terça-feira, 7 de outubro de 2008

O Jornalismo libertador

Saiba quais os pressupostos teóricos do conceito de Jornalismo libertador


O tempo dos homens lentos



Gosto de ficar parada, bem na entrada do terminal urbano, olhando as pessoas que correm. Na última sexta-feira então, estava mesmo bonito. Era fim de campanha eleitoral e as bandeiras apareciam em todo o seu esplendor. Era um mar de gente parada, segurando as bandeiras coloridas, e outro mar de gente em movimento, passando apressada, sem ver. Muitos sequer aceitam pegar um papel, ou se dignam a admirar a arte dos artesãos que buscam ganhar o pão de cada dia. Não há tempo, a vida ruge.

Penso no grande Milton Santos, geógrafo, intelectual, um ser de grande luz que dizia ser este o tempo dos homens lentos. Ele afirmava que as cidades tal qual como se conformam, transformadas em megalópolis, estão com seus dias contados. Essa vida de loucuras, de correrias, de tempo que se esvai, precisa acabar. Há que se buscar a vida boa em lugares de até cinco ou seis mil habitantes. Fazer como faziam os povos originários destas terras que quando percebiam o crescimento exagerado das aldeias, imediatamente fundavam outra, para que as gentes pudessem seguir vivendo em paz. Quanta sabedoria.

Nestas nossas cidades irracionais, os pobres moram longe de seus trabalhos, porque os aluguéis são altos demais nos bairros próximo ao centro. Comprar uma casinha então, nem pensar. Toca a se esconder na periferia, cada dia mais longe. Gastam mais tempo no transporte que os leva e traz, e ainda precisando amargar as filas do sistema desintegrado. Por isso correm. Um vivente que saia as seis do trabalho, certamente só chegará em casa lá pelas oito, na melhor das hipóteses, se conseguir fugir dos engarrafamentos monstros.

Por isso estas gentes que passam correndo lá no terminal têm os rostos tão tristes. É raro ver alguém com aquele sorriso fugidio na cara, de quem trama alguma marotagem. São rostos tensos, cansados, franzidos. Apenas a gurizada mais jovem se concede uma risada, uma gritaria. Mas os trabalhadores, estes não. Quando conseguem sentar, eles encostam seus rostos ao vidro e fecham os olhos, e gemem, e se retorcem. Sonham em ser homens e mulheres lentos, sorvendo a vida, prazenteiramente. Mas, qual, há que fazer girar a máquina do capital.

Assim, quando tarde do dia esse povo chega em casa para mais uma jornada de trabalho antes que corpo estafado desabe, nos salões, os homens e mulheres que vivem do trabalho alheio sentem as borbulhas do champanhe e riem. Ah, quando chegará o dia do levante das gentes?!...

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Eleições



«Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão.»
Eça de Queiroz (1845-1900)

domingo, 21 de setembro de 2008

Nasceu mais um Tupac Amaru

Era sábado e eu não esperava. Não sei bem do tempo dos bichos e era a primeira vez que eu tinha comigo uma gata preste a ter bebês. Estava em cima da cama, dormitando, tranqüila, tendo ao seu lado um irmão, que lhe abraçava e acarinhava. Agora sei que ele pressentia. Num repente ouvi seu grito e sem mais delongas sai de dentro dela uma coisinha ínfima envolta em placenta. Ela virou-se, encostou o nariz no gatinho e emitiu um uivo, cheio de lamento. Ele estava morto. Pouco depois, outro grito de dor, e então saiu outro, este já fora da placenta e respirando. Ela nem gemeu. Meticulosa, iniciou o ritual de limpeza com a língua e, em segundos, o bichinho estava limpinho e aconchegado no seu regaço.

Notei que ela não se preocupou mais com o primeiro gatinho que havia nascido morto. Tinha ali uma vida que precisava de cuidados e, aquele, não estava mais. Sábia decisão. Enrolamos a mãe e o recém nascido numa toalha limpa e o levamos para um outro canto da casa, afinal, ela havia dado a luz bem em cima da cama. Mas, desconhecendo as coisas dos bichos, não notei que ainda faltavam sair mais um. E, depois de umas horas lá veio ele. Também envolto em placenta e igualmente morto. De novo, ouvimos o uivo de dor.

Passados alguns minutos, vimos passar Juana Azurduy com seu filhote na boca. Lépida, ela o carregava escada acima para a mesma cama onde ele havia nascido. Recusava o outro canto, as toalhas, o cobertor. Queria o lugar primeiro e não abria mão. Ali ficou com seu filho, estendida e orgulhosa. Ele, feito um ratinho, ainda sem abrir os olhos se arrasta pelo lençol. E ela, tal qual a Juana que lhe empresta o nome, vigia sua cria, com os olhos bem abertos. Vez em quando o irmão de Juana, Zumbi dos Palmares, sobe na cama e lambe o sobrinho. Depois se encosta à irmã e a abraça delicadamente. O pai, Zé Pequeno, apareceu na hora em que ela deu a luz. Ouviu o grito e veio, ficou olhando de longe e, ao ver que pelo menos um estava bem, desceu tranqüilo. É bonito ver que é o irmãozinho quem protege.

Agora, enquanto escrevo, ouço os gritinhos do filhote, a quem chamamos de Tupac Amaru II, em homenagem ao seu avô Tupac Amaru, que um belo dia sumiu daqui para nunca mais voltar. Fico a pensar que os bichos são seres incríveis que nos ensinam sobre o cuidado com a vida, com a morte, com o amor. Porque, sem quê nem porquê, os bichos da casa fazem procissão até o quarto para ver Tupaquinho. Até o cachorro, Steve Biko, já saudou o novo vivente, lambendo-o devagar, sem oprimi-lo com suas patas graúdas. Zé Pequeno, Bolívar e Zumbi se revezam junto a Juana, que assume ares de matrona. A casa está assim. Cheia de felicidade. Que coisa mais boa!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

A história se repete


A crise que hoje se expressa na Bolívia não é nenhuma novidade para os povos latino-americanos e também de outras regiões do mundo. Este tipo de ação conjunta entre as elites predadoras nacionais e o estado terrorista ianque é recorrente e parece seguir sempre o mesmo método: criação de focos desestabilizadores, instrução militar, apoio financeiro e mentiras, muitas mentiras. Estas, são reproduzidas à exaustão pelos grandes meios de comunicação, na eterna lógica de desinformação e de fortalecimento da ideologia dominante. Assim, com o mesmo velho método já utilizado em 1836, quando insuflou a elite da região do que hoje é o Texas a se separar do México, os Estados Unidos atenta contra a soberania dos povos sempre com o mesmo objetivo: garantir o seu domínio sobre países e as riquezas dos povos.

Quem conta esse momento fundador das tramóias ianques – que nada tem de teoria da conspiração, são fatos mesmo - é o historiador estadunidense Howard Zinn, no seu livro “A outra história dos Estados Unidos”. Ele mostra que foi esta trama urdida desde Washington para assimilar o estado do Texas que deu origem a guerra empreendida pelos EUA contra o México. O confronto, que iniciou depois de uma provocação militar estadunidense, acabou garantindo aos Estados Unidos um imenso pedaço do território mexicano. Durante a guerra foi fundamental a batalha de desinformação travada na mídia, tal e qual se pode observar hoje. Ao ler as páginas do livro de Zinn a impressão que fica é de que nada mudou. Ele lembra ainda, que a famosa Doutrina Monroe, divulgada em 1823, quando os países da América Latina principiavam seus movimentos de libertação, já deixava claro que o país do norte considerava toda essa região debaixo de sua esfera de influência. Zinn ainda denuncia que entre 1798 e 1895, os Estados Unidos intervieram nos assuntos de outros países 103 vezes.

Outro estadunidense que conta sobre o processo de militarização do mundo pelos Estados Unidos é o ex-agente da CIA, Chalmers Johnson. No seu livro “As aflições do império”, ele afirma que este jeito de fazer as coisas se fortaleceu no ano de 1898 quando o país estava em tratativas com a Espanha pela independência de Cuba, da qual se considerava “tutor”. No meio das negociações, no dia 15 de fevereiro, uma misteriosa explosão destruiu um navio de guerra estadunidense que estava ancorado na costa cubana, o USS Maine. Quase 300 soldados morreram e os meios de comunicação inundaram as cabeças das gentes com a seguinte versão: a explosão tinha sido obra da Espanha. Esse fato provocou um furor bélico na nação e todo mundo exigia a guerra. Então, com o beneplácito do povo, os Estados Unidos declarou guerra à Espanha, que sempre negou ter sido a responsável pela explosão. Nunca ninguém conseguiu provar o que aconteceu com o USS Maine, mas a considerar a história, é bem provável que tenha sido destruído pelo próprio serviço secreto estadunidense para dar motivo à guerra. Qualquer semelhança com o 11 de setembro não é coincidência, até porque há registros de uma carta do presidente Theodore Roosevelt, em 1897, que dizia a um amigo: “Em estrita confidência, agradeceria quase qualquer guerra, porque penso que este país está precisando de uma”.

A guerra hispano-americana serviu ainda para os Estados Unidos conquistarem as Filipinas, um conjunto de ilhas que fica bem próximo ao Japão, estendendo os braços do nascente império para a Ásia. Mais de 200 mil filipinos morreram neste processo, visto pela mídia estadunidense como “ato de amor” dos Estados Unidos. Por considerarem os filipinos “uma gente senil e selvagem”, acreditavam que, com a ocupação, o país estava levando o cristianismo e a civilização ao oriente.

Esta jogada de mestre que acabou expandindo o território pela via militar abriu uma porta muito lucrativa para o empresariado estadunidense. “Os imperialistas são os parasitas do patriotismo... nunca perdem de vista as oportunidades de negócios lucrativos”, diz o economista John Hobson. E a prática tem mostrado que é assim mesmo. A guerra desde então virou um negócio para os capitalistas e, hoje, grande parte da economia estadunidense está ancorada neste “setor”. Só para se ter uma idéia, pouco antes do início da guerra no Iraque, em 2002, o governo estadunidense encomendou a duas grandes empresas de cosméticos 273 mil frascos de filtro solar, elevando em mais de três vezes a produção das indústrias. Proteção (?) para os soldados e para o lucro de uns poucos. Além disso, todas as decisões levam em conta o marquetim, conforme se pode notar da declaração do chefe de gabinete da Casa Branca à época do início do confronto, Andrew H. Card Jr: “Do ponto de vista do marquetim, não se deve lançar um produto em agosto”. Daí a guerra ter iniciado no mês seguinte, junto com os grandes lançamentos da indústria de Hollywood. Nada mais do que bussines.

Rede de intrigas

Tão logo acabou a guerra hispano-americana os Estados Unidos voltaram seus olhos para a América do Sul. Estava em andamento um projeto grandioso que visava abrir um canal entre os dois oceanos, Pacífico e Atlântico. Pois usando as mesmas técnicas de mentiras, enganos, intrigas e formação de grupos armados desestabilizadores, o país do norte criou um foco separatista na região do que hoje é o Panamá, justamente o lugar onde estava sendo construído o canal. Também ali o jogo foi vitorioso. Com a ajuda ianque o Panamá declarou independência da Colômbia e o primeiro ato do governo recém constituído foi fechar um acordo leonino com os Estados Unidos sobre a questão do canal. Os EUA terminariam as obras do canal e ficariam com o direito de usufruir o mesmo por um século inteiro. É justamente no ano de 1903 que os Estados Unidos criam, internamente, o Estado Maior e a Escola de Guerra do Exército. Já haviam percebido que toda a expansão sonhada viria pela força das armas. Preparavam-se para ser o império da vez.

Na aurora do século XX outra “ameaça” passa a pairar sobre as propostas de civilização dos Estados Unidos: é socialismo. Mesmo dentro do país este inimigo abria suas asas, com grandes greves dos trabalhadores - fomentadas pelos imigrantes anarquistas e socialistas que haviam arribado na “terra das oportunidades” - chegando a protagonizar grandes batalhas com a Guarda Nacional. Para esconder o movimento dos trabalhadores da mídia os Estados Unidos providenciaram uma guerra com o México outra vez em 1911, alegando que em Vera Cruz haviam aprisionado alguns soldados e se recusavam a pedir desculpas. Por conta disso, atacaram a cidade, bombardearam e mataram mais de 100 mexicanos. Isso tirou de cena a luta trabalhista. Não bastasse isso, durante toda a revolução mexicana os Estados Unidos faria intervenções procurando minar a vitória dos camponeses e trabalhadores.

Logo em seguida, a primeira guerra mundial vai ocupar as manchetes e, mais uma vez atiçar a sede de domínio do governo estadunidense. O presidente Woodrow Wilson insistia em não entrar no conflito, mas com o afundamento do navio inglês Lusiana, o velho discurso enganador do governo foi usado outra vez. Com o argumento de que no navio estavam mais de 100 estadunidenses e que aquela era uma nave de paz, os Estados Unidos entraram na guerra com a anuência da população. Mas, o navio não era de paz. Segundo Howard Zinn, o Lusiana estava fortemente armado e levava milhares de caixas de munição. A lista do carregamento foi falsificada. De novo, a política da mentira.

Em 1915 os Estados Unidos invadiram o Haiti, onde uma força da marinha desembarcou na capital Porto Príncipe, dirigiu-se às caixas fortes do “Banco Nacional do Haiti” e, em plena luz do dia, armada até os dentes, passou a mão nos mais de quinhentos mil dólares que ali havia, levando-os para os City Bank. As forças estadunidenses ficaram no país até 1934, quando deixaram o povo entregue a uma das dinastias mais sanguinárias da região: a família Duvallier: Fraçois (de 1957 a 1971) e seu filho Jean-Claude até 1986. Hoje, a vergonhosa ação que novamente submete o país, inclusive sob o mando de tropas brasileiras, nada mais é do que a continuidade destas intervenções, só que desta vez com a gerência de outras “nações amigas”.

No ano de 1916, foi a vez de as tropas estadunidenses invadirem República Dominicana, onde permaneceram até 1924, deixando como presidente do país outro ditador da pior estirpe: Leônidas Trujillo, mais conhecido como “o chacal do Caribe”, que ficou no poder por 31 anos. A este, a mídia cortesã nunca chamou de ditador e somente quando ele se tornou um entrave para a política estadunidense é que acabou sendo morto pela própria CIA. Tanto no Haiti quando na República Dominicana os argumentos para as invasões foram os de “levar a democracia”. A história mostra muito bem os horrores dos regimes que lá ficaram sob as ordens do império.

As invasões não param

A segunda guerra mundial leva mais de 18 milhões de estadunidenses para as Forças Armadas e as atrocidades de Hitler fazem com que este conflito se transforme na guerra mais popular vivida pelos Estados Unidos, sendo inclusive apoiado pelos trabalhadores ligados à esquerda. Foi ali que o país consolidou a sua fama de paladino do bem, salvando a humanidade do então denominado eixo do mal. Todo este “saber-fazer” os Estados Unidos colocava a serviço da “democracia” e, de alguma maneira, aos olhos da opinião pública, veio respaldar as ações de guerra nos demais países. Não foi à toa que a lógica de ocupação e usurpação da soberania continuou.

Em 1946, quando assumiu a presidência da Bolívia um jovem militar nacionalista apoiado pelas forças populares, os Estados Unidos foram criando instabilidades internas, no seu velho estilo, até que conseguiram organizar o linchamento e o assassinato do presidente. Com isso a Bolívia saiu da influência das idéias “esquerdistas”. Também a Guatemala nacionalista, sob o comando de Jacobo Arbenz, sofreu o peso da mão dos Estados Unidos, aborrecido com o tratamento dado a sua empresa United Fruit que também fazia o favor de levar “civilidade” ao país. Para mostrar que ninguém mexe, impunemente com as empresas dos EUA, o país foi invadido em 1954 e o presidente deposto.

Ainda no mesmo ano, os olhos se voltaram para o Brasil e, usando o mesmo jogo de intrigas e mentiras, a CIA consegue levar a bancarrota o governo de Getúlio Vargas, com o providencial suicídio do presidente. No ano seguinte foi a vez de derrubar Juan Domingos Perón e entregar toda a indústria estatal argentina nas mãos privadas, provocando o desmantelamento e a desnacionalização da economia. No ano de 1961 os ianques tentam acabar com a revolução cubana a partir de uma invasão via Playa Girón. O exército, formando basicamente de mercenários, foi fragorosamente derrotado, o que não impediu que os Estados Unidos seguissem com sua política de domínio no resto da América Latina. Tanto que em 1964 já estavam eles, entre as tramóias montadas para depor o presidente João Goulart, aqui mesmo, no Brasil. Inclusive, agora, começam a aparecer as provas de que a morte de Jango no Uruguai tenha sido um envenenamento urdido pelo serviço secreto. Veio a ditadura militar e todo o horror que se repetiu em quase toda América latina.
Em 1965, ainda buscando acabar com todo e qualquer foco revolucionário na região do seu “quintal” os Estados Unidos invadem outra vez a República Dominicana, onde principiava emergir um levantamento revolucionário popular. Tudo foi aplastado. Não satisfeitos com estender seus tentáculos para a América Latina o país do norte empreendeu uma longa caminhada para o oriente, fazendo acontecer a guerra do Vietnã, numa clara intromissão nos destinos das gentes daquele lugar. Tudo para evitar que elas caíssem sob o “domínio do mal”, é claro: o socialismo. Foram dez anos de guerra, com os requintes de crueldades em inovações de armas químicas, que custaram milhares de vidas. Lá também os EUA saíram derrotados, mas não perderam a arrogância. Até hoje, nos filmes que Hollywood faz sobre os fatos, os mocinhos sempre são os gringos.

No ano de 1973 os Estados Unidos voltam outra vez os olhos para a América Latina. No Chile de Salvador Allende incendiavam-se os desejos de vida digna e soberania. Falava-se em socialismo e os senhores da guerra usaram de seus velhos truques. Atuando junto à direita, cooptando sindicalistas e lideranças sociais, foram criando o caldo da contra-revolução até culminar com um golpe de estado que colocou no poder Augusto Pinochet. Este encharcaria de sangue o país, sob as bênçãos da CIA e da Escola das Américas, que ensinava aos militares as técnicas mais sofisticadas de tortura. Também o Uruguai sofreu a intervenção alheia e uma ditadura sanguinária se instalou. Dois anos depois era o Peru que caia a partir de um golpe contra o presidente nacionalista Juan Velasco, que havia nacionalizado empresas estadunidenses e feito uma reforma agrária que beneficiara mais de 370 mil famílias.

Nos anos 80 os Estados Unidos estiveram por trás de todos os movimentos contra-revolucionários da América Central, combatendo com mercenários a soldo os partidários de transformações radicais naquela região. Tirando os sandinistas que lograram vencer na Nicarágua, os demais não conseguiram. E ainda assim, depois de algum tempo, são os Estados Unidos que fomentam a derrocada dos sandinistas, com sua títere, Violeta Chamorro, em 1990. Durante os anos anteriores ao sandinismo, eram os EUA quem treinavam e financiavam a ditadura de Somoza.

Em 1981 são as tramas secretas dos agentes da CIA que viabilizam o assassinato de Omar Torrijos no Panamá, um presidente nacionalista que logrou rever a questão do canal, viabilizando um acordo de devolução para 1999. Em 1982, ajudam, pela segunda vez na história, a Inglaterra na vilania de abocanhar as ilhas Malvinas da Argentina. A base estadunidense na ilha Ascensión, os satélites ianques no espaço, as armas, combustíveis, mísseis, e até o serviço diplomático, tudo foi colocado a serviço da agressão colonialista inglesa. No ano de 1983 os Estados Unidos promoveram a invasão a pequena ilha de Granada, que caminhava pela senda do socialismo. Pois o governo estadunidense iniciou uma campanha contra o governo, acusando-o de ter em seu território bases soviéticas que iriam ajudar as guerrilhas da América Central. A mesma mentirosa história tantas vezes engolida.

Em dezembro de 1989, Bush pai mandou invadir o Panamá e lá aportaram mais de 26 mil soldados. O objetivo era depor Manuel Noriega, que tinha sido um bom aliado - e agente da CIA - mas estava querendo caminhar com os próprios pés. Assim, com o argumento de que ele liderava um cartel de drogas, o exército estadunidense baixou em Ciudad Panamá e, no ataque ao bairro mais populoso da capital, El Chorrillo, mais de quatro mil civis morreram. Durante os anos 90 os EUA não se limitaram a fomentar desgraça na América Latina, também estiveram presentes em “ações humanitárias” na Somália, Bósnia e Kosovo. No Afeganistão mantiveram bem armados os exércitos do talibã e só depois é que vão considerá-los inimigos, destruindo-os na guerra pós 11 de setembro de 2001.
Em 1995, os ianques invadiram mais uma vez o Haiti, com o argumento de que o governo de Bertrand Aristide era corrupto. Então, para “salvar” o povo, lá foram os marines promover arruaças. Estão lá até hoje, junto com tropas de outros tantos países títeres, entre eles o Brasil. A partir de 1999 entram também na Colômbia, desta vez com a bênção dos governantes locais. Sob o pretexto de combater o tráfico de drogas implementam o Plano Colômbia que nada mais é do que manter a região sob o seu domínio militar, bem ás portas da Amazônia, berço da maior biodiversidade do planeta.

Em 2002 avançam sobre o Afeganistão e depois invadem o Iraque, sempre ancorados em fragorosas mentiras. E o mais incrível é que as mentiras seguem sendo as mesmas, desde o 1800. Daí que parece completamente inverossímil o fato de os jornalistas não saberem de todas estas informações, disponíveis em vários documentos e livros escritos desde os Estados Unidos.

Hoje na Bolívia, na Venezuela e no Paraguai

Desde 1998, quando Hugo Chávez assume a presidência da Venezuela, os Estados Unidos vêm tentando colocar por terra todas as idéias nacionalistas que foram se conformando no andar do governo. E, quando Chávez começa a falar em socialismo, aí mesmo que a situação se complica. Nacionalização da PDVESA, combate à ALCA, aproximação com Fidel Castro, tudo isso configura perigo ao poderia estadunidense. Até que o serviço secreto inicia a mesma sorte de tramas, intrigas e formação para o golpe. Este acontece em abril de 2002, mas dura pouco tempo. As gentes da Venezuela saíram às ruas e exigiram o respeito à Constituição. O golpismo da direita entreguista e seus aliados gringos se esfacela diante do poder popular. Chávez volta e aprofunda as reformas. Anos mais tarde, na Bolívia, vence as eleições um aymara, que tinha no seu programa a proposta de nacionalizar as riquezas até então em mãos estrangeiras e dar autonomia às nações originárias. A vitória esmagadora de Evo Morales lhe dá a condição de iniciar as reformas. Tudo isso arrepia o cabelo da oligarquia branca de Santa Cruz, que começa a chamar o separatismo. Tudo isso muito bem orquestrado com os “criadores de crise profissionais” do estado do norte. Não bastasse isso, Rafael Correa vence as eleições no Equador, também com um programa mais próximo de Hugo Chávez e Evo Morales. Era a formação de “eixo” de esquerda que tinha de ser estirpado.

O jogo midiático de mentiras e intrigas é alimentado todos os dias pela grande mídia, que representa os interesses das elites locais. É desde estas usinas ideológicas que vai se formando uma opinião pública, totalmente distorcida diante da descarga avassaladora de mentiras e meias verdades. Agora, com a eleição de Fernando Lugo no Paraguai e suas promessas de reforma agrária, também o país do sul está na mira dos ianques, já ameaçado de golpe.

Enfim, a América Latina vive mais uma vez um feroz ataque da águia estadunidense e as gentes parecem não saber. Cabe aos jornalistas, analistas e agentes de comunicação popular puxar o véu, destapar toda esta muralha de mentiras para que as populações possam ter a condição de se posicionar diante dos fatos. A violência na Bolívia, provocada pelos separatistas brancos e oligarcas, não é uma coisa isolada, limitada as fronteiras bolivianas. É mais uma ação do mesmo patrão de sempre, na sua eterna missão de separar, intrigar, dividir, para continuar reinando. Este império já teve suas derrotas: em Cuba, na Nicarágua, no Vietnã, no próprio Iraque. Não é invencível. Só as gentes, informadas e unidas, poderão dar a resposta necessária a toda essa rede de intrigas. Na Venezuela foi o povo organizado que restituiu o caminho da revolução bolivariana. Agora, na Bolívia, será o povo quem vai conduzir os destinos da nação. Lutar pela garantia das mudanças constitucionais ou embarcar nas armadilhas das marchas da direita. Esta é a decisão. Esperamos que seja sábia.

A Unasur

Este também foi um momento histórico. Pela primeira vez, numa situação de ataque a uma nação latino-americana os países da América do Sul, já organizados numa instituição, se reuniram de forma emergencial num lugar muito simbólico: o Palácio de La Moneda, onde há 35 anos foi assassinado o presidente chileno, Salvador Allende, vítima das tramas urdidas pelos Estados Unidos. Disse Hugo Chávez que naqueles dias todo o mundo guardou silêncio, mas hoje não, “todos estão aqui para apoiar o governo democrático de Evo Morales”. Lembrou o presidente venezuelano que a Bolívia é um país que vive de forma radical a sua democracia e tudo o que acontece lá por estes dias é fruto da intervenção estadunidense.

A Unasur terminou sua reunião com uma série de encaminhamentos práticos. Criar uma comissão para investigar as mortes na região de Pando, outra estará em permanente contato com o presidente Evo Morales, acompanhando os fatos, e mais uma dará todo o apoio logístico necessário para o governo boliviano enfrentar os ataques que vive atualmente.

Evo Morales, presente à reunião, agradeceu emocionado a esta posição firme e inédita dos países da Unasur de defender a democracia boliviana. Insistiu que vai lutar para manter em andamento as transformações profundas que acontecem hoje no país, refundando a Bolívia desde a perspectiva popular.

Análise sobre os fatos na Bolívia

Veja o video em que se comenta a interferência dos estados Unidos na vida dos países da América Latina, agora em especial, na Bolívia.

http://www.youtube.com/watch?v=GAq_rzEaWSw

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Sim, defendo o diploma. Mas não só!


Os jornalistas estão desde há anos enredados em uma discussão sobre a necessidade da formação superior para o exercício da profissão. O julgamento desta questão, que está para ser feito no Supremo Tribunal Federal, tem levado alguns colegas a refletirem sobre o assunto e é bastante intrigante a posição de algumas pessoas sobre a comunicação e o jornalismo. Por conta deste debate, pretendo discutir alguns aspectos da questão, trazendo para a polêmica temas como o Estado, a formação, a soberania comunicacional e o sindicato.

1 – O Estado e a corporação - Antes de qualquer argumento contra ou a favor é preciso desvelar o Estado no qual se faz este debate. É o estado capitalista, liberal-burguês. Este tipo de organização da vida impôs-se a grande parte da humanidade desde a Europa, quando a classe burguesa colocou fim ao feudalismo naquela região e iniciou sua escalada rumo ao capitalismo. E foi justamente na aurora do que mais tarde se configuraria como capitalismo que nasceu a idéia de corporação. Naqueles dias, de ascensão dos burgos, os artesãos, que eram os primeiros trabalhadores livres, instituíram uma regra: para que um jovem pudesse ser considerado mestre artesão ele deveria passar por um período como aprendiz, equivalente a sete anos. Só depois desta formação teria o direito de formar sua própria equipe e aceitar seus aprendizes para que o ciclo seguisse. Naqueles dias, as idéias liberais já se opunham a este tipo de “barreira” para o exercício da profissão. Assim se expressa Adam Smith em seu livro Riqueza das Nações: “.. a política da Europa, ao obstruir a livre circulação do trabalho e do capital de um emprego para outro dá origem em alguns casos a uma desigualdade pouco conveniente das vantagens e desvantagens dos seus diferentes empregos.. seja o que for que obstrua a livre circulação do trabalho de um emprego para outro, impede também a livre circulação de capitais. A quantidade de capital que pode ser empregue em qualquer ramo de trabalho depende muito da quantidade de trabalho que nele pode ser empregue”. Argumentava então, de forma veemente, que estas barreiras causadas pelas corporações não deixavam o capital evoluir com liberdade e condenava essa prática.

É óbvio que as corporações da época de Smith não são as mesmas de hoje, tampouco as regras são iguais. Mas é importante retomar a história para percebermos que o que vale no mundo capitalista é a liberdade do capital. Isso não mudou, daí a importância da retomada da análise do grande liberal inglês. “O privilégio das corporações restringe a competição... e a longa aprendizagem é desnecessária”, defendia Smith. Ele dizia que algumas profissões não deveriam requerer todo esse cuidado e deixava aberta a possibilidade de formação apenas para o que entendia serem profissões nobres como a de advogado, por exemplo. Também é bastante singelo o argumento de Adam Smith sobre o fato de as corporações servirem para juntar trabalhadores. Diz ele: “Um regulamento que obriga todos aqueles que se dedicam a uma mesma tarefa facilita as assembléias...permite que travem conhecimento entre si muitos indivíduos que de outro modo nunca se encontrariam e dá a cada homem de uma dada indústria uma informação sobre a forma como deverá procurar qualquer seu colega...se bem que a lei não possa impedir as pessoas que se dedicam a um mesmo negócio de se juntarem, não deve fornecer qualquer regulamento que facilite estas assembléias, e muito menos torná-las necessárias”.

Por conta desta histórica vocação liberal de garantir a liberdade do capital - tão somente -, condenar a formação específica para profissões que não entendem serem as “suas” e evitarem de todo modo a criação de um espírito de corpo nestas profissões “menores”, é que os jornalistas precisam defender estas coisas incomodativas ao capital, tais como sindicato, formação, diploma. É tudo uma questão de defesa do corpo. E isso não deve ser encarado com vergonha. É legítimo! Por isso não concordo muito com os argumentos de que a defesa do diploma para o exercício da profissão vai garantir melhor informação ao cidadão. Não creio nisso! Penso que a defesa da formação específica é um argumento de corporação, absolutamente necessário no mundo do capital. Como deve ser a formação? Aí já é outro debate.

Já li e ouvi vários argumentos de jornalistas que atuam de forma autônoma, que não têm vínculo empregatício com qualquer empresa, defendendo o fim da obrigatoriedade do diploma. Muitos deles insistem que para escrever num jornal a pessoa não precisa ser jornalista, basta que tenha vocação para a escrita ou qualquer outra formação. Isso soa tão pueril como a prédica do velho Smith. É importante que estes colegas - que estão fora do sistema opressor e explorador da empresa de comunicação - percebam que a lógica de exploração também ocorre ao jornalista que atua como profissional liberal. Não é diferente. De alguma forma os trabalhadores autônomos, os pejotizados (que se tornam Pessoa Jurídica), os que atuam em assessorias, são tocados pela super-exploração do capital e se não tiverem espírito de corpo, se não se integrarem em uma luta coletiva, também vão sofrer o peso da bota do capital, mais dia, menos dia.

2 – Há que diferenciar comunicação de Jornalismo - Esta é uma confusão muito comum. As pessoas que defendem a não obrigatoriedade do diploma falam do direito inalienável de comunicar, que deve ser estendido a todos os seres humanos e não só aos jornalistas formados. Está correto. Comunicar é direito de todos, e qualquer pessoa pode e deve fazê-lo. O ser humano se comunica desde os tempos imemoriais, seja através de desenhos nas pedras, em tabuletas, papiros ou gritando no alto das montanhas. Dizer a sua palavra é pressuposto fundamental da liberdade do ser. Até aí, temos acordo. Mas, é bom que se diga, o jornalismo é uma das formas de se comunicar alguma coisa a alguém que traz no seu bojo todo um conjunto de regras que extrapolam o elemento primordial de simplesmente dizer a palavra. Jornalismo é um jeito de narrar que pressupõe análise, conhecimento histórico, impressão, focos narrativos, contexto, conhecimento sobre linguagem, signos etc... Coisas que a gente precisa aprender em relações de educação formal que extrapolem o desejo criador e criativo do ser sozinho.

Dou um exemplo. Qualquer pessoa pode conhecer as ricas receitas da medicina popular que envolvem o uso de ervas e outros procedimentos de cura. Mas, é bem natural que quando fiquem doentes, além de todos esses saberes ancestrais, as pessoas recorram a médicos, gente formada em relações educacionais que aprimoram ainda mais os saberes populares. Gente que adquire, na educação formal, a habilidade com técnicas e recursos que poderão ajudar ainda mais no processo de cura. Outro exemplo. Todo o ser humano tem capacidade de expressar seu gosto estético acerca de como se projeta uma casa. Mas, se for construir uma, a pessoa vai buscar no conhecimento específico do engenheiro a maneira de fazê-la sem que ela caia na primeira chuva. E assim, nas demais profissões. Portanto, é preciso que fique claro: o jornalismo tem no seu bojo toda uma série de técnicas e maneiras de fazer que são específicas desta forma de comunicar. Daí a importância da formação e da valorização desta educação formal. Assim, todos podem comunicar suas coisa, mas quando essa comunicação for feita através das técnicas do jornalismo, precisamos valorizar aqueles que têm formação nesta área. Até porque, não podemos esquecer, o jornalismo é uma profissão.

3 - Soberania comunicacional não inviabiliza o jornalismo – A idéia de soberania comunicacional que hoje invade o mundo expressa justamente a questão do direito à comunicação, não só receber, como controlar e produzir. E isso coloca um embate junto a categoria dos jornalistas. A ênfase na produção de comunicação popular tem levado muitos jornalistas a questionar o fato de gente sem habilitação produzir vídeos, rádio e até material gráfico. Esse é um debate intenso principalmente na Venezuela onde o conceito tem caminhado com mais concretude. Mas, aí, também é bom que as pessoas separem o direito de comunicar com a profissão do jornalismo. Veículos como jornal, televisão, rádio e internet, apesar de terem muito espaço jornalístico não são feitos só de jornalismo. Uma novela é uma forma de comunicação, um programa de variedades é uma forma de comunicação, uma conversa com pessoas é uma forma de comunicação, vídeos feitos para narrar a reprodução da vida nas comunidades, as festas, os costumes, são outras formas de comunicar. Não são necessariamente o jornalismo se expressando como profissão. Como já frisei lá em cima, jornalismo é um jeito de narrar que pressupõe análise, conhecimento histórico, impressão, focos narrativos, contexto, conhecimento sobre linguagem, signos etc.. E, insisto, jornalismo é uma profissão.

Nesse sentido, o papel do jornalista num país onde exista soberania comunicacional é, além de atuar como profissional nas empresas de comunicação, ser também um formador de agentes comunitários de comunicação. É estar entranhadamente ligado a estas formas de comunicar, atuando nas comunidades, ensinando e promovendo o desejo nos jovens comunicadores de estudar e de se apropriar de maneira mais profunda das técnicas e dos saberes que envolvem a prática do jornalismo. Não há qualquer conflito entre ser jornalista formado e defender o direito das gentes de produzir comunicação alternativa e popular. Um país soberano em comunicação não pode prescindir de seus jornalistas, pelo contrário, precisa deles para que sejam profissionais e também formadores. Agora, a regulamentação da profissão se faz necessária para que, em função dos interesses do capital, ela não seja aviltada.

4 – Se o jornalismo praticado é ruim, a culpa é de quem? – Uma das argumentações que se lê por aí é de que o jornalismo praticado hoje em dia é muito ruim, levando a crer que a formação é igualmente ruim, logo, descartável. Pleno acordo na primeira parte. O jornalismo praticado é ruim. Na verdade, eu iria mais longe. Pouquíssimos veículos de comunicação de massa praticam hoje o jornalismo, tal como já conceituamos. Processo de análise, com contexto, historicidade, interpretação, etc... No geral professam aquilo que Noam Chomski já caracterizou muito bem: a propaganda do status quo. E as escolas de jornalismo podem sim ter parte de culpa nisso também, não há como negar. Muitas delas – senão a maioria – renderam-se ao ensino do estilo de jornalismo estadunidense, ou seja, meramente informativo, sem que à informação sejam agregados os elementos análise, interpretação, contexto histórico, etc.. que definem o jornalismo de fato. Mas, isso por si só estabelece que as escolas são descartáveis? Não! Seja no curso mais reacionário do país, sempre sobra uma alma rebelde que abre veredas nas almas estudantis, apresentando o jornalismo tal como é. E, pelo seu lado, tampouco os estudantes são amebas. Colocados no ambiente universitário, obrigatoriamente se deparam com várias visões sobre o fazer jornalístico e não podem jamais dizer que não conhecem estas outras formas. Tomam posição e decidem qual delas vão escolher para trilhar seus caminhos profissionais. Se escolhem o jornalismo gosmento e cortesão, isso não é culpa do jornalismo, é fruto da decisão de um ser vivente. E mais, uma decisão tomada dentro de um sistema capitalista que tem por prática eliminar aqueles que não lhe seguem as regras.

O fato é que o que chamam de jornalismo nas grandes empresas de comunicação – e até nas pequenas – não o é. Quem consegue ver expressadas nestes veículos as várias vozes e os múltiplos olhares da sociedade? Esta não é uma regra cumprida por aqueles que detêm o mando. E a maioria dos jornalistas, por autocensura, por medo de perder o emprego, por enfado, ou até mesmo porque conspiram destas idéias de pensamento único, tampouco se esforçam para abrir espaço aos diversos discursos e fontes não-oficiais. Então, a crise não é do jornalismo e sim de um tipo de jornalista que, confrontado com a vida real, ou é cooptado pelo sistema, ou o teme demais para se rebelar. Por outro lado, dos milhares de jovens que saem das faculdades, sempre há uma porção de olhares críticos que insistem, que questionam, que subvertem a ordem das redações. E estes incomodam demais.

Assim, para o patrões, é muito mais saudável lidar com uma categoria cujo fazer não tenha uma regulamentação, que esteja alijada das lutas sindicais, que agradeça por ter um emprego. Daí esta sanha desatada pela desregulamentação da profissão do jornalista. Profissional regulamentado, protegido pela lei e pela corporação, é trabalhador perigoso, tal qual já alertava Adam Smith.

Mas, toda essa problemática não exime os cursos de jornalismo. Eles também precisam se re-pensar. Há que revolucionar e rebelar a maioria destes cursos que existem por aí. Porque a maioria fez escolhas que só servem para manter o estado de coisas. São os que preferem ensinar empreendedorismo, administração de negócios, webdesing, etc.. em vez do bom e velho jornalismo. São os que, com estas escolhas, defendem o modo de produção capitalista, que aceitam ser carregadores de palavra alheia, que não se aventuram pelos caminhos da análise, da contextualização, do aprofundamento que torna o jornalismo esse fazer singular, capaz de transitar pelo particular chegando ao universal, como bem ensinou Adelmo Genro Filho, transcendendo assim à mera informação, esta sim capaz de ser produzida por qualquer um.

Então, defender o jornalismo e, por conseqüência o diploma, passa a ser também a defesa de um outro curso, mas não a destruição dele, não a sua simples negação, ação bastante cômoda e entreguista. Resta então esperar que os professores e dirigentes dos cursos de jornalismo consigam fazer uma autocrítica e dêem o passo para mudar. E, além disso, também se espera o seu engajamento na luta por mais vagas nas universidades públicas, ampliando assim a possibilidade de formação gratuita.

5 – O sindicato – Neste contexto de lutas corporativas também o sindicalismo precisa rever suas práticas e compreender até onde também é responsável por esta indiferença da sociedade com relação às suas lutas. Quem, em sã consciência, pode esperar que a sociedade defenda os jornalistas? Alguém aí acredita mesmo que as pessoas são idiotas e não percebem o jogo de manipulação que a mídia faz diuturnamente? Há sim uma grande dose de dominação da mídia capitalista, mas também há compreensão das gentes. Estas sabem, ainda que muitas vezes de forma muito intuitiva, que as notícias que saem nos jornais e nas televisões não as representam. Elas nunca são protagonistas de nada. E quando são, é por tragédia ou por bandidagem. Ao “povo” resta a cena ritual, a imagem rápida, a marginalização. E, quando se alça em luta por direitos, contra os ataques das multinacionais, dos poderosos, dos que mandam, então são mostrados como baderneiros, loucos, bandidos. Por que raios então, eles iriam encampar uma luta de jornalistas pelo direito de regulamentação?

À maioria dos sindicatos de jornalistas, e à sua Federação, falta a devida inserção na vida real. Falta o debate direto com as gentes, a discussão acerca do trabalho, sobre o domínio das empresas, sobre a lógica que comanda a decisão do que é notícia ou não. Há que se alfabetizar toda a gente sobre o que é jornalismo e que a se propõe. Desvelar quem faz jornalismo de dominação e quem faz jornalismo de libertação. Compreender e fazer compreender aquilo que George Orwell tão bem ressaltou no seu clássico texto “Liberdade de imprensa”: que os empresários da comunicação temem a opinião pública, por isso não fazem questão de informá-la com qualidade. Ao povo, os donos do poder não deixam dar as “finas iguarias” como bem lembrava o grande repórter Marcos Faermann, daí a necessidade de discutir o fato de haver toda uma categoria de trabalhadores submetida às violações, desmandos, censuras e violências que todas as demais também passam.

Mas, para isso, precisaria primeiro haver a aceitação de que os jornalistas são classe trabalhadora. E, que, apesar da crescente pejotização, ninguém está livre da roda insana do capital. Aí sim, talvez, se pudesse iniciar um fraterno e cooperativo debate com as gentes da vida real, estas que não saem no jornal e às quais recorremos nas lutas contra o fim do diploma. Hoje, com esse jornalismo cortesão que se pratica não lograremos alcançar suas graças. Há ainda uma longa estrada a trilhar.

6– Finalizando – A luta pela manutenção do diploma deve ser feita, sem medo ou vergonha, no melhor estilo da defesa da corporação. Porque este é um estado capitalista no qual o consenso habermasiano não tem lugar. Sem uma regulamentação que garanta nossos direitos como profissionais de um determinado fazer não teremos força para sentar com os patrões e negociar. A única força capaz de dobrar o capital é o trabalhador protegido e organizado. Daí também a necessidade do fortalecimento dos sindicatos como órgãos capazes de fazer o jornalista compreender sua condição de classe. Depois, uma outra grande frente de luta junto aos cursos de Jornalismo para que enfunem suas velas na direção de um jornalismo comprometido com as maiorias. E, então, aí sim, teremos a possibilidade de encontrar nas gentes o apoio necessário para caminhar com os jornalistas na defesa de seus direitos. Defendo o diploma sim, mas não só. E sem estes outros elementos penso que esta defesa é vazia e desprovida de sentido. Ou se defende tudo isso junto, ou nada! E sempre com o firme propósito de mudar o sistema de organização da vida que aí está. Nada de humanizar o capitalismo, mas sim caminhar para sua destruição, construindo uma vida em que não haja exploração e as riquezas sejam repartidas. Utopia? Sim! Estas que fazem a gente caminhar...