sexta-feira, 7 de maio de 2021

Morar é um direito - Vale das Palmeiras de pé



 Quando a pandemia começou em março do ano passado houve uma batalha muito grande para que as prefeituras de Florianópolis e dos municípios vizinhos garantissem condições de higiene e comida para as famílias em comunidades de ocupação. Esses espaços que as famílias sem-nada ocupam para poder montar seus barracos e se proteger, afinal, alugar um imóvel em Florianópolis e região não é para qualquer um. Os preços são altíssimos e mesmo nas comunidades de periferia para muitas famílias fica inviável alugar. Ocupar os terrenos vazios é a única saída.

 Foram meses e meses de conversas, marchas e protestos. Isso porque mais de mil famílias, distribuídas em oito comunidades, estavam completamente destituídas de qualquer possibilidade de sobreviver quando teve início o fechamento total das atividades. Sendo a maioria das pessoas em situação de trabalho informal, a fome logo abriu caminho pelas casinhas mal havidas. Foi preciso que diversos grupos de solidários se formassem para garantir essas vidas, visto que para os governos elas são invisíveis e descartáveis. 

Esse trabalho de suporte que é feito por pessoas ou instituições continua até hoje, pois muita gente ainda não conseguiu voltar ao ritmo de trabalho de antes da pandemia. Segue faltando comida e produtos de higiene. Uma batalha sem fim. 

DESPEJO

Pois não bastasse todo o terror que é não ter comida e nem possibilidade de trabalho, algumas famílias ainda têm de enfrentar as ameaças de despejo. É o que está acontecendo agora na cidade vizinha de São José, com a prefeitura local querendo desalojar 150 famílias da comunidade de ocupação Vales das Palmeiras. Ou seja, em plena pandemia, o prefeito Orvino Coelho de Ávila (PSD), quer jogar na rua uma comunidade inteira que desde há tempos vem se organizando às margens da Avenida das Torres, buscando um canto onde encostar a cabeça numa cidade que há oito anos não cria qualquer projeto de moradia popular. Isso significa que os moradores são deixados à própria sorte numa região em que a renda da terra acaba por tornar a vida insustentável para o trabalhador. Tanto em Florianópolis quanto no seu entorno os imóveis custam os olhos da cara. 

As famílias que vivem na ocupação Vale das Palmeiras têm lutado duramente para seguir vivas nesse período de pandemia, visto que a maioria trabalha de maneira informal.  E agora, desde o começo do mês de abril deste ano vivem em estado de terror permanente com as ameaças de derrubadas das casas. Primeiro foi a polícia que chegou com intimações falsas, alegando que era para saírem imediatamente. Os documentos sequer tinham assinaturas de juiz. Era só um desejo do prefeito. Imediatamente a comunidade acessou as redes de apoio e logo a farsa foi descoberta. Mas, em seguida, souberam que o processo já estava mesmo finalizado na justiça e que a ordem de despejo seria dada. O que o prefeito fez foi antecipar o drama. 

Com essa informação a comunidade tratou de se articular em luta e começou o processo de tentativa de negociação, afinal, existe até uma lei que determina que enquanto durar a pandemia não pode haver despejo. E mesmo com reunião marcada na prefeitura, a polícia seguiu fazendo incursões na comunidade, colocando medo nas pessoas. Tentavam intimidar as famílias a aceitar o aluguel social proposto pela prefeitura, num valor que não alcança pagar nenhuma moradia digna no município.

Uma reunião aconteceu, sem qualquer avanço, até porque o prefeito não estava presente. Nova reunião foi marcada, mas dois dias depois os moradores enfrentavam o corte de luz, um direito básico que foi negado como mais uma intimidação. No dia 23 de abril nova ordem de despejo é dada, sem que o prefeito aparecesse para conversar. Mais marchas, mais manifestação. A prefeitura ofereceu um “acolhimento” que seria de uma parcela única de 770 reais. Ora, o que uma família sem casa e com todas as suas coisas na rua pode fazer com 700 reais? 

No dia 28 de abril as famílias conseguiram uma decisão favorável de um juiz para que as casas não sejam demolidas, mas a prefeitura segue pressionando para que aconteça o desalojo. No dia primeiro de maio a polícia apareceu na ocupação visando impedir uma manifestação pacífica. Nesta quarta-feira, dia 05, foi realizado mais um ato em frente à prefeitura de São José, pedindo uma conversa com o prefeito, mas ele segue se negando a falar cara-a-cara com as famílias.

E assim segue a luta. O despejo está suspenso por enquanto, mas nada está garantido. Os moradores seguem esperando uma negociação de verdade e se amparam na lei, visto que a nossa carta magna diz que morar é um direito, coisa que parece valer apenas para o famoso cidadão-cliente, ou seja, aquele que tem dinheiro.

Santa Catarina, que é cantada na mídia como a Europa brasileira, está bem longe de ostentar o bem estar social da região europeia. Só no quesito moradia o déficit é de quase 200 mil habitações, isso sem contar as moradias precárias – 36 mil segundo a Cohab - que não oferecem dignidade. Em São José o déficit é de mil moradias. 

Morar é quesito de primeira necessidade e ter a própria casa é sonho de 10 entre 10 trabalhadores, porque pagar aluguel é considerado o gasto mais injusto que pode haver. É um dinheiro que, sendo ganho com o suor do trabalho, já vem morto. Por isso, as famílias que lutam nas comunidades de ocupação, não querem deixar suas moradias, muitas vezes bastante precárias. Porque, tendo-as, não precisam pagar aluguel. E isso já significa muito. 

No Vale das Palmeiras é assim. E as famílias vão lutar até o fim. 

O mínimo que esperam é que o prefeito pare de se esconder e venha conversar.


 

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