremo sobre a vida da UFSC, relegando aos TAEs e aos estudantes apenas 15% do peso dos votos. É a treva! Voltamos ao medievo!

Mas, a despeito de tudo isso, nesse mês que se comemora mais um aniversário da universidade, os trabalhadores acham forças para se encontrar, se abraçar, se confortar e ainda fazem um bazar para arrecadar fundos que serão repassados aos que ficaram sem salário e sem empréstimo. Ao final, a vitória da reitora foi de Pirro. Os TAEs estão mais unidos do que nunca e seguem se encontrando e discutindo os destinos da UFSC.

Afinal, quem disse que o chicote para a rebeldia. É o contrário. Acirra!

A UFSC é de todos nós. Eles passarão.. .Nós, passarinho!

A discussão sobre o IPTU

















Cética, mas sempre otimista, fui à Audiência Pública proposta pelo vereador Afrânio Boppré, sobre a questão do aumento do IPTU em Florianópolis. Digo cética, porque as audiências públicas que envolvem decisões da prefeitura e dos vereadores, no geral, são apenas atos ritualísticos, formais, nos quais as pessoas falam, mas ninguém escuta. Essa, particularmente, fora proposta quando ainda estava na casa legislativa o projeto do executivo que pleiteava o aumento do IPTU.  Dias antes da audiência, o prefeito retirou o projeto, dizendo que iria esperar a decisão da Justiça, visto que o tema está sendo questionado judicialmente por várias entidades da cidade. Ainda assim, os vereadores decidiram mantê-la. A proposta era ouvir as forças vivas da cidade.

Até aí a decisão já se configurava uma novidade visto que a Câmara é muito avessa a qualquer debate mais profundo sobre os temas quentes. Basta lembrar a votação do Plano Diretor, que aconteceu depois da inclusão de mais de 600 novas emendas. A população pedia nova audiência pública para discutir as emendas, mas os vereadores  passaram o trator, fazendo a votação, sem nem mesmos eles terem conhecimento sobre as emendas. Vai lá saber na defesa de quê interesses...

Mas, basta uma olhada no público interessado que lotou o auditório do CDL e já se pode ver porque os vereadores aceitaram, cordatos, fazer a audiência: a maioria era de  representantes de entidades empresariais. Os poucos representantes populares que entraram - porque o acesso foi restrito ao número de cadeiras  - ainda tiveram de ouvir desaforos do presidente da Câmara, Bispo Jerônimo Alves Ferreira, como se não fosse legítimo um cidadão comum querer expor seu pensamento.   
De qualquer sorte, as falas das entidades e dos cidadãos seguiram uma direção única: ninguém quer o aumento de imposto conforme foi apresentado pela prefeitura, o qual chega a sofrer aumento de até 250% em algumas áreas. O plano de César Souza Junior foi criado em cima de alguns telefonemas dados para pessoas aleatórias nos bairros perguntando o valor de seus imóveis, o que se configura uma metodologia muito pouco aceitável, segundo a denúncia de vários representantes empresariais. "O valor do imóvel não pode ser medido pelo preço de venda, pois esse preço nunca é o real", disseram os empresários.

Outro aumento questionado, que já foi inclusive aprovado pela Câmara (com poucos vereadores votando contra), é o do ITBI, que é pago quando a pessoa transfere o imóvel para o seu nome. Passou dos 0,5% para 3%, configurando um aumento de 500% e que praticamente inviabiliza que muita gente possa legalizar seus imóveis, pelo valor excessivamente alto que precisa pagar. Segundo os empresários do setor de venda de imóveis, isso está trancando muitas vendas. Sobre esse ponto, um dos vereadores, o Coronel Paixão, chegou a fazer um mea culpa, dizendo que os dados referentes ao ITBI tinham sido repassados pela Secretaria da Fazenda, e ele havia votado confiando nesses dados, logo não teria problema em pedir desculpas e voltar atrás. A perplexidade é saber que um vereador vota cegamente na confiança de um dado oferecido pelo executivo, sem procurar investigar por conta própria. Ora, a quem ele representa, então? Aos interesses da prefeitura? Um vereador precisa estudar e avaliar as propostas enviadas pelo executivo a partir de outras fontes.  

Foi lembrado a todos os presentes que a proposta do prefeito está claramente ancorada no modelo de cidade que o Plano Diretor, votado atabalhoadamente e sem conhecimento, pelos próprios vereadores  - excetuando Lino Peres, Afrânio Boppré e Pedrão - aprovou. Segundo o Plano, a cidade passa a ser um espaço para os ricos e agora, o aumento do IPTU vem nessa direção. A intenção é tornar inviável a presença de gente pobre ou classe média baixa em áreas consideradas nobres. "Naqueles dias não ouvimos a voz dos empresários contra o Plano Diretor. Pelo contrário. Agora, não deveria ser surpresa essa decisão da prefeitura", disse eu mesma, na tribuna. Ainda assim, reconheci que essa luta específica contra o aumento do IPTU - da forma como a prefeitura propõe - nos coloca juntos nesse momento da luta. Depois, quando as planilhas e cálculos começarem a ser feitos, certamente estaremos em lados diferentes, até porque muitos dos empresários que falaram na tribuna se manifestaram contra o IPTU social, por exemplo.    

A audiência terminou com um consenso. A proposta da prefeitura não pode ser votada. Há que ser apresentado um novo projeto de lei para que sejam feitas mudanças na chamada Planta Genérica de Valores (PGV), que aumenta o valor venal dos imóveis, esses sim bastante defasados e sem reajuste há muitos anos. Como isso será feito e quem o fará não ficou claro, mas pelo menos se obteve um apoio claro de praticamente todos os vereadores que estavam presentes. Resta ver para crer.   

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Vigília pelos direitos indígenas


Nessa terça-feira, dia 16, a partir das 14 horas, em frente a Assembléia Legislativa.




EM DEFESA DO DIREITO A TERRA  E  AOS RECURSOS NATURAIS!

CONTRA A REPRIMARIZAÇÃO DA ECONOMIA!

CONTRA O AGRONEGÓCIO!

CONTRA AS GRANDES  CORPORAÇÕES E EMPREITEIRAS "BRASILEIRAS".


Grandes empresas financiam a extinção dos direitos dos indígenas, dos quilombolas e da biodiversidade

Os deputados que figuram como membros titulares na Comissão Especial1 da Câmara dos Deputados que aprecia a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/20002 receberam mais de R$ 18 milhões na campanha eleitoral de 2010. Entre os doares estão grandes empresas, como JBS, Bunge, Gerdau, Suzano, Klabin, Embraer, Camil, Engevix e Cosan. Os dados são do Tribunal Superior Eleitoral.

A PEC 215 foi apresentada no ano 2000 pelo então deputado Almir Sá (PPB/RR) e propõe, via texto principal associado a emendas parlamentares, repassar do Executivo para o Legislativo a prerrogativa de demarcar Terras Indígenas e Quilombolas, bem como de criar parques nacionais e outras Unidades de Conservação. A referida PEC pode ser votada na Comissão Especial da Câmara ainda na terça ou quarta feira desta semana.

O último relatório à tramitação da PEC, apresentado pelo deputado Osmar Serraglio (PMDB/PR), permite que essas áreas protegidas tenham a sua criação e os seus limites revistos caso a proposta seja aprovada pelo Congresso Nacional. Isso violaria direitos constitucionais e submeteria à insegurança jurídica medidas já aprovadas e consolidadas pelo Estado brasileiro.

Vale ressaltar ainda que, desde 2001, o Código de Ética da Câmara dos Deputados é sistematicamente ferido sempre que parlamentares relatam “matéria submetida à apreciação da Câmara dos Deputados, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral”.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Libertador



Assisti ontem o filme “Libertador”, uma superprodução venezuelana que conta a história de Bolívar. Apesar de alguns erros históricos, normais, porque o cinema sempre busca algum elemento para ligar as histórias ou coisa assim, o filme é muito bom. Ressalto apenas a omissão da importante participação de Pettion, do Haiti, no processo de libertação. Sem a ida de Bolívar ao Haiti e a providencial ajuda do presidente daquele país, talvez a história fosse outra. Isso não aparece no filme. Uma pena. Mas, no demais, o filme é como um punhal na nossa carne. Fica muito clara a participação danosa de Santander e sua traição, bem como o erro estratégico de Simón (humano, demasiado humano) que não quis condená-lo a morte, permitindo que ele ficasse livre e seguisse tramando contra ele. Esse erro acaba levando o próprio Bolívar à morte, bem como o grande marechal Sucre.

A última cena do filme que pude ver foi o momento em que Sucre, então um jovem de 24 anos e já mariscal, provado na luta renhida, se despede de Bolívar para ir ao encontro da morte, assassinado que foi por sicários a mando de Santander. Seu rosto jovial, transparente de esperança, seu manto negro esvoaçando, e a visão dos matadores no seu encalço, foi o suficiente para mim. Não pude mais seguir, e ver o filme até o final porque ao que indicava a narrativa, mostraria a triste morte do Libertador. Fugindo dos inimigos da Pátria Grande, ele enfrenta temporais, atravessa rios e termina sozinho num catre sujo. Morre aos 46 anos, buscando desesperado pelo ar e certo de que tudo pelo qual lutou foi em vão.

O homem que travou mais de 100 batalhas, que percorreu duas vezes mais território que Alexandre, o Grande, que fez, no lombo do cavalo, mais de 120 mil quilômetros, que atravessou as montanhas geladas dos Andes duas vezes, acabou traído pelos generais que queriam cada um o seu país para comandar. Com ele, se foi o sonho de uma grande pátria, unida e forte, só renascido agora, com Chávez, outro que também já se foi.

Apesar de lindo e bem feito, o filme me colocou no chão. As cenas do Sucre indo embora e a de Bolívar, encharcado, tentando alcançar a margem, não me saem da mente. Passei a noite revirando, em lágrimas. Doendo a morte de uma das ideias mais generosas que tivemos em nossa Abya Yala. Bolívar e suas contradições, suas fraquezas, seus erros, seu liberalismo eivado de europeísmo. Mas, ao mesmo tempo, um homem capaz de querer um mundo diferente e, mais que isso, marchar - com erros e acertos  - para sua construção.

O filme Libertador foi um sucesso de bilheteria na Venezuela esse ano e está entre os indicados para o Oscar de filme estrangeiro – coisa estranha. Vale a pena ver, abstraindo os clichês. As cenas da batalha de Boyacá são absolutamente incríveis, com a tomada da ponte que servia de barreira para o avanço das tropas patriotas. Com a heroica atuação dos llaneros, os negros e a gente empobrecida da Venezuela, essa batalha foi decisiva para a chegada da independência.

Edgar Ramírez está perfeito como Bolívar.