segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Equador: voltar na história para entender o presente

Rebeliões no Equador não são coisas difíceis de acontecer. Lá, a população, historicamente se levanta quando as coisas não andam conforme quer. Desde antes das guerras de independência, sublevações e lutas populares eram bem comuns e mesmo depois, já república, o país seguiu vivendo ondas tumultuosas. Passou por ditaduras e alternou entre golpes, contragolpes, governos conservadores e liberais, e o povo volta e meia assoma em rebelião.

Pouco depois da independência muitas foram as guerra travadas por conta dos limites do país. Houve conflitos com o Peru, Colômbia e Brasil e em todos eles o Equador perdeu parte das suas terras, firmando tratados que a população rechaçou, também realizando grandes protestos. Estas instabilidades fizeram com que os governos fossem curtos, tumultuados e proporcionassem a uma elite dominante o controle da vida econômica. Durante mais de uma década pós-independência prevaleceu a hegemonia conservadora e um Estado que quase se poderia chamar teocrático, tal a imbricação com a igreja católica. Os liberais só conseguiram chegar ao poder em 1895 depois de inúmeras lutas e rebeliões. E, apesar de terem se libertado do jugo católico e modernizado o país, os liberais também se fizeram ricos e saquearam o país. Ao povo, indignado, só cabiam as revoltas.

Os anos 20 do século XX foram tempos de ascensão da luta dos trabalhadores e estudantes. Com a participação de comunistas e socialistas se organizaram sindicatos e as lutas recrudesceram. Conforme conta o historiador James Cockcroft, em 1922, nos conflitos de rua, os estudantes chegavam a desarmar os soldados nos conflitos que se faziam diários. Essas rebeliões levaram a matanças e assassinatos que foram deixando marcas na lembrança popular. Em 1925, houve um golpe de estado, de corte socialista, que ficou conhecido como a “reforma Juliana”, levado a cabo por jovens oficiais do exército atraídos pelas idéias progressistas. A crise dos anos 30 desencadeou novos protestos de rua e voltaram os liberais a governar o país, trazendo com eles a oligarquia predadora, a igreja e o fascismo. Em 1933 o povo elege José María Velasco Ibarra que fazia um discurso popular, prometendo acabar com a pobreza.

Velasco tem uma história única no Equador. Nacionalista e determinado a mudar o destino do país que até então era uma grande fazenda, ele foi eleito cinco vezes, em 33, 44, 52, 60 e 68. Apenas no mandato de 52 conseguiu terminar seu governo. Todos os demais foram marcados por golpes e, consequentemente, por massivas lutas populares, rebeliões e insurreições, ora de apoio, ora contra. As revoltas populares são elementos recorrentes na história do Equador. É uma característica do povo equatoriano, que acredita piamente nas promessas dos governantes, mas quando não as vê cumpridas, não hesita em partir para a luta, derrubando os mesmos que ajudou a colocar no poder.

Nos anos 60, sob a presidência de Velasco, o mesmo decidiu aproximar-se da experiência revolucionária que nascia em Cuba, assim como também de Moscou. É aí que a Central de Inteligência Americana (CIA) entra em campo para cortar de vez as tendências esquerdistas de Velasco. Os Estados Unidos iniciavam com mais força as intervenções na América Latina. E, como em 1961 houve uma grande crise no ramo bananeiro, afetando bastante o Equador, Velasco teve de tomar medidas impopulares como o aumento de impostos. Por conta disso vieram grandes greves de trabalhadores e os EUA viram aí uma boa oportunidade de envolver o exército num novo golpe de estado, retirando a ameaça “comunista”. Os milicos atacaram e Velasco mais uma vez fugiu do país. Foi um tempo de novos massacres, prisões de dirigentes, torturas e todo o “kit básico” que os demais países da América Latina iriam conhecer com os golpes que se sucederam.

Foram as greves, as lutas e as rebeliões populares que, em 1968 trouxeram Velasco de volta. E, de novo, foi seu corte progressista que selou novo golpe de estado. Por conta de ter recebido Fidel Castro e ter prendido pescadores estadunidenses que faziam pesca ilegal dentro das águas equatorianas, Velasco ficou na mira do império. Também, por aqueles dias, os EUA já sabiam que as terras do Equador eram um celeiro de petróleo e havia que tirar essa riqueza das mãos de um nacionalista com tendências a fazer “maus amigos”. Assim, o mandato de Velasco não acaba. Vem um novo golpe militar.

O general Rodríguez Lara assume o comando do governo e passa a desenvolver uma série de ações nacionalistas prometendo ao povo usar o dinheiro do petróleo para desenvolver o país. Isso aconteceu por um tempo, até 1973, quando houve o boicote ao petróleo árabe e a quebra da OPEP. Como o governo de Lara tinha uma inclinação progressista e nacionalista, a direita equatoriana começou a planejar novo golpe e, com a ajuda dos Estados Unidos, isso acontece em 1976, sempre com fortes levantamentos populares de protesto. A partir daí quem passou a comandar a política econômica equatoriana foi o Fundo Monetário Internacional. Todo esse processo foi marcado por greves e movimentações populares. Abriu caminho também para a organização mais sistemática dos camponeses que realizaram congressos nacionais e, em 1980, criaram a Federação Nacional de Organizações Camponesas (FENOC). O tempo era de efervescência nas lutas populares e também os povos originários encontram os caminhos da organização através da Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador, a CONAIE.

Estas organizações e outras agrupações trabalhistas lograram realizar uma frente ampla e em 1979 saíram das trevas dos governos militares para um governo civil outra vez. Foi a primeira nação latino-americana a fazer isso no período em que as ditaduras militares foram hegemônicas na região. O eleito foi Roldós Aguilera, então com 38 anos, o presidente mais jovem que a América Latina já tivera. Mas, também seu governo não conseguiu avançar. Aguilera morre em 1981 num acidente e o seu vice Osvaldo Hurtado segue uma política conservadora que faz com que os trabalhadores, camponeses e indígenas se levantem em novas rebeliões que colocaram o país em estado de emergência até que chegassem as eleições de 1984, que colocou no poder um ultraconservador, León Febres Cordero. A sina do povo equatoriano parecia não ter mais fim. Ao longo de toda a sua história, as mobilizações e lutas populares sempre foram gigantescas, mas raramente estas forças conseguiram construir um projeto de país de forma conjunta. Mesmo a criação de uma frente armada revolucionária chamada de “Alfaro Vive, Carajo!” (uma homenagem ao ex-presidente liberal Eloy Alfaro), que perdurou por toda a década de 80, não logrou aglutinar a população numa proposta concreta de poder.

Com Febres Cordero o FMI nadou de braçada, os latifundiários ganharam rios de dinheiro e a igreja voltou ao poder. Por conta disso aconteceram massivas greves gerais em 86 e 87, com a sempre renovada violência militar contra os manifestantes, gerando saldos enormes de mortos, feridos, presos e desaparecidos.

Em 1989 o povo elege novo presidente, Rodrigo Borja, de centro esquerda. Ele reformou as leis trabalhistas gerando novas ondas de protestos entre os trabalhadores. Também são importantíssimos os levantamentos indígenas que começam em 1990, quando a CONAIE chegou a fazer reféns militares. Depois, em 1991 os indígenas ocuparam o Congresso Nacional em luta por terra e autonomia. Foram batalhas gigantescas e envolveram boa parte da população. Apesar disso, as políticas neoliberais faziam galope pela América Latina e o Equador não ficou imune. Em 1992, com a ascensão de Duran Ballén à presidência, a direita retorna com força apostando em idéias “modernizantes”, que nada mais eram do que as mesmas velhas receitas do FMI e Banco Mundial, arruinando as empresas estatais e apostando na especulação financeira. Também neste governo houve grandes lutas indígenas por conta da Lei Agrária.

O ano de 1996 chega e que vence as eleições presidenciais é Abdalá Bucaram, com o também mesmo velho discursos de dar poder aos “descamisados” dando vazão ao que o economista René Báez chama de “democracia obscena”. Carente de um projeto nacional, democrático e popular, Abdalá se transforma num espetáculo grotesco, cheio de medidas moralistas, como por exemplo prender roqueiros e lutadores de Box. Ele chegou a receber no país a estadunidense Lorena Bobbit (a que castrou o marido) e com ela foi padrinho de batismo do filho de uma popular cantora do Equador. Suas extravagâncias eram tantas que foi apelidado de El Loco. A política econômica ortodoxa seguia o diapasão do ajustes do FMI e mais uma vez as massas saíram às ruas, com protestos, rebeliões e as sempre tradicionais prisões. Indígenas, funcionários públicos, professores universitários sofreram na pele as violência do Estado. E foi Bucaram quem teve a idéia de chamar para o Equador o mesmo tecnocrata que já havia destruído a Argentina: Domingos Cavallo, para igualmente criar um plano que viria arrochar ainda mais a população. Vem daí a idéia de dolarização da economia, a transformar o Equador num grande bazar sem riqueza própria.

Durante o governo de Bucaram não foram poucas as intifadas estudantis e muitos os protestos dos movimentos sociais, a ponto de novamente tentarem uma unidade na Frente Patriótica de Defesa do Povo, chamando uma greve geral para fevereiro de 1997, coisa que acabou se transformando numa nova rebelião. O movimento foi tão forte que provocou a derrubada de Abdalá Bucaram. O Congresso empossa o seu presidente, Fabian Alarcón, como presidente do Equador. De novo, o povo derruba um presidente, mas não encontra forças e articulação suficiente para assumir o mando. Novamente as gentes caem no conto daqueles que fazem promessas e não as cumprem. Tanto que o novo presidente logo foi render homenagens aos patriarcas da direita e seguiu governando dentro das linhas do neoliberalismo, tal e qual o que havia sido deposto. A roda política seguiu sua gira sem fim, com o povo voltando às ruas em novas jornadas cívicas. Durante esse governo é escrita uma nova Constituição que, com maioria direitista, não avança no rumo das lutas sociais reivindicadas nas ruas.

Em 1998 as novas eleições no Equador acontecem num clima de completo descrédito. O país está esgotado. As greves são freqüentes, a pobreza é gigante e ainda há uma parte do país alagada pelas enchentes. A campanha foi baseada na mesma política paternalista de sempre, prometendo acabar com a miséria das gentes. O vencedor foi um jovem graduado em Harward, Jamil Mahuad. Nenhuma novidade sob o sol. Ajustes neoliberais, privatizações, novos acordos com o FMI e a cessão da base de Manta aos Estados Unidos. Em 1999 o país viveu um crack financeiro, que quebrou empresas, bancos e jogou os movimentos sociais nas ruas outra vez. O governo congelou as contas bancárias e aumentou os preços de quase tudo. Por todo o país as gentes se manifestavam paralisando as estradas, realizando greves gerais, enquanto as forças públicas protagonizavam a “balaceira”. Por meses os trabalhadores seguiram lutando exigindo que o governo tomasse uma decisão pelo povo equatoriano, o que acabou por garantir a moratória da dívida externa. No ano 2000, ainda acossado por massivos movimentos, com os indígenas praticamente tomando a capital, Mahuad anuncia a dolarização da economia e o fim do sucre (moeda nacional). É o que basta para que nova rebelião popular aconteça, com a parceria de parte das forças armadas que interveio e depôs o presidente neoliberal na chamada “revolução do arco-íris”. A frágil aliança entre os movimentos populares e as forças armadas, configuradas na Junta de Salvação Nacional, não consegue se sustentar por muito tempo. A oligarquia, temendo que a “chusma indígena” chegasse ao poder, espalhou os seus tentáculos e tomou as rédeas da política.

E foi essa reação da velha direita, articulada com os Estados Unidos (chegou a ameaçar de embargo caso a junta administrasse o país) que fez com que a transição fosse encabeçada por Gustavo Noboa Bejarano, uma espécie de católico fundamentalista que tão logo assumiu o cargo, respaldou as medidas tomadas pelo presidente deposto e seguiu com a política neoliberal, buscando mais empréstimos junto ao FMI. Assim, no ano de 2001 novos protestos começaram a ganhar vulto e os indígenas, que haviam alavancado a deposição de Mahuad, anunciavam novas tomas de cidades, inclusive a capital. A eles se juntaram os estudantes, camponeses e trabalhadores em dezenas de pequenos motins que culminaram na “rebelião dos comuneros", que durou 10 dias, com brutal repressão e acabou com o governo capitulando e negociando. E, assim, mais uma vez, a gente rebelada voltou para suas casas acreditando nas promessas dos governantes. Ainda assim, as intenções estadunidenses de implementar a Área de Livre Comércio, fizeram com que os movimentos sociais voltassem às ruas no ano de 2002, com manifestações massivas.

Desde a aliança com os oficiais do exército no ano 2000, a figura de um jovem coronel, de origem indígena, assomou com bastante força. Era Lúcio Gutiérrez. Ele participou da queda de Mahuad e teve atuação contundente na rebelião dos comuneros assim como nas lutas anti-Alca. Assim, foi quase natural que a sua candidatura, com forte conteúdo nacionalista, tivesse o apoio do movimento indígena e da esquerda em geral. Gutierrez representava tudo aquilo que a direta equatoriana vinha evitando pelos anos a fio. Um mestiço, comunista, lulista, chavista, populista, nacionalista e todos os adjetivos “assustadores” que tornaram a campanha quase que uma guerra do bem contra o mal. A vitória de Lúcio Gutiérrez em 2002 foi um genuíno sucesso popular.

Mas, dias depois lá estava ele aceitando as políticas do FMI, do Banco Mundial, levando gente ligada aos monopólios bancários para seu grupo dirigente e a esperança começou a afundar. “A Frente Popular e Anti-imperialista articulada antes das eleições nem chegou a nascer”, observa René Báez no seu livro A Anti-história equatoriana. Gutiérrez recebeu missões estadunidenses e foi beijar a mão do líder direitista Febres Cordero em Guayaquil. Foi o que bastou para que os movimentos que o haviam apoiado passarem ao outro lado. Cinco meses depois de assumir, já havia luta nas ruas. A CONAIE chamou uma conferência das nacionalidades e apontava caminhos para novas rebeliões, caso Gutiérrez não voltasse ao plano traçado antes de ser eleito. Os gritos de “traidor” já se faziam ouvir entre petroleiros, estudantes, professores, que promoviam greves. Logo em seguida veio a greve de fome dos aposentados que acabou com mais de 10 mortos e, por fim a “rebelião dos foragidos”, que se fez ouvir em todo o planeta com o seu grito de “fora todos”. Em abril de 2005 a revolta popular foi tão grande que Lúcio teve de fugir, refugiando-se na embaixada brasileira. Era o fim de mais um governo e, mais uma vez, as forças rebeldes não lograram sustentar um projeto de país e de poder. Assim, quem assume é o vice-presidente Alfredo Palácio e nada acaba mudando de verdade.

É nesse contexto que aparece Rafael Correa. Crítico da dolarização e das reformas neoliberais ele é escolhido para ministro da economia desenhando o que ficou conhecido como o Plano Correa. De matiz keynesiana e cepalina, o plano aponta para a defesa da riqueza petroleira, incentivos ao aparato produtivo e a busca de um Estado social. Todas estas medidas são eco das tremendas lutas travadas nas ruas pela população rebelada e, por isso mesmo, o ministro não esquenta por muito tempo o cargo. Por outro lado, as ruas também começam a se manifestar, na medida em que o regime de Palacios volta a tender para direita. Da mesma forma, o movimento indígena, comandado pela CONAIE retoma com mais força a luta pelo Estado Plurinacional.

As eleições de 2006 foram absolutamente dicotômicas. Monroísmo/neoliberal com o magnata Álvaro Noboa, versus o nacionalismo/bolivariano, com Rafael Correa. E não restaram dúvidas. Desde o abril de 2005 que as forças populares vinham impulsionando uma série de avanços, mesmo com um governo entreguista. Agora, o jovem economista que havia esboçado o Plano Correa tinha chances de fazer acontecer as suas propostas de revolução cidadã. Mais uma vez as gentes equatorianas acreditaram na possibilidade da mudança e Rafael teve uma vitória estrondosa. Aliado a Chávez e Evo Morales, Correa deu início às mudanças, com a chamada de uma constituinte. Tudo parecia seguir seu rumo de transformação.

Os caminhos de Correa

Mas, com o passar do tempo as coisas voltaram a ficar tensas entre o poder e as ruas. Terminada a nova Constituição, que, de fato, trouxe propostas revolucionárias – como os direitos da natureza – a construção das leis regulamentadoras passaram a provocar novos conflitos. A política petroleira se equilibra entre as idéias de nacionalismo e a subserviência aos interesses das transnacionais, como por exemplo, a Petrobras. De igual maneira a política para a área mineira já levantou os povos originários em várias manifestações, algumas delas bastante expressivas. Os indígenas são radicalmente contra a lei que, concretamente abre as portas para a mineração sem levar em conta os estragos profundos no meio ambiente e nas terras comunais. Neste momento em que o governo viveu o drama da rebelião dos policias, os indígenas estão realizando uma série de protestos no país discutindo as leis das águas, da mineração e da reforma agrária. E esta é uma parcela da população que não pode ser desprezada, visto que já protagonizou rebeliões célebres e vitoriosas.

A nova lei do serviço público, aprovada recentemente, é um calo na vida dos trabalhadores. Ela mexe na aposentadoria, nos salários e já provocou inúmeros protestos ao longo dos últimos anos, enquanto estava em discussão no Congresso. Parte da esquerda insiste que o governo está arrochando os trabalhadores, que tira direitos e aplica a velha receita neoliberal de “ajuste”. Já outros grupos, também nominados de esquerda, insistem que o Equador precisa se rever, atuar sobre novas bases e que estas mudanças são necessárias. Outra lei que tem provocado manifestações gigantescas dos professores e estudantes é a lei da educação, igualmente apontada como neoliberal.

Mas, no meio de toda esta batalha de idéias e propostas travadas com os movimentos sociais e a esquerda também está aninhada a velha direita, a oligarquia, a mesma elite promotora de golpes e contragolpes ao longo destes anos. Esta gente não está parada esperando os acontecimentos. Está agindo e muito bem orientada pelos seus velhos “patrões”. São conhecidos os passos dados pelo ex-presidente Lúcio Gutiérrez, assim como as tramóias dos embaixadores estadunidenses. É por isso que os acontecimentos de 30 de setembro precisam ser analisados com todos os elementos na mesa. É fato que os movimentos estão em luta, é fato que a lei do serviço público traz prejuízos aos trabalhadores, é fato que o levantamento dos policiais estava dentro deste contexto. Mas não dá para ser ingênuo a ponto de não reconhecer que as forças reacionárias seguem agindo, se infiltrando e minando as forças armadas. Porque, afinal, como lembra Heinz Dieterich, são elas, em última instância que determinam o rumo da prosa.

O governo de Rafael Correa passou por uma prova de fogo. Nada que seja desconhecido no Equador. Quando um governante não cumpre o que promete, o povo trata de arrancá-lo do poder. Nestes anos todos, os movimentos, apesar das gigantescas lutas, sempre acabaram se rendendo a institucionalidade capitaneada pelas forças oligárquicas. Agora, com Correa, o povo está de novo na batalha. Ainda não falam em derrubar o presidente. Ele tem bastante aceitação popular. As gentes têm consciência dos avanços e os movimentos estão mais maduros, mas isso não significa que não brigarão para garantir suas demandas. Por isso vão às ruas e protestam. Talvez, os acontecimentos deste 30 de setembro levem o presidente a rever sua postura diante das reivindicações. Mesmo entre os aliados de Correa é corrente a constatação da falta de tato do presidente ao lidar com os movimentos. Por vezes ele é arrogante, intransigente e explosivo. Isso pode ser visto na reação com os policiais quando arrancou a gravata e sugeriu que o matassem ali mesmo. Estas são coisas que os movimentos sociais não aprovam e provocam faíscas durante as negociações.

O fato é que a peleia com trabalhadores armados é muito mais delicada e isso pode ser visto durante o episódio deste 30 de setembro. Parece bastante claro que os trabalhadores iniciaram o movimento como uma legítima defesa dos seus direitos, mas no avançar dos acontecimentos a ocasião se apresentou propícia para aqueles que confabulam contra o governo. E daí para uma tentativa de golpe foi um pulo. Até porque não é de hoje que a inteligência equatoriana denuncia o pagamento de informantes dentro da polícia por diplomatas estadunidenses. Eva Golinder também já denunciou que a USAID derramou no Equador só em 2010 mais de 30 milhões de dólares. O que precisa ficar explícito ao se analisar os fatos no Equador é que o inimigo nunca dorme. Ele aí está, vivo, tramando, infiltrando, ganhando pessoas, e sempre pronto para o bote. Por isso é que esta caminhada de mudanças dentro da ordem sempre é uma grande incógnita. Há que vigiar e cuidar... Vale sempre lembrar o exemplo do golpe em Honduras, o crescimento da direita na Venezuela, o ataque a senadora Piedad Córdoba. O inimigo está desperto e é perigoso!

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Ato em apoio ao Povo Mapuche

Grupo de pessoas ligadas ao Movimento Social, estudantes e cidadão comuns foram até o Consulado Chileno em apoio ao Povo Mapuche. Saiba aqui um pouco sobre a história deste povo e também sobre a visita ao consulado.

Confrontos e tentativa de golpe no Equador

O presidente do Equador, Rafael Correa, enfrentou nesta quinta-feira, uma situação bastante crítica. Policiais de todo o país iniciaram uma rebelião e cercaram o presidente dentro de um regimento onde ele tentava negociar. O presidente acabou detido durante 11 horas. Os policiais protestavam contra a Lei Orgânica de Serviços Públicos e Carrera Administrativa, que elimina alguns incentivos para os trabalhadores.

O movimento começou nas primeiras horas da manhã quando foi tomado o Regimento Quito. Recolhidos em suas unidades os policiais queimaram pneus e exigiam dos seus oficiais que fizessem pressão junto aos deputados da Assembléia Nacional. O presidente Correa seguiu para o regimento, disposto a conversar com os amotinados, mas não houve boa aceitação e o clima ficou tenso.

Conforme narram as notícias dos jornais equatorianos, em determinado momento, quando os policiais se recusavam a ouvir o presidente e gritavam por guerra civil, Correa arrancou a gravata, abriu a camisa e bradou: “Senhores, se querem matar ao presidente, aqui está: matem-me. Mas apareçam em vez de ficarem na multidão, covardemente escondidos”.

Correa, premido pelas vaias e gritos, apelou para a missão de cada um e declarou que fizessem o que fizessem ele seguiria cumprindo o que tinha de fazer pelo país. “Se querem deixar a cidade sem defesa e trair sua missão de policiais, façam-no”. O presidente, sem condições de diálogo decidiu sair do regimento, mas os policiais o cercaram e o impediram. No empurra- empurra, um dos policiais lançou uma bomba de gás, muito próxima do rosto de Correa, que acabou no Hospital da Polícia Nacional, onde permaneceu o resto do dia, praticamente sequestrado.

Tão logo se deu este fato, o governo equatoriano declarou o país em estado de exceção e mobilizou as forças do exército. Houve conflitos e já se contabilizam mortos e feridos. “Há uma tentativa de desestabilizar o país”, afirmou o coordenador de Segurança Interna do Equador, Miguel Carvajal.

Os protestos seguiram pelo dia afora e as forças do governo começaram a chamar a população para frente do Hospital da Polícia, onde estava Rafael Correa. Milhares de pessoas começaram a chegar e foram recebidas com bombas e pedras. Foi uma batalha campal em Quito e já se falava em tentativa de golpe de Estado. Saídas da cidade foram fechadas pelos policiais sublevados e no interior do país também houve conflitos. Sem proteção policial aconteceram vários assaltos a banco e soube-se de uma tentativa de invadir a Radio e a Televisão Pública, coisa típica de golpe de estado. Segundo Alex Ponce, do Movimento de Direitos Humanos do Equador, é certo que a chamada “Revolução cidadã”, promovida por Correa tem seus inimigos e muitos deles estão enquistados nas forças policiais.

Apesar de alguns setores, marcadamente da direita, terem se posicionado a favor do protesto policial, outras forças críticas, como a CONAIE, que congrega os povos indígenas, fez um chamamento para todo o povo se mobilizar contra forças golpistas, impedindo que se dê marcha atrás. Sustentando as demandas que têm mobilizado os indígenas em protestos contra a mineração e pelo estado plurinacional, a CONAIE pede ao povo que saia a ruas a defender a democracia.

Ontem, durante a noite, o presidente Correa foi resgatado por comando especial do exército e o carro no qual ele seguiu para a casa presidencial apresentou vários tiros de fuzil. Lá, ele falou ao povo equatoriano e aos mais de dois mil simpatizantes que acorreram ao palácio. Era mais de meia noite quando Correa falou à nação através dos meios estatais. Segundo ele, o que houve foi uma tentativa de golpe, que falhou, e que este fato que mexeu com a vida dos equatorianos e deixou mortos e feridos, não será esquecido assim como não haverá perdão aos sublevados.

O fato é que as novas leis que estão sendo discutidas agora e que respaldam a nova Constituição, mexem em muitos pontos importante da vida dos trabalhadores. Desde há meses acontecem protesto de professores, dos indígenas e dos aposentados. A jornada de ontem acabou em confronto porque os trabalhadores em luta eram policiais armados. Segundo analistas, é certo que houve também um aproveitamento de forças direitistas para desestabilizar o governo e propor um golpe.

Hoje, os fatos se desdobrarão.

A Unasur reuni-se em Buenos Aires em caráter de emergência e imediatamente repudiuou o golpe. Hoje, vários mandatários devem seguir para Quito. "A Unasur não será uma nova ONU. Nós vamos agir e defender a democracia", disse a presidenta argentina Cristina Kirchner.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Senadora Piedad Córdoba é destituída na Colômbia

O Ministério Público da Colômbia destituiu e tornou inelegível por 18 anos a senadora Piedad Córdoba. A acusação é de que Piedad promove e colabora com as FARCs e, conforme o procurador Alejandro Ordoñez , já que o que ela pratica é a “parapolítica”, deve ser responsabilizada pelos “crimes” daqueles com os quais se associa. Conforme noticiaram os jornais colombianos, as informações sobre as atividades colaboracionistas de Piedad Córdoba estavam no “famoso” computador de Raúl Reys, encontrado milagrosamente intacto depois do bombardeio que matou o líder guerrilheiro.A senadora tem pautado sua atuação pela ajuda humanitária aos seqüestrados pela guerrilha e em vários momentos ajudou na negociação para a libertação de muitos deles.
Desde as primeiras horas da tarde desta segunda-feira a senadora está reunida com seus advogados conforme divulgou no seu twitter. Segundo ela, a paz não tem reversão e ela vai lutar com apresentando os fatos, mostrando que seu trabalho caminha na incessante busca pela paz. Esta medida da procuradoria colombiana vai colocar ainda mais lenha na conturbada conjuntura do país.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Todos ao consulado - Viva o Povo Mapuche


O povo Mapuche precisa de todos nós


Dia 30 - 1h - Consulado do Chile - Av. Rio Branco 387

Militantes dos direitos humanos, estudantes, lutadores sociais e gente de todos os credos estarão nesta quinta-feira, dia 30, em frente ao Consulado Chileno, na cidade de Florianópolis, entregando uma carta de apoio ao povo Mapuche que luta pelo seu território, hoje ocupado por fazendeiros e multinacionais. Dezenas de pessoas, militantes mapuche, estão presas nos cárceres chilenos acusados de terrorismo. E tudo o que eles fazem é lutar pelo seu Wall Mapu (território ancestral).

Muitos já morreram, dezenas estão em greve de fome, alguns há mais de 70 dias. Vários deles estão em estado grave. Outros tantos estão se somando à greve todos os dias. Sua reivindicação é o fim da lei anti-terrorista, desmilitarização das terras mapuche, autodeterminação e a recuperação de suas terras e sua cultura.

Precisamos de muita gente nesta quinta-feira em frente ao consulado chileno. É hora de mostrar o apoio concreto a este povo, que tem uma história de bravura inigualável nestas terras de Abya Yala.

Quinta-feira, dia 30 – Avenida Rio Branco, 387 – 10h

domingo, 26 de setembro de 2010

Venezuela vai às urnas

Neste domingo a Venezuela foi às urnas para eleger, entre 2.179 candidatos que se apresentaram, os 165 deputados da Assembléia Nacional e os 12 representantes para o Parlamento Latino-Americano. O dia foi tratado como uma das mais importantes batalhas da república bolivariana. Quase 18 milhões de pessoas estavam aptas para o voto e a expectativa era de que houvesse uma presença massiva nas urnas.

Desde o início do processo eleitoral, a direita venezuelana vem alardeando que iria imprimir uma dura derrota à Hugo Chávez, conquistando pelo menos um terço da futura Assembléia Nacional, o que já seria suficiente para causar muitos estragos, visto que as leis mais polêmicas necessitam de dois terços da assembléia para serem aprovadas. Não é sem razão que o governo também imprimiu fôlego à campanha.

Hoje, ainda de madrugada, Hugo Chávez enviava mensagens pelo twitter conclamando aos venezuelanos para votar e garantir os avanços bolivarianos. Na capital, Caracas, a população foi despertada pelo som das buzinas e sirenes que também chamavam para o comparecimento às urnas. A idéia era de que, com o maior número de militantes na rua, o processo garantisse a vitória ao governo. “Mais de 70% devem votar”, dizia Chávez.

O presidente Chávez tem insistido de que a chamada revolução bolivariana é uma experiência inédita de trânsito pacífico para o socialismo e ele acredita que as conquistas deste processo permitem ao povo venezuelano mais educação e muito mais condição de decidir com clareza os seus destinos. Toda esta preocupação com a eleição aconteceu porque há setores dos movimentos populares que estão pregando a abstenção às urnas, em função das críticas que fazem ao governo. Para Chávez, as críticas não são problema, o que o preocupa é pensar que, por conta de uma incapacidade de diálogo com esses setores, a velha direita possa voltar com força e introduzir, outra vez, as demandas, do velho Estado Venezuelano, barrando as possibilidades de mudança sob o ponto de vista popular. Por isso, as eleições estão com as colorações de uma grande batalha, porque, afinal, neste tabuleiro se estão jogando os destinos da república.

A república bolivariana tem apontado caminhos de transformação nas experiências de organização popular, nas missões, no processo de controle das fábricas por trabalhadores, nos mercados populares, na saúde da família, na educação, na construção dos requisitos básicos para se chegar à propriedade social. Isso não é pouca coisa, são transformações que, de alguma forma, mexem na estrutura. Mas, para alguns setores da esquerda, isso não é suficiente. Há muita crítica com relação ao PSVU, que teria indicado na base do “dedaço” os seus candidatos, o que configura uma prática da velha direita.

A mídia venezuelana, que segue nas mãos das oligarquias, tem feito a campanha da oposição e desde a última semana em um momento falam em empate técnico, noutro acusam Chávez de comprar os votos, de atuar ilegalmente. Enfim, um jogo muito conhecido de tentativa de enredar o espectador nas malhas de uma confusa realidade.

Por outro lado a vida na Venezuela não anda muito tranqüila. Há uma crise de energia elétrica, os preços estão altos, aparecem muitos casos de corrupção dentro da máquina governamental, há problemas nos governos locais cada dia mais enrodilhados em burocracias sem fim. Ainda assim, o governo pede confiança e insiste: só com a vigilância permanente do processo, feita pelos próprios venezuelanos, pode fazer com que os problemas se resolvam.

Desde 1999, quando, depois de eleito Chávez chamou eleição para a formação de uma Constituinte, a Venezuela passou por 15 processos eleitorais.