quarta-feira, 20 de junho de 2012

Feliz solstício de inverno



Hoje começa nova estação. É começo do ano para os povos originários das terras abaixo do Rio Bravo. Tempo de recolher, de limpar quintais, de podar árvores, de chá com mel, de sopa quente, chocolate. Hoje é dia sagrado, momento de celebrar. Desde os tempos imemoriais que os homens marcam o tempo na virada das estações. Tempo de plantar, de colher, de aquietar.

O inverno é tempo gris, de vento sul, de mar grosso, de virada para dentro. É estação do recolhimento, de repensar a vida, as escolhas, os caminhos.

Nesse primeiro dia do povo autóctone, na espinha dorsal da nossa América baixa começam as comemorações do Inti Raymi, festa mágica do povo andino. Na nossa terra Guarani é hora de aparecer no céu a grande Ema, o Ñhandu, bicho mítico que enche a terra e o céu, apontando um tempo de claridade.

É chegada a hora de retomar nossas memórias antigas, de oferecer um pago a terra, de render graças por estar vivo na entrada da nova estação, do novo ano. Porque, enfim, viver é um presente...

Feliz Solstício... Celebraremos com uma boa sopa de raízes, para lembrar da Pachamama, da Terra mãe, que dá vida e prato cheio.  Jallalla!

Hospital Universitário: comunidade luta para não privatizar



Os lutadores sociais e os sindicalistas de boa cepa tem uma triste sina. São sempre vistos como os arautos da desgraça. Estão sempre a clamar que alguma coisa muito ruim está vindo, que algo terrível vai acontecer. E o pior é que é isso mesmo. A desgraça vem. Foi o que ocorreu no que diz respeito ao Hospital Universitário. Desde o ano de 2007 que as pessoas ligadas ao movimento de luta por saúde de qualidade vêm dizendo que o governo quer privatizar esse que é o único hospital totalmente público de Santa Catarina. Ninguém nunca acreditou.

Quando estávamos na direção do sindicato dos trabalhadores da UFSC promovíamos uma atividade chamada de “café com sonho”. De manhã cedo, esperávamos as pessoas que vinham do interior do Estado, para serem atendidas no HU, com um café quentinho e a informação sobre as propostas governamentais de criar uma empresa privada para dirigir o hospital, desvinculando o mesmo da universidade. No geral, as pessoas pegavam o panfleto, liam, conversavam, se apavoravam, e era tudo. Voltavam para suas cidades e esqueciam. O que é natural, porque quem está doente quer mais é resolver o problema que lhe aflige.

Mas, no caso dos trabalhadores do HU a coisa era ainda pior. Como grande parte não gostava - e ainda não gosta - de conversas de sindicato, nem dava atenção ao que se denunciava. Os panfletos ficavam nos lixos ou jogados no chão. Os apelos para mobilização eram ridicularizados. “Lula não vai fazer isso”, ou “ esse tipo de coisa nunca vai acontecer”. E o tempo passou e a fundação privada vingou.

Apesar disso, muita coisa se fez. Matérias nos jornais sindicais, atos públicos, abraços ao HU. Um grupo de valentes lutadores - trabalhadores e estudantes - nunca esmoreceu. Mas não foi suficiente para barrar a tal da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, criada há pouco tempo. Na fala do governo federal – de onde saiu a proposta – vem a conversa mole de que é uma empresa pública. Não é. É de direito privado, portanto, vai atuar como tal. Seu objetivo é o lucro. E como se gera lucro no atendimento à saúde? A resposta vem do médico Pedro Carreirão Neto: “cortando serviços, diminuindo a qualidade e enxugando pessoal”. Então, imaginem o que vai acontecer se o HU for entregue a essa empresa. O que nem é tão bom, vai piorar.

A ideia do governo é de entregar mais de cinco bilhões de reais para criar a nova empresa. Se esse dinheiro fosse direto para os hospitais, quanto bem não faria. Mas não. Será criada toda uma estrutura gigantesca para administrar os hospitais universitários de todo o país. O objetivo do governo é diminuir custos. Mas, é uma incoerência. Como diminuir custos, criando mais gastos? Bueno, a resposta a essa questão é simples. O governo mente. A empresa de serviços hospitalares é uma exigência do mercado. Empresas, médicos, laboratórios, e mais uma série de abutres querem ganhar dinheiro com a saúde das gentes. E sem risco, porque vão ganhar tudo de mão beijada do estado. É um negócio espetacular.

Não é sem razão que o povo brasileiro vê, todos os dias, as grandes redes de comunicação lançarem matérias enormes sobre a falta de qualidade dos hospitais públicos. A campanha de demonização do que é público não é por acaso. Não acontece assim, de repente, a mídia se interessar pela saúde dos pobres. Tudo isso faz parte de uma campanha muito bem urdida de lavagem cerebral. Mostra-se, à exaustão, o horror dos hospitais, e depois vem a "boa" notícia: agora vai privatizar. Como se privatização fosse a solução para as coisas ruins que acontecem na saúde pública. É fato que o atendimento público não é bom, mas não há garantia nenhuma de o atendimento ser melhor na iniciativa privada. Pelo contrário. Se o que vai valer é o dinheiro de quem pode pagar, a coisa tende a ficar pior para os pobres.

Em Santa Catarina o governo do Estado já entregou vários hospitais para as malfadadas “organizações sociais”, espécie de ONGs que agora cuidam da administração dos mesmos. A lógica do lucro sobre a doença. Coisa muito perversa. Os sindicalistas estão aí, desde há tempos, denunciando, sem serem ouvidos. E a coisa foi se fazendo, urdida no silêncio, pois o que aparece para a população é que agora tudo vai melhorar. Quem precisa fazer uso de um hospital sabe que não é assim. Há algumas semanas os médicos de Santa Catarina vêm se mobilizando na denúncia dos horrores que estão vivendo nos hospitais. Áreas inteiras de hospitais são fechadas, atendimentos são centralizados na capital, há leitos desativados, equipamentos apodrecem sem uso por falta de pessoal. E agora? Dizer o quê? Muitos desses hospitais estaduais já estão em mãos privadas. Significa que o que alardeavam os “arautos da desgraça” era a mais pura verdade. Tudo ficou pior.

No último dia 19 de junho, o Sindicato dos Médicos denunciou mais um momento de horror. Uma pessoa sendo reanimada no chão, dentro do Instituto de Cardiologia de Santa Catarina, por falta de condições estruturais, ou seja, uma simples maca. Segundo o sindicato, não é raro que haja apenas um médico na emergência, o que inviabiliza qualquer atendimento de qualidade. O governo se faz de morto e ainda tem a cara de pau de dizer que não há falta de profissionais no sistema e que não irá chamar os novos concursados. Só no Instituto de Cardiologia seriam necessários mais 13 médicos e o dobro do pessoal de enfermagem. Mas, se a proposta das organizações sociais e agora a da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares é de cortar gastos, isso significa que essas reivindicações não deverão ser atendidas. Pelo menos, não sem luta.

No Caso do Hospital Universitário resta uma esperança. A universidade tem a possibilidade de decidir não aderir a essa proposta de ter o seu HU administrado pela empresa privada. O governo diz que cada universidade terá livre arbítrio, mas ao mesmo tempo trabalha pelas costas, espalhando o rumor de que aqueles que não aderirem à empresa privada poderão ter prejuízos na hora de buscar recursos. Segundo o doutor Carreirão Neto, essa chantagem é imoral e inadmissível: “O governo não poderá penalizar os HUs que não aderirem, isso seria por demais perverso”. A vice-reitora da UFSC, Lúcia Helena Pacheco, durante um seminário promovido pelo Fórum Catarinense em Defesa do SUS e contra a Privatização, disse que a nova administração ainda está tomando pé da situação, e que já pediu mais prazo ao governo para discutir o tema. “Nós vamos fazer um fórum, um debate, enfim, vamos ouvir a comunidade. Nenhuma decisão vai ser tomada sem isso”, afirmou.

De qualquer forma, ouvir a comunidade não é suficiente. A começar pelos próprios trabalhadores do HU, a maioria sequer sabe o que vem a ser essa empresa privada e quais os problemas que ocorrerão caso ela venha a administrar o HU. Assim, conforme sugeriu o professor Irineu Manoel de Souza, é necessário que as pessoas – trabalhadores, estudantes e comunidade – sejam informadas do assunto para depois, com clareza do que isso pode significar para a vida dos catarinenses, decidir. É bom lembrar que o HU atende pessoas de todo o estado de Santa Catarina, com mais de 30 mil consultas por mês, sem contar as internações. Assim, o certo é que também as prefeituras de todo o estado informassem à população. Com a nova empresa, privada, administrando o HU, estaria aberta a porta para o atendimento por plano de saúde e qualquer ser humano sabe que entre um “cliente” endinheirado e um pobre sem recursos, a escolha no mais das vezes tenderá a recair no que pode pagar, já que numa empresa privada o que importa é o lucro.

Assim, o encaminhamento do Fórum é de que a população se levante em luta contra mais essa selvageria capitalista que pretende tomar corpo agora no Hospital Universitário. Vários hospitais do Estado já estão em mãos de OSIPS – as tais organizações sociais – e a população está cada dia com menos opções de atendimento público. Assim, não basta só defender o HU, há que se fazer a luta pela retomada dos demais hospitais estaduais que estão orbitando o círculo do lucro com a doença.

Como fazer para se manifestar? Há várias maneiras. Organizar frentes de luta nas cidades, seja através de sindicatos combativos, seja através de associação de moradores. Pressionar os prefeitos, o governador. Participar das atividades chamadas pelos sindicatos de trabalhadores da saúde. Enfim, juntar-se ao movimento. Um sindicato sozinho não consegue muita coisa. É necessário que as gentes se mexam e ocupem as ruas. Nada no mundo vem de graça para os pobres, os trabalhadores, tudo é conquistado à duras penas. Há muita gente se organizando, então, encontre esse povo aí na sua cidade, e mobilize-se. A saúde pública é um direito das gentes. Vamos garantir, na luta, que ele seja exercido.

Basta de enganação e basta de abutres lucrando com a dor do povo. Fora empresas privadas da saúde pública do Brasil. As empresas que quiserem atuar na saúde privada, que arquem com seus riscos. Os recursos públicos precisam ser investidos na saúde pública.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

O guri do adesivo e a menina do fósforo


O guri entrou no ônibus lotado das seis da tarde. Esgueirando-se pelo meio das gentes que apinhavam o coletivo começou a cantilena. “Um minuto de atenção, por favor. Eu poderia estar roubando, mas estou aqui oferecendo esse adesivo. Minha família precisa comer...” E por aí foi. As pessoas se mexiam incomodadas, como sempre ficam quando aparece alguém pedindo. Alguns viram a cara para a janela, outros baixam o olhar, outros fingem dormir. Há uma indiferença gritante diante do outro, exposto até as vísceras. Eu não consigo. Aquilo me toca.

Aprendi a ler muito cedo, tinha cinco anos. E o fiz a partir dos livros de história que meu pai comprava aos borbotões dos vendedores que batiam na porta de casa. Ele tinha pena dos pobres homens e nós ganhávamos cultura. Dentre os livros que eu lia estava um, com historietas de Hans Christian Andersen. Uma delas, em particular, sempre me emocionou. Era a da vendedora de fósforos. Numa noite de natal uma guriazinha anda pela rua cheia de neve, tentando vender seus fósforos para poder comer e se aquecer. Ninguém compra. Ela então se abriga numa marquise onde observa as famílias comendo, felizes, celebrando o natal. E ela está sozinha, com frio e com fome. A história termina com a menina morrendo de frio, em pleno natal, porque ninguém lhe havia comprado um fósforo. Aquilo é horrível.

Eu lembro que ficava no tapete, lendo, e questionando minha mãe. Ela tinha sempre as respostas. Uma vez, lendo a história, em lágrimas, comentei indignada: “Alguém podia comprar o fósforo. A guriazinha não morreria”. E minha mãe, da pia, bramiu a faca que lavava: “Não deveria era existir criança precisando vender fósforo”. E eu assenti. Era isso.

Depois, cresci, e fui para a vida, para a grande política. Talvez na minha cabeça de menina eu buscasse aquela realidade apregoada pela minha mãe. Viver num mundo em que todos pudessem ter dignidade. Mas, as coisas não são simples assim. Então, com Rosa de Luxemburgo, aprendi que, às vezes, temos de caminhar fazendo reforma e revolução, ao mesmo tempo. Por isso, faço sempre o que minha mãe falou: luto para que todos tenham direito à vida boa e bonita. Mas, enquanto isso não acontece de verdade, eu “compro o fósforo”.

E é o que faço quando vejo esses guris nos ônibus, pedindo, ou vendendo seus adesivos feinhos. Não lhes viro a cara, nem finjo que não existem. Gosto de olhar para eles, ouvir, atenta, toda aquela cantilena, sorrir e estender o que posso dar. Não é musculação de consciência, porque isso não aplaca minha ira. Sei que não muda nada no complexo sistema capitalista que tira das maiorias a possibilidade de viver com dignidade. Mas, nesses momentos, é como se eu ainda fosse aquela guria franzina, deitada no tapete da velha casa em São Borja, vendo a menininha dos fósforos. Eu nunca poderia deixá-la morrer. Se algum cristão, um único, lhe tivesse comprado o fósforo, ela poderia ter seguido seu caminho, virado mulher, transformado o mundo e feito, quem sabe, uma revolução. Era só um fósforo, uma coisa de nada.

Por isso sigo assim, repartindo o que tenho, compartindo com alegria, sem medo de parecer burra ou piegas. E quando isso acontece é como se eu voltasse àquele universo cinzento das tristes histórias de Andersen e o colorisse. É como se eu estivesse ali, na marquise, comprando o fósforo, e dizendo: “se aquece, e vem. Temos um mundo inteiro a construir”. E a gente saísse dali, saltitando, no rumo da revolução. Eu e a menina do fósforo, incendiando o mundo. Ah... como eu gosto de ter esperanças!..

domingo, 10 de junho de 2012

Insólito e lindo....

A deusa do Pará (Joelma) e o mago da Paraíba (Zé Ramalho)


sexta-feira, 8 de junho de 2012

A praça do povo livre




Para Maria Medianeira


Já andei por muitos lugares surpreendentes no mundo. E também pisei espaços de muita beleza. Como esquecer a visão da Acrópole numa noite de lua cheia, logo depois de uma greve geral que sacudiu Atenas? Ou a deslumbrante da ilha de Patmos onde fica a caverna dentro da qual São João recebeu as revelações do Apocalipse? Também já tive a graça de contemplar as pirâmides do Egito, numa noite fria, de lua branca, num dos maiores espetáculos de som e cor que já vi. Também pude caminhar pelos templos egípcios ao longo do Nilo, com suas colunas imensas, cheias de notícias do passado distante. A cidade espanhola de Córdoba, memória do mundo árabe, Granada, Lisboa. Já pisei na Chapada Diamantina, no serrado mineiro, nas praias de Maceió, na pedra da Bruxa, e tantas outras paragens onde até a respiração pára, de tanta lindeza.

Mas, a cena que mais me emocionou até hoje foi a de uma praça no interior do Rio Grande do Sul, na cidade onde nasci. Tínhamos saído de Florianópolis – ao melhor estilo easy rider – em direção à fronteira gaúcha aonde iríamos levar as cinzas da minha mãe. Ela havia morrido em 1998, e seu sonho sempre fora voltar aos pagos. Mas, só em 2010 tínhamos conseguido as condições para tanto. Partimos no carro de uma amiga, eu, ela, meu pai, meu sobrinho e um amigo dele. Fomos devagar, parando aqui e ali. Dormimos em São Miguel depois de ver o show de luzes que mostra a saga de Sepé Tiaraju. Outro momento de encanto.

No dia seguinte já estávamos à margem do rio Ibicuí, onde minha mãe costumava nadar quando criança. Era ali que ela queria ficar para sempre, circulando de um lado a outro, misturada à grande energia cósmica. O rio faz divisa entre Itaqui e Uruguaiana, a cidade onde vim ao mundo. Então, nada mais natural que depois da bonita cerimônia a gente fosse para a terrinha, visitar velhos amigos do meu pai. Foi o que fizemos.

Uruguaiana segue sendo o que sempre foi. Uma cidade pequena, bem no estilo das cidades da banda oriental. Ruas largas, casas altas, calçadas espaçosas, árvores por toda parte. Foi bonito circular por ali, nas paragens da minha infância. Tudo continuava lá, apenas aparecia aos meus olhos adultos com outra força. Até o castelo que era meu sonho e que parecia grandioso, surgiu só como uma casa grande. Mas nada diminuiu o encanto. Tudo era emoção. Os amigos, os parentes, aquele ar.

Então, quando a noite chegou, veio a maior beleza. Decidimos encontrar uma amiga num bar em frente à praça central. E para lá fomos. A tarde já caia e a barra da noite se anunciava no céu de janeiro. Fazia calor. A praça era a mesma de 40 anos atrás. Mas havia uma novidade. Ela estava cheia de gente. Nunca vi coisa assim em toda minha vida. Cada canto da praça estava iluminado. Parecia dia claro. As crianças corriam por entre as árvores e os heróis de bronze. As mulheres passeavam tomando sorvete, famílias tomavam chimarrão. Era quase como a visão do paraíso. Havia música, risos, luz, cor. Todos nós fomos tomados por uma emoção indizível. Forte demais. Aquilo era comunidade. A imagem concreta de comunidade.

Sempre que quero expressar esse sentimento de vida comum, de comunhão, de partilha amorosa, me vem àquela cena. Nunca vi nada igual. E os meus olhos se enchem de lágrimas. Dentro de mim, que sou filha da banda oriental, assoma o mesmo sonho de meu amado Artigas - o general dos povos livres: a construção de uma comunidade onde todos vivam em paz, felizes e livres. Por um átimo, naquela noite, na feérica Praça de Uruguaiana, esse sonho pareceu real.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

MST ocupa fazenda em Santa Catarina


Por Pepe Pereira dos Santos - Timbó Grande

Na madrugada do día 07 de Junho, 47 famílias Sem Terra ocuparam a Fazenda Caçador Grande, localizada a 4 km da sede do municipio, uma área de 254 hectares em Timbó Grande, SC.

No centenário da Guerra do Contestado, episódio catarinense quando famílias ficaram sem terra pela invasão de uma empresa de exploração de madeira vinda dos Estados Unidos, agora famílias recuperam uma área improdutiva, pertencente à Timbó Empreendimentos Florestais administrada operacionalmente pela Terra Master, uma empresa de origem estadunidense que encontrou no planalto catarinense uma oportunidade de lucro com a exploração do solo e da água para o monocultivo de pinos e eucalipto. A fazenda ocupada estava há muito abandonada e a ocupação foi tranquila. Agora as famílias, animadas pela conquista, estão construindo os barracos e organizando o acampamento. Mais famílias são esperadas no local e vizinhos da Fazenda afirmaram que a empresa ainda possui cerca de 10 fazendas na região semelhantes à que foi ocupada hoje.

O município registra um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano do país.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Governo tripudia trabalhadores e espera pela greve


“Na federal é assim. Todo ano tem greve”, dizem, entre risos, alguns estudantes. É como se fosse um ritual a cumprir, e algo que nascesse da “vagabundice” dos trabalhadores públicos que não querem trabalhar. É certo que tem algum trabalhador que se comporta dessa forma, mas não é a maioria. Se fosse assim, as universidades não funcionariam e nem seriam as instituições mais importantes do país, onde se cria 90% da ciência. Algum mérito os técnico-administrativos têm de ter nisso aí, porque nenhuma pesquisa, estudo ou extensão acontece sem esses trabalhadores.

E, como é comum nas relações de trabalho, todo os anos os trabalhadores precisam ter seus salários ajustados, pelo menos no que diz respeito às perdas do período, como acontece com qualquer outra categoria. Mas, entre os trabalhadores públicos não é o que sucede. Não há data-base para eles. Os salários só se reajustam se existe luta. E olha que é lei. E, como também ocorre com qualquer outro trabalhador, os públicos igualmente comem, vestem seus filhos, gastam com saúde, educação e tudo mais. Logo, precisam recuperar as perdas e, de quebra, garantirem um aumento real.

Não bastasse esse kit-básico da vida laboral que diz respeito a salário, os trabalhadores públicos lutam desde há anos por uma carreira. E o que é isso? A possibilidade de, entrando numa instituição pública, fazer carreira lá dentro, mudar de posto, crescer, como também acontece nas empresas privadas. Mas, isso, igualmente está fechado para os trabalhadores públicos. Não há proposta de carreira e uma criatura, ao entrar num cargo, ali fica até morrer, mesmo que estude e se qualifique. Fora isso, ao longo dos anos, por conta dos governos de plantão, muitas outras desgraças se abateram sobre o funcionalismo – principalmente os do executivo. Cargos importantes foram extintos, funções iguais ganharam salários diferenciados, aposentados foram mal enquadrados na tabela salarial, enfim, um festival de horrores.

Tudo isso vem sendo discutido com o governo, sem avançar um passo sequer. Na greve do ano passado, os trabalhadores ficaram quase três meses parados e as negociações não avançaram em nada. O governo exigiu o fim do movimento para apresentar uma proposta. Os trabalhadores saíram da greve, derrotados. E o governo não ofereceu proposta. Desde 2007 já foram contabilizadas 52 reuniões com o governo, no que ele chama de negociação permanente. E o que de fato permanece é a completa indiferença com a situação dos trabalhadores. Os salários estão congelados, não foram feitas as mudanças de racionalização dos cargos, os aposentados perdem direitos. O caos.

Na semana passada os trabalhadores das universidades decidiram encaminhar um indicativo de greve. Mais uma. Porque também não dá para ficar aturando enrolação permanente de um governo que não se dispõe a oferecer qualquer solução aos problemas criados. Pelo contrário, existe até projeto propondo o congelamento dos salários em 10 anos.

Pois a última reunião com os representantes da Secretaria de Relações do Trabalho do Ministério do Planejamento foi uma tristeza. Usando da velha tática da chantagem, a funcionária do Planejamento, Marcela Tapajós, disse que era muito difícil o governo sentar com os trabalhadores que já estavam anunciando greve. Ao que foi respondido que a proposta de greve só nasceu por conta de essas reuniões não saírem do lugar. E o que se sucedeu não foi diferente de tudo o que os trabalhadores vêm vivendo desde sempre. Conversa fiada, chantagem e ameaças. Basta ver como o governo está tratando a greve dos professores, também se recusando a conversar. Nas mesas “de enrolação”, o governo aparece ora com a conversa de mudança no piso, ora com uma ideia de nova carreira, mas nada aparece como proposta real. Apesar de alardear crescimento no PIB nos últimos anos, a presidente Dilma não quer saber de dividir isso com os trabalhadores. Certamente o interesse maior é seguir pagando os escorchantes valores das dívidas externa e interna.

E, assim, o governo vai criando um impasse, deixando os trabalhadores num beco sem saída. Nas mesas, nada avança. Então, talvez, quem sabe, na luta. Mesmo com a derrota no ano passado, os trabalhadores acreditam que não dá para ficar inerte, vendo os salários congelarem e todas as misérias da carreira e da tabela salarial seguirem crescendo.

Isso significa que as universidades viverão nova greve dos técnicos administrativos. Em Santa Catarina, o movimento dos professores que assoma em todo o país, não chegou. Os sindicatos de docentes não chamaram assembleias nem deliberaram por greve. Há uma apatia e uma acomodação muito grande entre eles. Mas, o dos técnico-administrativos acatou o indicativo da Federação Brasileira dos Sindicatos das Universidades Brasileiras e deve entrar em greve a partir do dia 11 de junho, assim como também os técnico-administrativos dos Institutos Federais.

Como sempre acontece, uma greve na universidade demora a tocar a sociedade. No geral, os movimentos duram de dois a três meses. Não tem a mesma força que uma greve de ônibus, que paralisa uma cidade e não passa dos três dias. Greve na educação é coisa que se arrasta, como se parar o processo de criação de conhecimento de milhares de pessoas fosse algo sem importância. Parece até que o governo lucra com a greve, já que muitos dos gastos acabam diminuindo. É uma coisa perversa. O governo deixa os trabalhadores sem qualquer aceno de negociação e passam-se os meses. Quando então aparece algum impasse, como a impossibilidade de um início de semestre, uma formatura, ou coisa assim, então a sociedade se volta contra os trabalhadores. Eles são os vagabundos que não deixam seus filhos se formarem, ou arranjarem um emprego. Toda a dor das famílias dos trabalhadores fica no vazio, diante da ira de quem precisa de um serviço que não é prestado.

Então, na queda de braço entre os trabalhadores e o estado – no geral sempre a serviço do capital – o cordão arrebenta no lado mais fraco. Até porque, desde o final dos anos 90 que os trabalhadores públicos vêm diminuindo seu ímpeto de luta. As últimas greves tiveram muita adesão, mas pouca mobilização. Isso significa que os serviços param, mas a força da luta não aparece em passeatas massivas ou atos de massa. Isso é ruim porque o governo percebe a fragilidade do movimento e aí deixa o tempo passar para que a greve vá se desmilinguindo.

Esse ano está colocado mais um desafio. Muitos trabalhadores novos entraram nas universidades nos últimos tempos. Espera-se que esse sangue novo vibre na órbita da luta mesma, luta real, na rua, na mobilização. Muitos direitos que os trabalhadores mais antigos ainda têm, os novos não terão garantido. Entraram em desvantagem. Então, mais motivos ainda têm para fazerem a greve ferver. Vai ser um momento importante no qual esses novos trabalhadores mostrarão a que vieram: se são meros carreiristas, pulando de concurso em concurso, ou se tem mesmo o desejo de atuar na construção de uma educação universitária de qualidade e com compromisso social.

A semana que vem aponta para esse novo embate com o governo. Educação parada. Universidade parada. Criação do conhecimento prejudicada. A eterna luta do trabalho contra o capital. Sim, porque quando um governo prefere pagar juros a banqueiros em vez de valorizar seus trabalhadores, ele está, de fato, representando o capital. A luta de classe outra vez se expressando. A ver como se comportam a sociedade, os trabalhadores, o governo, o capital.