segunda-feira, 20 de abril de 2009

Palavras não bastam


O discurso do presidente Barak Obama na V Cúpula das Américas foi absolutamente claro no que diz respeito à relação que seu governo pretende ter com a América Latina: ou os países da América Latina fazem o que ele manda ou a mão do império se abaterá sobre eles. Os otimistas dirão que isso é uma loucura, que nada disso foi pronunciado e, em parte, estarão certos. A fala, assim, não foi pronunciada. Mas, como dizia Jesus, quem tem ouvidos para ouvir, ouviu.

Barak Obama é um homem cheio de bossa. É bonito, é simpático, carismático. Chegou com sorrisos, apertos de mão, disposto a ouvir inclusive aqueles que eram considerados “terroristas” pelo governo Bush, tal como Chávez e Morales. Falou depois do discursos de outros presidentes e não moveu qualquer músculo quando ouviu as críticas ao governo dos Estados Unidos e seu criminoso o bloqueio a Cuba. Mas, quando falou, foi claríssimo. Disse que ele era diferente dos presidentes anteriores e que iria promover mudanças. Pediu que o passado fosse esquecido e que agora os demais presidentes olhassem para frente. Depois, seguiu num simpático discurso de união, respeito e cooperação. Salientou quatro pontos em relação aos quais gostaria de ter a parceria amiga dos países da América Latina: a segurança, a energia, o combate ao narcotráfico e os Direitos Humanos.

Sobre Cuba a fala do “adorável” presidente não foi diferente da de qualquer outro que já passou pelo cargo. Poderia sim rever o bloqueio ou estabelecer novas relações, mas Cuba deverá “ter antes eleições livres e respeitar os direitos humanos”. Ora, qual é a diferença dos Bush pai e filho, de Reagan, de Clinton? O mesmo velho e rançoso papo da liberdade e da democracia que serve de “desculpa” para as centenas de invasões e mortes provocadas pelo país no passado que Obama pede para todos esquecerem.

Obama diz que já estendeu uma mão a Cuba liberando a remessa de dinheiro e as viagens, e que agora Cuba precisa soltar os presos políticos e entrar no rumo da democracia garantindo a liberdade de expressão. Ora, de qual democracia Obama fala? Desta em que os cidadãos só votam uma vez a cada quatro anos e quase nada sabem do que se passa no mundo? Ou a democracia cubana na qual as gentes participam dos processos decisórios desde os comitês de rua? E como falar em “soltar presos políticos” quando tem uma base de Guantánamo repleta de gente que não teve sequer direito a um julgamento, além de sofrer torturas inimagináveis? E a liberdade de expressão, o que isso quer dizer? Liberdade de empresa, como a que existe nos EUA? Se esquecermos o passado podemos até pensar que a fala de Obama pode ter alguma novidade. Mas, é possível esquecer?

As quatro metas

Outros elementos do discurso de Obama devem servir para colocar a América latina com as barbas de molho, mesmo aqueles que decidirem “esquecer o passado” de invasões, mortes, golpes de estado e intervenções clandestinas via CIA. O presidente dos Estados Unidos quer definir uma política de segurança para o Continente. Vamos então observar as letras pequenas. Quando o império fala em segurança o que está querendo dizer? Que deverá, com certeza, reforçar sua ocupação nos chamados “países falidos”, aqueles que estão em tal estado de caos e de descontrole (muitas vezes provocados pelos EUA) e que já não conseguem governar sem ajuda.

Hoje os Estados Unidos já cercam militarmente todas as riquezas da América Latina. Há uma base militar em Manta no Equador, outras duas na Colômbia, em Três Esquinas e Letícia e uma em Iquitos, no Peru. Estas quatro controlam toda a regiaõ Amazônica. Existem ainda as bases de Rainha Beatrix, em Aruba e a de Hato, em Curaçao. Estas duas estão praticamente na frente da Venezuela e podem ser de grande valia num momento de ocupação da região do petróleo. E, na América Central tem a base de Comalapa, em El Salvador , a de Vieques, em Porto Rico , a de Soto do Cano, em Honduras e a de Guantánamo, em Cuba. Agora , para fechar a completa dominação os Estados Unidos desejam estabelecer uma base na Terra do Fogo, na Argentina, e outra no Brasil. Será que Lula vai permitir? Isso sem falar nas andanças da Quarta Frota pelo litoral da América Latina numa mostra aviltante do seu poderio militar. Quando fala em cooperação na segurança é disso que fala Obama: a segurança do seu país na dominação das riquezas desta que é a maior reserva energética do planeta: a América Latina.

Aí chegamos ao segundo ponto: a energia. Os Estados Unidos são quase completamente dependentes do petróleo. O consumo alucinado do império não sobrevive muito tempo sem o óleo negro do oriente médio e da Venezuela. Daí que encontrar caminhos para uma energia alternativa tem muito mais a ver com a sustentação do país do que com salvar o planeta. E aí, a “cooperação” da América Latina também é muito interessante. Aqui, nas terras que ficam abaixo do rio Bravo estão as maiores riquezas do mundo. Há petróleo em abundância, há florestas, biomassa, biodiversidade, biocombustíveis, gás, minerais, enfim, um inesgotável mundo de opulência que torna este espaço geográfico muito cobiçado. Não é sem razão que o continente está cercado. Porque afinal, se faltar cooperação, sempre há a possibilidade de uma ação armada.

O combate ao narcotráfico é outra desculpa do império para interferir na vida política e econômica dos países da América Latina. Segundo estudiosos da política dos Estados Unidos, tais como John Saxe-Fernández e Marco Gandásegui, a disseminação das drogas pelos países da periferia capitalista nada mais é do que uma bem pensada forma de torná-los ingovernáveis. Com as drogas e todo o esquema de poder paralelo que se estabelece vai se criando o que os fazedores de caos chamam de “estados falidos”. Sem controle sobre o crescente narcotráfico, os países acabam precisando da providencial “ajuda” dos Estados Unidos. Este tipo de coisa é bem comum na história recente como, por exemplo, no Afeganistão, onde a produção de drogas triplicou depois da ocupação dos Estados Unidos. A mesma coisa se verifica na Colômbia, conforme conta o jornalista Hernando Calvo Ospina. Ali, com todo o aparato militar estadunidense a produção de cocaína cresceu vertiginosamente. “Na verdade, os militares estão ali para combater os grupos de libertação e para garantir o controle das riquezas”.

O terceiro ponto do discurso de Barak Obama foi a necessidade dos países da américa baixa respeitarem os direitos humanos. Isso soa muito familiar. Quem não se lembra das falas messiânicas de Bush pouco antes de invadir o Iraque? Para lá mandava seus soldados na tentativa de “salvar” o povo iraquiano que vivia torturado pelo ditador Sadan Hussein. Seguindo a máxima de “esquecer o passado”, em nenhum momento o presidente Bush lembrou aos seus conterrâneos que o “sanguinário ditador” tinha aprendido a ser assim com os militares dos EUA, afinal, durante muito tempo Sadan tinha sido pupilo da CIA. E, assim como ele, o famoso Bin Laden a quem se atribui a destruição das torres que deu origem ao banho de sangue de Bush no Oriente Médio. Podemos ainda lembrar da Escola das Américas que desde 1946 vem ensinando como assassinar, torturar, destruir e desmontar a mente de um prisioneiro. Hoje ela aparece, instalada no Forte Benning, estado da Geórgia, com um nome mais inocente – Instituto do Hemisfério Ocidental para Cooperação em Segurança – mas seus objetivos seguem os mesmos. Esta é a política do presidente Obama para segurança e direitos humanos?

O futuro

A Cúpula das Américas terminou com abraços, sorrisos e destensionamento de relações humanas. Obama falou com Chávez, Chávez deu um livro para Obama. Os chefes de estado se comportam amigavelmente porque assim pede o protocolo. Mas, isso não significa que as relações entre os países sejam exatamente iguais. Tanto que, há poucos dias da cúpula, na Bolívia, as garras da velha águia tentaram o assassinato do presidente Evo Morales usando as figuras de sempre, mercenários a soldo. Nada mudou. Para aqueles que não estão dispostos a esquecer o passado, este tipo de ação, normalmente controlada pela CIA, já foi responsável pela deposição de presidentes, golpes de estado etc... Tudo como manda o manual de desestabilização dos países que caminham numa outra direção que não a que ordena o império.

A alienada cobertura da mídia brasileira aos fatos que envolvem o novo presidente dos Estados Unidos também não é novidadeira. Desde sempre a elite do Brasil olhou com bons olhos a “paternal” ajuda do país do norte na política e na economia. Para essa gente, acostumada a drenar o sangue da maioria da população, não há problema nenhum em ser fiel gerente do império. As migalhas que dele sobram são suficientes para alimentar-lhes a vida boa. Então, não é sem razão que os telejornais e os jornalões saúdem a V Cúpula como um momento de glória para Obama, o simpático.

Já para aqueles que sabem que o passado não pode ser esquecido sob pena de trágica repetição, o encontro não trouxe muitas novidades. Estas só poderão serão percebidas na prática cotidiana. Os dias passarão e o governo dos Estados Unidos, agora sob a batuta de Obama terá de provar, com ações reais e concretas, que mudou. Antes disso, são só palavras e estas, bem o sabemos, o vento leva.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Do MST ao Jornalismo de Libertação

Será no dia 16 de abril, no Auditório do Centro Sócio-Econômico da UFSC, às 19h, o lançamento do livro da jornalista Elaine Tavares: “Porque é preciso romper as cercas: Do MST ao Jornalismo de Libertação”. Neste trabalho, Elaine narra uma histórica ocupação do MST, a da Fazenda Anonni, no interior do Rio Grande do Sul, ocorrida em 1985/86. E, nesse contar das lutas das gentes, ela desvela a sua própria trajetória na busca de um jornalismo que se compromete e toma posição, sem perder o foco na realidade objetiva.

São os primeiros passos da discussão do que mais tarde Elaine veio a cunhar como Jornalismo Libertador, conceito no qual se ampara o jornalismo que não é servil, nem porta-voz dos poderosos, mas que narra a vida desde o olhar da comunidade das vítimas, como ensina o filósofo da libertação, Enrique Dussel.

Hoje, falar deste acampamento que existiu no interior de Sarandi, com mais de seis mil pessoas acampadas, é recuperar o caminho histórico do MST, atualmente acossado por agressões de toda sorte, como a que obriga o fechamento de suas escolas no Rio Grande do Sul. Então, o lançamento do livro acaba sendo também um momento de justo apoio a este movimento que tem sido um sendero de luta e transformação.

Assim, o encontro terá poemas, musica, a fala do MST, produtos da reforma agrária para serem degustados (vinho, queijo e salame) e o livro da Elaine. Uma noite para homenagear o MST e conhecer suas origens.

Sobre a autora: Elaine Tavares, jornalista e pesquisadora no IELA/UFSC, é gaúcha nascida em Uruguaiana, Rio Grande do Sul. Viveu sua infância em São Borja, na barranca do rio Uruguai e, depois, foi virar mulher às margens do "Velho Chico", em Pirapora, Minas Gerais. Das heranças ribeirinhas que amealhou, estão a paixão pela vida dos que andam nas estradas secundárias e o amor pela narração das histórias. Contar das gentes tem sido sua sina. Vivendo em Florianópolis desde 1987, também aprendeu com o mar que, às vezes, é preciso se jogar barulhento nos penhascos para capturar a beleza de se ser quem se é.

Dia 16. 19h

Auditório do CSE/UFSC

sábado, 4 de abril de 2009

Pela ordem, senhores!


A Assembléia Legislativa de Santa Catarina votou e aprovou por amplíssima maioria o novo Código Estadual do Meio Ambiente. Não valeram os estudos, as contradições, a polêmica, nem mesmo a sombra da tragédia ambiental que se abateu sobre a região do Vale do Itajaí, que praticamente derreteu a cidade de Blumenau. Dos 41 deputados, 38 votaram sim, sete se abstiveram e dois estavam ausentes. Nas galerias lotadas de pequenos agricultores vindos de todos os cantos do estado, não havia espaço para a dúvida: o código era a salvação da lavoura. Usando o artifício da manipulação, os deputados transformaram toda discussão da lei num único ponto: o espaço nas margens do rio. Durante os discursos, foi o que predominou. Os ambientalistas, acossados em um pequeno espaço do plenário, eram vistos como inimigos. Ao final, o que parece ter ficado realmente claro é que os organismos de luta ambiental não conseguiram levar o debate aos agricultores, o que favoreceu aos governistas, que deram coloração ideológica ao tema. Tampouco os demais movimentos organizados, como os sindicatos mais combativos, se envolveram na luta. O resultado foi, em nome do “desenvolvimento”, a abertura de uma porta para a destruição ambiental do estado que já acumula a estatística de ser o que mais degrada a mata atlântica.

O cenário da trama
Plenário lotado, saguão da assembléia também. Como o espaço ficou pequeno, mais um telão foi montado na rua, sob uma imensa e cara estrutura de lona. Os discursos se sucediam em clima de guerra. As falas iam direto ao coração dos pequenos produtores, que passaram a figurar como os “grandes prejudicados”, caso o código não passasse. Assim, a lógica era essa: quem se manifestasse contra o código era automaticamente contra a pequena produção. Não havia meio termo.
Entre os milhares de pequenos produtores que se postavam em frente aos telões o clima era de confronto com qualquer um que parecesse ligado à luta ambiental. “A senhora é ambientalista?” Diante da negativa, as falas transbordaram em justificativas. E, no fundo, eles certamente tem razões para buscar a aprovação do código, embora não conheçam dele as “letras pequenas”. No geral, querem apenas defender o direito de plantar mais perto do rio e cortar as árvores que hoje estão proibidas de corte como a araucária e o angico.

Vindo da cidade de Bocaiúva, Ivone Rodrigues da Silva, mais conhecido como “Calça-Larga” não hesita em defender o código. Com ele vieram mais dezenas de agricultores lotando quatro ônibus. “A senhora veja que um pequeno produtor tem pouca terra. Se tiver de deixar 30 metros do rio, o que nos sobra? Nós vamos ficar sem espaço para plantar. E somos nós os que plantamos a comida de toda a gente. Como vamos produzir arroz, feijão?”

Fernando Carlos Mezzaroba veio de Videira, também num grupo de vários ônibus. A preocupação dele é com a madeira. “E as árvores? Eu tenho 400 pinheiros lá na minha terra e não posso fazer nada com eles. Então, o que a gente faz? A gente corta quando elas brotam, porque se vingar, não dá mais pra tirar. Isso é o que acaba com o pinheiro, porque ninguém mais quer plantar”.
Rubens Hoffmann, de Mirim Doce, também justificava o apoio na necessidade de usar o espaço perto do rio. “A gente planta, mas a gente conserva. A gente faz o manejo de forma correta. Nós fazemos isso a vida inteira. Agora tá esse problema todo porque não se pode mais cortar árvore. Nós sabemos como fazer. Ninguém aqui é contra preservar a natureza, mas nós precisamos sobreviver”.

Calça-Larga insistia em dizer que sem essa liberação das margens do rio os pequenos vão migrar para a cidade e causar mais problema social. “No campo a gente vive melhor, na cidade o caminho é o da marginalidade. Mas se não tivermos terra, como vamos fazer? Esses ambientalistas que são contra o código não conhecem o campo, não tem um palmo de terra. A gente sabe como usar e cuidar”.

Sem orientação
Os agricultores centram suas críticas nos órgãos de fiscalização. Segundo eles, a polícia ambiental tem mais poderes que a polícia normal. “Eles entram e prendem se a gente arrancar uma árvore. Nós não somos ladrões, isso não tem cabimento. A gente só quer plantar. Não tem ninguém para nos orientar, só sabem fazer autuação”.

Esse desabafo dos camponeses tem sua dose de sentido. Orientação é o que parece não haver, seja do ponto de vista do estado, seja do ponto de vista dos movimentos ambientalistas. O discurso contrário ao código não conseguiu se espalhar entre os agricultores, ficou confinado a debates acadêmicos. O governo, espertamente, bateu em dois pontos muito específicos e, com o apoio das entidades de classe, conseguiu a adesão de toda a gente. Poucos dos que faziam vigília em frente à Assembléia sabiam que os maiores beneficiados com o novo código são as gigantes empresas de aves e suínos. Estas sim é que encherão seus baús destruindo os rios e as florestas. Para se ter uma idéia, conforme dados do Levantamento Agropecuário Catarinense, dos aproximadamente seis milhões de hectares que servem à produção agrícola de Santa Catarina, 32,52% pertencem a apenas 1,9% dos proprietários rurais, detentores de grandes latifúndios. E aos pequenos, grande parte no sistema de integração do agronegócio, coube vir fazer a pressão.

Outra coisa que produtores reunidos na Praça Tancredo Neves não sabiam é que, se a preocupação pela aprovação era o uso das margens dos rios, então não precisava tanta mobilização, uma vez que o pequeno agricultor familiar, em função da reconhecida função social da sua atividade, já tem autorização legal, pelo próprio Código Florestal (lei 4.771/65) - que a lei estadual em questão pretende revogar - para utilizar as áreas de preservação permanente, desde que o faça mediante um sistema de manejo agroflorestal sustentável. Muitos deles ao receberem essa informação ficavam em silêncio, não acreditando.

O que predominou foi a ideologia do progresso. Nas faixas colocadas por todo o plenário e no lado de fora, esse era o recado. O campo quer embarcar no trem do progresso, mesmo que para isso a natureza tenha de ser sacrificada. O já antigo discurso de domínio do homem sobre a natureza segue pontificando, a despeito de todos os sinais que o planeta tem dado de que, se não há cuidado com a natureza, é o homem quem sofre. Nesse caso, ainda foi usado o desconhecimento dos camponeses sobre o Código Florestal, levando-os a sair de suas casas para defender um direito que eles já tem. Na verdade, o que vieram fazer na capital, depois de horas de viagem, foi garantir vantagens aos grandes, aos que já absorvem toda a sorte de privilégios e que estavam tolhidos pelo Código Florestal. Estes, pelo seu lado, não se fizeram visíveis na Assembléia.

Para um pequeno agricultor que levanta de madrugada e com sacrifício consegue plantar apesar de todas as condições contrárias, fica bem difícil aceitar o argumento de que eles não preservam a natureza. E, de certa forma, isso não é verdade. No geral, os pequenos produtores sabem muito bem como fazer o manejo dos recursos naturais. O que talvez não tenham ainda se dado conta é que, em Santa Catarina, muito da agricultura de subsistência foi desbancada pelo sistema integrado, no qual o pequeno segue sendo o dono de sua terrinha, mas está de forma irremediável dependente da grande empresa. É ela, em última instância, que dá as cartas e define as pautas.

Mas, sobre isso, os seus organismos de classe não fazem debate, a mídia aponta os ambientalistas como eco-chatos, terroristas, hippies e outros tantos adjetivos que induzem ao desmerecimento das causas, e o governo busca usar as dificuldades dos pequenos para favorecer, na verdade, aos grandes empresários do agronegócio. São apenas negócios. A natureza é só cenário para o chamado “desenvolvimento”. Para que venha a riqueza da “modernidade” é preciso destruir as margens dos rios, ocupar os topos de morro, garantir o corte indiscriminado das árvores e outras tantas aberrações. Os pequenos são engolidos por esse discurso e os grandes seguem desfrutando dos benefícios das leis especialmente preparadas para eles.

O fim da espécie
A aprovação do Código Estadual de Meio Ambiente deixa muito visível o significado do chamado sistema democrático-capitalista. Este é, na verdade, um sistema sem lei. Nele, as leis mudam sempre que for necessário atender aos interesses do grande capital. E, de forma extremamente competente, o sistema consegue enredar nas suas tramas aqueles que deveriam ser os seus maiores opositores. É a velha alienação já apontada por Marx.

De qualquer forma, a luta contra o código catarinense não termina aqui. Há muitas disputas a se fazer no campo jurídico e há tempo para se fazer a orientação necessária tanto entre os agricultores como na comunidade urbana. Vai depender da vontade política dos movimentos sociais, dos sindicatos, em assumir isso como uma luta conjunta em defesa da vida.

Os efeitos da destruição causados pelo modelo de desenvolvimento capitalista estão aí e se manifestam cotidianamente nas secas, nas enxurradas, nos dias de extremo calor, de extremo frio, no efeito estufa, nos tsunamis, nos ciclones, nos furacões, no derretimento das geleiras. Todas estas coisas acabam afetando a vida dos humanos em geral, como espécie. Segundo o cientista inglês James Lovelock, a terra é um sistema vivo que se auto-regula. Se o homem busca destruí-la com seu desejo de domínio, vai se dar mal. A terra tem condições de suportar os processos de degradação, ela realiza transições, vai se acomodando. Lovelock deixa claro que a destruição provocada pelo humano pode levar ao desaparecimento da espécie, não da terra. Esta se recupera.

O código ambiental de Santa Catarina legaliza o crime contra a natureza. Ela vai balançar, mas deve resistir. Já o homem... Talvez seja hora de se discutir de forma mais sistemática e responsável o modelo de desenvolvimento que nos é apresentado como panacéia de progresso e modernidade. Sem mudar o nosso modo de organizar a vida, fatalmente pereceremos como espécie.
Já o teatro do poder, protagonizado pelos deputados catarinenses, este deve ser visto como o que realmente é: um espaço de porta-vozes a soldo do grande capital. Não é à toa que seu bordão mais usado é o indefectível: “pela ordem, senhores”. Pois é, pela ordem!

Aos movimentos cabe desordenar, desvelar, subverter.

segunda-feira, 30 de março de 2009

A cidade invisível


Enquanto milhares de pessoas se esbarram no terminal urbano e empilham-se nos coletivos urbanos, no ritmo louco entre a casa e o trabalho, sem tempo para pensar sobre os motivos de terem de viver assim, os governantes seguem decidindo coisas que tem ligação direta com a vida das gentes. E aí está o paradoxo. Eles decidem pelas gentes, e as gentes sequer sabem o que acontece. O que lhes cabe é sofrer as políticas, e assim mesmo, sem tempo para que possam pensar.
É o que acontece com o plano diretor. E o que é isso? É a lei que define como vai se organizar a cidade, nosso espaço de viver. O prefeito Dário Berger no seu primeiro mandato propôs o plano diretor participativo levando a discussão para os bairros e proporcionando que as pessoas pudessem opinar e decidir. E assim foi. Por meses as comunidades se reuniram, debateram, planejaram, decidiram, fizeram oficinas, informaram. Uma coisa linda de ver. Pois agora, depois de três anos de trabalho a prefeitura manda uma carta para os representantes das comunidades no Núcleo Distrital agradecendo o apoio e pedindo toda a estrutura de volta. Ou seja. A participação acabou. Segundo a prefeitura, agora serão os técnicos os que vão finalizar o processo e, com isso, ninguém sabe se o que foi exaustivamente discutido nas comunidades será levado em conta.
Coisa típica isso. Usa-se a comunidade, faz-se a propaganda da “participação”, mas a decisão mesmo será dos tecnocratas. Não é nem dos técnicos porque como a gente sabe, a decisão é política. O plano diretor atenderá os interesses dos grandes e poderosos. Grandes prédios, empreendimento gigantescos, tudo para dar mais beleza e conforto aos graúdos. Que importa se não há planejamento viário, que importa se não há água suficiente. Toca a encher de gente os bairros, verticalizar, asfaltar.
Bom, lá no Campeche a comunidade disse não. Primeiro diz que não vai entregar a sala onde estava instalada a representação distrital. Segundo, vai continuar acompanhando bem de perto os trabalhos. Terceiro, vai fazer valer aquilo que, de forma democrática e participativa, a comunidade decidiu. Daí que é muito importante as demais comunidades fazerem o mesmo porque plano diretor é coisa séria. Ele diz respeito a nossa vida mais cotidiana. Ele pode dar respostas para as filas no trânsito, para a falta de praças, para a melhoria da qualidade de vida de todos. Eu disse de todos e não só dos ricos. Plano diretor é coisa para ser acompanhada por todos nós.
A gente sabe que não é fácil viver nesta moenda do capital. Sempre cansado, trabalhando demais, e ainda ter de bancar as peleias com o poder público. Mas é necessário. Sem isso a cidade segue sendo espaço para poucos. São muitas as lutas para travar, eu sei. Mas, esta, é fundamental. Então, no seu bairro, procure a associação de moradores e diga que não aceita entregar a decisão do plano diretor para quem não vive os problemas reais da cidade. O prefeito Dário iniciou um processo participativo e não tem o direito de parar agora. A cidade também é nossa.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Lançamento de Livro


Vem aí mais um "filhinho", que conta a história da luta do primeiro grande acampamento de Sem Terra no Brasil, a Fazenda Anonni, com mais de seis mil pessoas. Para os amigos, companheiros e adversários conhecerem e discutirem.

segunda-feira, 23 de março de 2009

O tempo estático

Janeiro.2009 . Rua dos Andradas. São Borja, fronteira do Brasil com Argentina. No calor da manhã, o tempo estacionado... Minha velha rua era a mesma de 30 anos atrás... O velho carro só confirma que, por ali, o tempo anda muito devagar...

quarta-feira, 18 de março de 2009

Olhando sapatos...


Geralmente as pessoas me acham muito antipática, pois, na rua, não cumprimento os conhecidos. O fato é que eu enxergo muito mal e tenho dificuldades em reconhecer as pessoas. Então, para não pisar na bola e deixar de dizer olá aos amigos adquiri o vício de andar olhando para o chão. É uma coisa estranha, mas ao mesmo tempo legal porque, com o tempo, fui inventando uma técnica de analisar os sapatos das gentes. Assim, quando ando na rua, vejo pedras, ladrilhos e sapatos. É tudo o que minha vista cansada pode alcançar.

Foi assim, com a cabeça virada para o chão que outro dia eu me surpreendi. Por conta de um curso que estou fazendo, comecei a passar pela rua em frente a dois colégios tradicionais de Floripa: o Catarinense e o Menino Jesus. Então, de repente, vi meu campo de visão ser invadido por tênis, dos mais lindos que já pude ver. Marcas estrangeiras, cores vibrantes, amortecedores, desenhos arrojados, coisa que não se vê nas lojas comuns. A profusão dos modelos me fez erguer o rosto. E o que vi.

O bando de moleques que sai dos dois colégios tradicionais, reduto da gente rica da cidade, usa o que há de melhor no mundo dos tênis. Olhei para os lados pensando que aquela legião de belezas deveria atrair muitos olhares cobiçosos, afinal, tem gente que mata por um tênis. Então, logo à frente, observei duas viaturas da Guarda Municipal. Sem exagero, deviam estar ali uns oito rapazes fardados, fazendo a proteção da gurizada. E eles corriam pela rua, tranquilos, seguros.

Estupefata, “garrei a maginá”, como diria o caipira. Chegará o dia em que os filhos dos pobres poderão sair às ruas, reivindicando direitos, sem levar pau da polícia? Haverá de chegar um dia em que a polícia seja também para proteger os filhos dos pobres? Chegará o tempo em que as escolas na periferia também contarão com a presença cuidadora da guarda municipal? Vingará o dia em que as viaturas da força policial não serão mais necessárias porque as riquezas serão repartidas e ninguém será melhor que ninguém? Vira um tempo novo? Virá?

Segui meu caminho, entristecida, até que entrei no ônibus que vai para a UFSC. Meus olhos no chão vislumbraram umas sandálias de couro, bem surradinhas. Levantei a vista e dei com um guri, cabelo rasta, camisa estampada com um “salve o planeta”. Sorri. Ele também, cúmplice. Gosto mesmo é destes pés. Eles me dizem que gente há que caminha segura para estes tempos novos que construiremos...