quarta-feira, 22 de julho de 2009

Universidade com estudantes

Mês de julho é tempo de férias na UFSC, e tempo de solidão. Os lugares ficam vazios, não há risos de moços, falta alegria e poucos trabalhadores circulam pelo campus. Há os que gostam, acreditando que os estudantes são os que atrapalham a vida por aqui. Eu não. Gosto é do cheiro e do sabor da juventude vibrante, que ri por nada, que grita, que sonha em voz alta, que desaloja, que perturba a ordem. Eu me alimento é disso e é, talvez, o que me faz seguir vivendo neste lugar onde quase tudo mumificou.

Por isso que nesta segunda semana de julho o riso assomou outra vez na minha cara triste de férias escolares. De repente, pelas janelas do Centro Sócio-Econômico, saltaram as toalhas de coloridas formas e desenhos. Pelos corredores pulularam as barracas de camping e pelas escadas se ouviu o riso cristalino dos jovens em marcha. Aquele frescor de quem tudo ainda tem por conquistar. É que aconteceu o encontro nacional dos estudantes de economia e, pasmem, a universidade permitiu que eles ficassem acampados dentro dos prédios.

Disse pasmem porque até pouco tempo os centros de ensino da UFSC negavam sistematicamente que se permitisse a realização de encontros, com gente circulando e dormindo nos prédios. Era aquela visão mumificada, de medo do jovem, de medo da “desordem”, de medo do novo. Foi preciso muita conversa, muita luta para que a universidade fosse outra vez devolvida aos estudantes. Afinal, não são eles as criaturas mais importantes nesta casa de saber?

Pois no cotidiano não é o que parece. Posso ver agora, nestes dias de agitação popular pelo CSE. Alguns trabalhadores torcem o nariz. “Eles sujam tudo”. Outros professores nem aparecem. “Está um caos”. Mas quem aqui está e ama esse turbilhão se compraz, sorvendo a vida que floresce entre Marx, Smith, Ricardo, Friedman e outros que tais... Universidade devia ser isso. Muita gente, grandes debates, música, risos, festas e grupos de discussão. E as pessoas deveriam amar isso tudo, aprender, conhecer, partilhar, sem pressão nem opressão.

O golpe em honduras

Veja análise do professor Nildo Ouriques sobre os acontecimentos em Honduras.

sábado, 18 de julho de 2009

Transporte coletivo: uma história encoberta


Há quem diga que os meios de comunicação de massa não são tão poderosos assim e que as pessoas podem muito bem ver e ouvir criticamente aquilo que eles transmitem. Está bem, também penso assim. Mas, existe uma coisa sobre os meios de comunicação que é extremamente nociva à sociedade, e é aí que mora o perigo. É o fato de omitirem informações. É o silêncio da fala, o que não é dito, que faz falta ao leitor/espectador crítico. Assim foi durante a última greve dos trabalhadores do transporte coletivo em Florianópolis. Quando tudo acabou e a cidade voltou ao normal, a impressão que ficou foi de que os trabalhadores, mais uma vez, tinham sido os culpados pelo aumento das tarifas.

Durante todo o conflito envolvendo trabalhadores, prefeitura e donos de empresas, os jornais, as rádios e as televisões não informaram as pessoas sobre algumas coisas que são importantes para se analisar os fatos. Assim, uma conversa com Ricardo Freitas, assessor do Sindicato dos Trabalhadores do Transporte Urbano abriu um pouco a caixa-preta. Vejamos:

Quando chegou o mês de dezembro de 2008, a tarifa era de R$ 1,98. Em Janeiro o Conselho Municipal de Transporte se reuniu e decidiu que a tarifa deveria aumentar em 11,11%, totalizando R$ 0,22, passando a R$ 2,20. O prefeito, muito “preocupado” com a população, decidiu aumentar apenas R$ 0,12 centavos, guardando os outros R$ 0,10 centavos na manga para usar em outra hora. E assim, quando o ano de 2009 rompeu, a tarifa de ônibus passava para R$ 2,10 em vez dos R$ 2,20 deliberados pelo CMT. Mas, naqueles dias os empresários não foram às TV dizer que estavam no prejuízo e seguiram felizes, além do aumento de R$ 0,12 na tarifa, também recebendo do poder público outros R$ 0,12 centavos referentes ao subsídio por cada rodada de catraca, o que totaliza 550 mil reais por mês, em média. Tudo parecia bem, a não ser para o povo que tomou mais um aumento.

Agora é que vem o desvelamento da grande mentira protagonizada pelos empresários durante a greve. Pois quando os trabalhadores decidiram entrar em greve por conta da reivindicação de um aumento de 7%, os patrões resolveram dizer que não, que teriam dificuldade em pagar e tornaram o poder público refém de sua negativa. Mas, ao analisar os números reais vai-se perceber que na composição do custo tarifário o gasto com os trabalhadores é de apenas 41% do total, o que significaria que um reajuste de 7% no salários aumentaria apenas 2,8 % no custo total do transporte. Assim, se fosse o caso de considerar uma relação entre tarifa e salário, o aumento deveria ser de apenas R$ 0,7 centavos.

Ora, mas o que acontece é que no mês de janeiro, quando a tarifa passou de R$ 1,98 para R$ 2,10, os empresários do transporte já tinham alcançado um reajuste de R$ 0,12 centavos portanto R$ 0,05 centavos a mais do que deveriam desembolsar para majorar o salário dos trabalhadores. Assim, ao ganharem mais R$ 0,10 centavos agora em julho no total da tarifa, eles apenas aumentaram os lucros, visto que além destes R$ 0,10 centavos eles tem os R$ 0,05 do aumento passado e ainda levam, agora, mais 0,3 centavos por rodada de catraca, já que também aumentou o valor do subsídio por virada de catraca, passando a ser de R$ 0,15 centavos. Jogada de mestre. Ou seja, além de mais R$ 0,10 na tarifa, os patrões levaram mais R$ 0,03 no subsídio, totalizando no ano um aumento de R$ 0,25, por tarifa que recebem. O acordo com os trabalhadores custou, no total, R$ 0,07 centavos.

Então, tudo o que se viu nestes dias de greve não foi o conluio dos trabalhadores com o Setuf, como alguns disseram, mas sim o mesmo velho jogo daqueles que permanentemente lucram com a vida e o trabalho das gentes. Não bastasse os empresários terem feito uma espécie de chantagem com o poder público, ao exigirem mais subsídio e outro aumento de tarifas, eles ainda lucram em outra ponta do sistema que é a da Cotisa, a empresa que administra os terminais. No custo total do serviço de transporte estão reservado 8% do total para o pagamento do uso do terminal. Só que os donos dos terminais são os mesmos das empresas de ônibus. Assim, eles pagam para eles mesmos. É uma loucura. Logo, não é gasto.

Então, esses R$ 2,20 de passagem que pagamos agora já estavam definidos lá em dezembro, quando o CMT deliberou. Mas, a jogada era essa, deixar tudo estourar nos meses de negociação salarial para que as pessoas ficassem com a impressão de que a culpa pelo aumento era dos trabalhadores. E o pior é que, sem informação, as pessoas pensam as coisas mais doidas.

Bom, desfeito o engano, o que fica de concreto é a necessidade cada dia mais urgente da municipalização do transporte. Não dá mais para a cidade e o poder público ficarem reféns dos empresários do transporte. Se a prefeitura já subsidia o transporte com mais de 500 mil ao mês, tem todas as condições de assumir o controle do sistema e baratear a passagem até que se chegue à tarifa zero. As pessoas precisam entender que o transporte coletivo é um serviço público que, no mais das vezes, serve quase que exclusivamente para levar os trabalhadores para seus lugares de trabalho. Ou seja, serve muito mais aos patrões embora quem pague sejam os trabalhadores. Isso tem que acabar. Assim como pagamos impostos para termos a iluminação pública nos caminhos da nossa cidade, também os impostos das gentes, e principalmente dos empresários, deveriam custear a tarifa zero no transporte público. Assim, as pessoas poderiam, finalmente, ter garantido o seu direito de ir e vir nas cidades, conforme pregam os liberais.

terça-feira, 7 de julho de 2009

No ônibus, feito bruxa...



Ali estou eu no ônibus das 17h15, que passa pela escola Brigadeiro Eduardo Gomes. Num átimo tudo se transforma e as crianças entram aos borbotões. Preparo o espírito porque estou de baixo astral, sem disposição para a balbúrdia do ônibus-babel. A gurizada entra e, como sempre, muitos deles ficam me olhando. Porque desde há anos uso um bindi, o terceiro olho da crença oriental. Mas, agora, com a novela da Globo, isso virou um inferno.

As meninas espiam e cochicham, rindo. Uma delas não se agüenta e lança um “are baba” pra mim. Finjo que não escuto, sem disposição para explicar que aquele bindi nada tem a ver com as coisas da alienante e boba novela global. Já tinha pensado em não mais usar, mas, também, porque eu teria de renunciar a um costume que tenho por conta de uma passageira novela? Sigo usando, mas me estresso quando alguém liga o enfeite à trama da Globo.

Então, do meu lado, sentou um anjo. Guri franzino, magricela, de olhos muito vivos. Olhou pra mim curioso e disparou.
- Tu é cigana?
- Não!
- E o que é isso na tua testa?
- Um olho que vê o coração das pessoas.
- Tu vê o meu?
- Sim. Ele está vendo que tu és um guri bem bagunceiro na escola, mas me diz também que isso logo vai passar e que tu vais ser bem estudioso porque, no futuro, vais cuidar das pessoas.

Ele me olhou estupefato, como se eu tivesse lido mesmo sua alma.
- Ééééé´... eu quero ser médico. Será que vou ser?
- Vai sim. É só estudar bastante e enfrentar com valentia todas as barreiras.

Ele se virou e disse bem alto aos colegas. “Vou ser médico. Ela é bruxa e viu”. Então abriu os cadernos e me mostrou os desenhos que fazia. “Esse vou dar pro meu pai”. Eram dois bonecos numa espécie de consultório. “Esse sou eu”, apontou o médico. E foi conversando, feliz, até saltar, carregando a mochila grande demais para seu corpo miúdo. Lá de fora, abanou, com um riso largo. E eu que tinha entrado bem triste naquele ônibus, me fui com a alma cheia de alegria. Porque existem meninos que sonham ser médico nestes caminhos secretos do meu Campeche, e eu posso ver...

sábado, 4 de julho de 2009

Honduras resiste!

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Na greve, fique em casa!



Quando o capitalismo começou era assim. Os ricos montavam fábricas e os trabalhadores se amontoavam em volta delas com suas choças, as quais só serviam para dormir,uma vez que eles ficavam mais de 18 horas no trabalho, inclusive suas mulheres e filhos. Depois, com o passar do tempo e o crescimento das cidades, os lugares onde o comércio vicejava passaram a ser reconhecidos como zonas nobres e uma nesga de terra nestas áreas encareceu demais.

É por isso que nas grandes cidades os trabalhadores, no mais das vezes, moram sempre longe de seus locais de trabalho. As regiões nobres se enchem de comércio e prédios de primeira classe e os pobres vão sendo afastados para o interior, os bairros, as encostas dos morros e, até, para municípios vizinhos. Em Florianópolis, por exemplo, um aluguel perto da universidade federal, zona nobre, não é coisa para tabalhador. No centro, nem pensar. Bairros como o Estreito, Coqueiros e Costeira, que ficam bem próximos do centro, também são caros.

Não é à toa que o transporte coletivo seja tão necessário. Ele serve para levar e trazer os trabalhadores que se deslocam de grandes distâncias para exercer seu ofício. Em Florianópolis, são mais de 200 mil pessoas nos ônibus todos os dias. Portanto, o transporte coletivo deveria ser responsabilidade dos patrões, dos que sugam a mais-valia daqueles que vendem sua força de trabalho. São os patrões que deveriam se estressar no caso de uma greve de ônibus, como a que vivemos agora na capital. Mas, em vez de vermos os magnatas se desesperando, o que a gente vê? Trabalhadoes brigando uns com os outros pelo lugar numa Van. Gente chingando os grevistas - trabalhadores como eles - porque estão lutando por vida digna.

O caos entre os usuários do transporte se instala, as ruas ficam cheias de gente que anda quilômetros para chegar no local de trabalho, que se desespera. Enquanto isso, nas mansões, nas casas chiques, ninguém sequer sabe o que acontece. Os patrões e seus agregados seguem com suas vidas mansas sem nem se importar. Os donos dos ônibus recusam aumentos pífios aos trabalhadoes e ameaçm com aumentos na passagem. A prefeitura se dispõe a encher as burras dos empresários, sempre mais e mais, sem se decidir a encampar o transporte público como coisa pública de fato. E assim vamos nós até a próxima greve.

Penso que o melhor seria todo mundo ficar em casa. Descansando, lendo, fazendo tricô, comendo pinhão. Os trabalhadoes deveriam dar seu apoio aos que estão lutando, fazendo os que lhes sugam o sangue diariamente ver que eles também são importantes no processo de produção. Ficar em casa, deixar a rua vazia, o comércio parado, as fábricas e as repartições vazias. Aí os jornalistas de aluguel fariam sua matérias alarmistas sobre como "a economia parou" e os patrões tremeriam diante da queda dos lucros e pressionariam os colegas donos de empresa de ônibus a ceder. Ninguém mais do que os empresários defendem o direito de ir e vir dos trabalhadores, não é mesmo? Nem que seja só para o eterno girar na mó da escravidão...

Estas greves, sempre a me ensinar...

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Para entender o golpe em Honduras



De repente, um pequeno país da América Central, cuja capital poucos conseguem pronunciar o nome, Tegucigalpa, virou notícia mundial. Uma velha e conhecida história ali se repetia, quando mais ninguém acreditava que isso pudesse ser possível. Um golpe de estado contra um presidente que não é nenhum revolucionário de esquerda, pelo contrário, é um bem comportado político do partido liberal. O motivo do golpe é pueril: a decisão do presidente de fazer uma consulta popular sobre a possibilidade de uma Constituinte. Em Honduras, ouvir o povo é considerado um ato de lesa pátria. Nada poderia ser mais anacrônico nestes tempos de particpação protagônica das gentes.

A história
Honduras é um pequeno país da América Central cuja história é muito peculiar. Primeiro, porque foi o berço de uma das mais incríveis civilizações desta parte do mundo: os maias. E segundo, porque durante as guerras de independência que tomaram conta da américa espanhola, foi ali que se criou a República Federal das Províncias Unidas da América Central, um ensaio da pátria grande, tão sonhada por Bolívar. Os maias foram dizimados e a proposta de federação não resistiu ao sonhos de grandeza de alguns e, em 1838, a região da América Central também balcanizou. Honduras virou um estado independente e acabou entrando no diapasão das demais repúblicas da região: dominada por caudilhos e fiel serviçal das grandes potências da época, tais como a Inglaterra, a Alemanha e a nascente nação dos Estados Unidos.

As ligações perigosas
Como era comum naqueles dias, a elite governante se digladiava entre liberais e conservadores. Com o fim da idéia de federação e a morte do liberal Francisco Morazón, considerado o mártir de Tegucigalpa, que morreu em 1842 ainda lutando pela unificação da América Central, os conservadores assumiram o comando e o país virou prisioneiros da dívida externa, conforme conta o historiador James Cockcroft, no livro América Latina e Estados Unidos. Os liberais só voltaram ao poder no final do século XIX, mas já totalmente catequisados para viverem de maneira dependente dos países centrais. No início dos século XX chegaram as bananeiras estadunidenses e com elas o processo de super-exploração. A United Fruit Company, a Standart Fruit e a Zemurray´s Cuyamel Fruit passaram a comandar os destinos das gentes. E quando estas tentaram se rebelar, foi a marinha estadunidense quem desembarcou no país para aplastar as mobilizações. Honduras virou, desde então, um país ocupado. Os camponeses trabalhavam nas piores condições e as bananeiras ditavam as leis, financiando os dois partidos políticos locais.
Nos anos 30, quando uma grande depressão agitou o país, o governante de plantão, General Carías, submeteu o país, com a ajuda armada estadunidnese, a 16 anos de lei marcial. E, como é comum, quando ficou obsoleto, foi retirado do poder por um golpe.

Em 1950, depois da segunda guerra, as bananeiras exigiram mudanças e o Banco Mundial foi chamado para promover a “modernização” de Honduras. Gigantesgas greves de trabalhadores – como a dos plantadores de banana que parou o país por 69 dias - e de estudantes foram aplastadas em nome do desenvolvimento. E tudo o que eles queriam era o direito de ter um sindicato. Havia eleições mas, na verdade, com uma elite claudicante eram os militares quem davam as cartas e foram eles, apavorados com os avanços dos trabalhadores, que assinaram um acordo com os Estados Unidos para que este país pudesse ter bases militares no território hondurenho.

O medo de mais revoltas populares fez com que o governo realizasse uma espécie de reforma agrária nos anos 60 e 70 que acabou freando as mobilizações no campo, embora o benefício não tenha chegado a um décimo dos camponeses. Ao longo dos anos 70 os escândalos envolvendo generais no governo e as bananeiras se sucederam, causando mais mobilização nas cidades e nos campos, onde ostrabalhadores já se organizavam de modo mais sistemático. Mas, os anos 80 trarão um nova ocupação estadunidense que acabou subordinando a vida das gentes outra vez.

Os sandinistas e os EUA
Os anos 80 são tempos de guerra fria. Os Estados Unidos insistem na luta contra Cuba e também contra a Nicarágua que busca sua autonomia através da revolução sandinista. E, assim, com o mesmo velho discurso de combater o comunismo, Jimmy Carter manda para Honduras os seus “boinas verdes”, para ajudar na defesa das fronteiras, uma vez que o país faz limite com a Nicarágua. Além disso, os EUA abocanham mais de três milhões de dólares pela venda de armas e alugel de helicópteros. Na verdade, lucram e ainda usam o exército hondurenho para realizar numerosas matanças de refugiados salvadorenhos e nicaraguenses. É ali, em Honduras, que, com o apoio da CIA, se leva a cabo o treinamento dos contras que, por anos, assolaram a revolução sandinista e o próprio governo revolucionário. Era o tempo em que um batalhão especial liderado por um general hondurenho anti-comunista, promoveu massacres contra lideranças da esquerda de toda a região. E assim, durante toda a década, apesar dos escândalos políticos e mudanças de mando, a “ajuda” estadunidense aos generias de plantão sempre se manteve impávida com milhões de dólares sendo investidos nos acampamentos dos contras, que somavam mais de 15 mil soldados.

Nos anos 90, a situação em Honduras era tão crítica que até a conservadora igreja católica passou a apoiar os militantes dos direitos humanos que denunciavam estar o país a beira de uma guerra. A derrota dos sandinistas na Nicarágua refreou os ânimos, mas ainda assim, seguiram as denúncias de assassinatos e violações. No final da década, os governos neoliberais já haviam destruido as cooperativas de trabalhadores e devolvido terras às companhias estadunidenses. Nada mudava no país.

Zelaya
Manuel Zelaya foi eleito presidente em 2005, pelo Partido Liberal, mas esteve em cargos importantes durantes os últimos governos. Era, portanto, um homem do sistema. Seus problemas com os Estados Unidos começaram em 2006, quando decidiu reduzir o custo do petróleo, passando a discutir com Hugo Chávez, da Venezuela, a possibilidade de negócios conjuntos, o que acabou culminando, em janeiro de 2008, com a entrada de Honduras na órbita da Petrocaribe, um acordo de cooperação energética que busca resolver as assimetrias no acesso aos recursos energéticos. Este acordo incluiu Honduras na lógica da ALBA, a Alternativa Bolivariana para as Américas, projeto de Chávez em contraposição à ALCA, que tentava se impor a partir dos Estados Unidos. A proposta de Chávez foi a de vender o petróleo a Honduras, com pagamento de apenas 50%, sendo a outra metade paga em 25 anos, com um juro pífio, permitindo assim que Honduras investisse em áreas sociais. O plano, apesar de bom para o país, foi duramente criticado pela classe política. E os Estados Unidos perderam um parceiro de TLC (os mal fadados acordos de livre comércio), o que provocou tremendo mal estar em Washington.
Assim, quando o presidente Zelaya decidiu fazer um plebiscito, consultando a população sobre a possibilidade de uma Assembléia Nacional Constituinte, e não apenas de uma mudança para um novo mandato como dizem alguns veículos de informação, o mundo veio abaixo. Entre os direitistas de plantão e amigos da política estadunidense, isso era influência de Chávez. O próprio partido Liberal reacinou contra a medida, considerada “progressita” demais. Afinal, uma nova Constituinte colocaria o país num rumo bastante diferente do que vinha sendo trilhado nas últimas décadas. Mesmo assim o presidente levou adiante a proposta de ouvir a população e acabou exonerando o chefe do Estado Maior, general Romeo Vásquez Velásquez, quando este se recusou a distribuir as cédulas para a votação. A Corte Suprema votou contra a consulta popular e exigiu que o presidente reconduzisse o general ao seu posto, o que foi negado. Por conta disso, no dia da votação, domingo, dia 28, os militares prenderam Zelaya, o sequestraram e o levaram para Costa Rica, coincidentemente seguindo os mesmos trâmites do golpe perpetrado contra Chávez em 2001. O Congresso hondurenho chegou a discutir até a sanidade mental do presidente e, no dia do golpe, se prestou a ler uma fictícia carta de renúncia, imediatamente desmentida pelo próprio presidente desterrado. Ainda assim, o Congresso decidiu instituir o presidente da casa, Roberto Micheletti, como presidente da nação. Este, nega que esteja assumindo num momento de golpe. “Foi perfeitamente legal a ação do Congresso”, dizia, e, enquanto isso, mandava suspender os sinais de televisão e os telefones.

Reação Popular
Agora estão jogados os dados. O presidente Zelaya disse que volta a Honduras nesta quinta-feira e vai acompanhado de presidentes de nações livres e amigas, tais como Equador e Argentina. O mundo inteiro repudiou o golpe e nenhum país reconheceu o governo golpista. A população deflagrou greve geral no país e, aos poucos, as grandes cidades estão parando. A proposta de Zelaya é reassumir e terminar o seu mandato. Não se sabe se ele vai insistir na consulta popular para uma nova Constituição, tudo vai depender da correlação de forças. Se a sua volta se der a partir da mobilização popular, haverá condições objetivas de apresentar esta proposta aos hondurenhos, além de purgar toda a camarilha que buscou reavivar um passado que as gentes de Honduras não querem mais. Há rumores de que políticos da direita estejam alinhavando um acordo, permitindo a volta do presidente, mas exigindo que ninguém seja punido. Se assim for, a volta será derrota.

O cenário mais provável é que, configurado o apoio popular e também o apoio da comunidade internacional, o presidente Zelaya coloque para correr os golpistas e inaugure um novo tempo em Honduras. Caso seja assim, enfraquece o domínio dos Estados Unidos na região e cresce o fortalecimento da Aliança Bolivariana dos Povos de Nuestra América.