terça-feira, 20 de novembro de 2012

Ainda goteja a fonte do crime!




Foi num 29 de novembro. Reunião da ONU. 1947. Bem longe da Palestina, onde Fátima colhia azeitonas, Marta recolhia as folhas do quintal e Rachid tomava seu chá de maravia à sombra do alpendre da casa simples. Eles não sabiam, mas naquele dia estava sendo decidido seus destinos. Destino de violência, morte e dor. Havia acabado a segunda grande guerra, guerra feia, dura, grotesca. Nela, o governo alemão tinha promovido o massacre do povo judeu, dos ciganos e de outras gentes que apareciam à seus olhos como “diferentes”. Os judeus foram os mais atingidos, em função do grande número. Foi um holocausto. Por conta disso, no fim da guerra, os vencedores, comandados pelos Estados Unidos decidiram que havia de dar uma terra essa gente oprimida, roubada e esfacelada. 

O lugar escolhido para a criação de um estado judeu foi a região da Palestina, por ali estar também o núcleo originário do povo hebreu. Naquele espaço haviam nascido as 12 tribos de Judá e era para onde os judeus sonhavam voltar. Mas, esse desejo nunca foi discutido ou compartilhado com as gentes que ali viviam há outras centenas de anos, os palestinos. Então, numa decisão vinda de cima para baixo, os 57 países que conformavam a ONU naquele então decidiram entregar 57% do território palestino para a formação do Estado de Israel. O argumento era de que lá não havia gente, era deserto, portanto, livre para ser ocupado. Mas, essa não era a verdade. Ali viviam milhares de seres, tal qual Fátima, Marta e Rachid. Ainda assim, numa sessão dirigida pelo brasileiro Osvaldo Aranha – qualificado por Alfredo Braga como um desonesto - 25 países votaram pelo sim, 13 foram contra e 17 se abstiveram. Nascia então, por desejo dos vencedores da grande guerra, o estado de Israel. Já para os palestinos, aquele dia ficou conhecido como o "dia da catástrofe".

Contam os historiadores que, naqueles dias que antecederam a votação – bastante tumultuada – diplomatas receberam cheques em branco, outros foram ameaçados e as mulheres dos políticos receberam casacos de visom. Portanto, foi alavancado na corrupção que vingou Israel. 

A proposta da ONU foi de metade do território, o que deixa bem claro que todos sabiam que aquela não era uma terra vazia. A conversa nos corredores é de que também seria criado um Estado Palestino e cada povo seguiria seu rumo. Para os que viviam na terra doada aos judeus, os meses que se seguiram foi de terror. Famílias inteiras tiveram de deixar suas casas, seu olivais, sua história. A maioria foi desalojada na força, e muitos não entendiam o que se passava. Como suas terras tinham sido doadas? Naqueles tristes dias de nada adiantou o grito da gente palestina, não se soube dos mortos, nem da destruição. A informação demorava a chegar nos lugares. Quando o mundo se deu conta do terror, já era tarde demais.

Tão logo se instalou, o governo israelense decidiu ampliar seus domínios. Não aceitou a metade, queria mais e abocanhou, na força das armas, 78% do território. os palestinos tiveram de migrar, abandonar suas vidas e tudo o que era seu. O Estado da Palestina nunca foi criado. 

Todo o terror imposto por Israel ao povo palestino não terminou por aí. No ano de 1967, o governo sionista, de novo com a força dos canhões, expandiu ainda mais o território em busca do domínio das regiões mais férteis, passando a ocupar mais de 80% da área,  massacrando outras tantas milhares de famílias palestinas.

Ao longo desses anos todos, por várias vezes Israel arremeteu contra o povo palestino, numa tentativa de dizimar a população. Sem conseguir, decidiu criar então um imenso campo de concentração à céu aberto. Praticamente todo o território ocupado por palestinos está cercado por enormes muros de concreto. As pessoas vivem como prisioneiras, muitas famílias foram separadas e não podem mais se ver. Muitos são os documentários que mostram as famílias se comunicando através dos muros e cercas de arame farpado, aos gritos, sem poderem se abraçar. 

Nos últimos dias, Israel começou nova escala de violência, com bombardeios à Faixa de Gaza, onde se concentram os palestinos. O argumento que a televisão e as empresas de jornalismo passam é o que fala de "direito de defesa" de Israel. Vendem a ideia de que é esse estado militarizado e terrorista o que está sendo agredido. 

Ora, qualquer pessoa de mediana inteligência sabe que a força de um menino com uma pedra é abissalmente inferior a de um canhão ou mísseis teleguiados. Israel quer destruir o povo palestino, quer "limpar a área", região absolutamente estratégica para a proposta de poder dos Estados Unidos, principal parceiro de Israel nesse massacre continuado.

A resposta dos palestinos é a resposta dos desesperados. Pessoas como Fátima, Rachid, Hadija ou Kaleb nada mais querem do que viver suas vidas, estudar, sonhar com algum amor, casar, ter filhos, comer azeitonas no cair da tarde. Uma vida como a de qualquer ser humano no mundo. Mas, eles não podem fazer isso. Estão continuamente humilhados,  ameaçados pelas balas, pelos soldados, pelos tanques, pelos bombardeios. Vivem em alerta 24 horas no dia. Quando podem, reagem. Com pedras, com bombas caseiras, com autoimolação. Sim, respondem às vezes com violência extrema, mas nada menos do que o que aprendem no cotidiano de uma vida de prisioneiro em sua própria casa, acossado pelo exército invasor. 

Agora, nesses dias, as famílias palestinas estão vendo morrer seus filhos, crianças despedaçadas, jovens estraçalhados. Morrem mães e pais, avós, gente simples, que está no quintal varrendo as folhas. Garotinhos que brincam nas ruas de terra. Não são terroristas, nem carregam armas. São pessoas comuns, calejadas na opressão. Não é uma guerra, onde se batem os exércitos. É um genocídio, um massacre, no qual perecem as pessoas comuns.

Pelo mundo inteiro gritam as gentes, as imagens de dor se espalham pela internet, o mundo inteiro sabe o que acontece  no imenso campo de concentração que Israel criou. Mas, toda a ação das gente é inútil. As bombas seguem caindo, armas químicas são usadas (o fósforo, que queima inteira a pessoa) e o que se vê são os governantes do chamado "mundo livre" apoiando a ação de Israel. Os Estados Unidos, que invadiu o Iraque por uma "suspeita" de que estavam fabricando armas químicas por lá, observa o uso das mesmas sobre os palestinos e diz que é um "direito de defesa" de Israel. Ou seja, se quem usa armas químicas é amigos dos EUA, está tudo bem. Hipocrisia, cinismo.

Para os movimentos sociais e militantes da causa humana, o que fica é o absurdo sentimento de impotência. Desde tão longe só o que se pode fazer é gritar, denunciar, contar essa velha história para que ela não se perca no meios da mentiras que os noticiários contam todos os dias. O conflito Israel x Palestina nada tem de religioso. Usa-se a religião para legitimar determinadas ações, os judeus julgam-se o "povo eleito". Mas, o que se esconde por trás da aparência é a configuração geopolítica de poder. Os palestinos estão num espaço da terra que é muito importante para o projeto de dominação do Oriente Médio. Ficam na entrada principal e não são amigos dos Estados Unidos. Por isso é necessário que sejam extintos. 

As bombas seguem caindo sobre as famílias palestinas, dor e morte é o que têm. Mas, os palestinos seguem defendendo sua terra e suas vidas. Não haverão de se extinguir. Estão por todo o mundo e nunca esquecerão sua história.  Cabe a nós solidarizar com esse povo valente porque nada no mundo justifica o que acontece hoje na Palestina ocupada. Israel haverá de responder à história pelos seus crimes. Mais dia, menos dia. Porque, se como dizia o grande poeta Mahmud Darwish, "ainda goteja a fonte do crime", há que estancá-la.  

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Os fatos em Florianópolis


Dizia Maquiavel ao seu soberano no célebre livro O Príncipe, ensinando como administrar um estado. “Conhecendo-se de longe os males que virão (o que só é dado ao homem prudente), pode-se curá-los facilmente. Mas, quando esses males se avolumam de modo que todos já podem reconhecê-los, não há mais remédio que possa estancá-los”. Pois é essa baratontice (de não saber entender a realidade) que se pode observar nas declarações do governador Raimundo Colombo, nos secretários municipais, no alto comando da polícia e tantas outras autoridades, nesses dias em que, ao que parece, baixou um zepelim dourado na cidade de Florianópolis. A tal da “segurança” do estado de direito parece ter se esvaído e ninguém sabe onde encontrá-la, com as autoridades preferindo atuar na aparência a mergulhar na essência dos problemas, para definitivamente resolvê-los. Talvez, como na música do Chico, estejam esperando uma Geni, que afaste o mal, por hora, para que os turistas possam voltar e a cidade se sentir segura.

Na verdade, poucos conseguem perceber que a raiz dessa violência desenfreada está na própria existência de um sistema de organização da vida que divide as pessoas em classes, sendo que uma é possuidora dos meios de produção e das riquezas produzidas, e a outra, nada tem além do corpo, a força de trabalho. Ao mesmo tempo, a classe que domina impõe uma pedagogia do desejo que faz com que os que nada têm almejem possuir o que nunca terão. Assim, quando essa expectativa se frustra, as respostas são as mais diferentes: uns, se resignam, outros, lutam, outros tomam à força o que o próprio sistema lhes ensina querer. Esses, os últimos, por fazerem o que fazem, são perseguidos e punidos. E daí nasce o paradoxo do sistema prisional. Grande parte dos que ali estão nada mais é do que vítima de um sistema que lhes ensina a querer o que nunca terão, mas que, por rebeldia ou necessidade, acabam por tomar na força. O estado, criador do sistema punitivo, não tem qualquer compromisso com essas gentes. Não quer cuidar delas, não quer recuperá-las, não se importa. Trata como um tumor, uma doença que foi crescendo no corpo sarado que tenta dar ao sistema social, e cujo destino final só pode ser o extermínio.

Ao que se sabe as prisões sempre existiram como espaço de confinamento daqueles que burlassem a paz dos senhores. Os que não pagassem os tributos, os que se rebelassem contra o poder, os chamados hereges. Nos tempos mais antigos o confinamento não tinha o caráter de pena, o que se buscava era manter a pessoa sob o domínio físico, visando garantir que os castigos fossem impostos. Conforme conta Elizabeth Misciasci, no trabalho “Como nasceram os cárceres”, até a chamada modernidade ninguém se importava muito com os locais onde as pessoas eram aprisionadas exatamente por não estares ligados a uma pena. Eram só os espaços nos quais a pessoa esperava pela tortura ou pela execução. As penas, conta ela, eram imputadas conforme o arbítrio dos governantes, que as definiam conforme o "status" social do réu: “amputação dos braços, degolar, a forca, incendiar, a roda e a guilhotina, proporcionando o espetáculo e a dor, como por exemplo, a que o condenado era arrastado, seu ventre aberto, as entranhas arrancadas às pressas para que tivesse tempo de vê-las sendo lançadas ao fogo. Eram essas penas que constituíam o espetáculo favorito das multidões deste período histórico”.

A ideia de prisão como espaço de cumprimento de pena só vai começar com o advento do capitalismo, pois como explica Misciaci, só num sistema em que o trabalho humano é medido pelo tempo poderia vingar a proposta de se fazer expiar o delito com um “quantum de liberdade”. Da mesma forma, na Europa, durante o período da chamada revolução industrial, a pobreza das gentes atingiu índices estratosféricos e desde aí, a criminalidade também aumentou. Foi essa situação específica que gerou a construção de lugares específico onde as pessoas pudessem ficar confinadas para corrigir sua forma de agir no mundo. Naqueles dias era crime mendigar, vagabundear, e não aceitar trabalho. As prostitutas eram consideradas “criminosas natas”. O preso era um sujeito sem direitos, não importando qual fosse seu delito. E foi apenas no século 18 que surgiu o Direito Penitenciário como uma tentativa de garantir ao prisioneiro uma proteção. A base era a exigência ética de que um ser humano deve ser tratado com dignidade seja qual for o seu delito, e que a um ato violento não se deveria pagar com outro.

Todo esse movimento da sociedade em direção a garantia de direitos dos apenados nunca foi sem razão. Ao observar a história das prisões fica bastante claro que boa parte das pessoas que eram encarceradas estava mais para vítima do que vilã. E isso quase sempre foi assim. É fato que existem criminosos violentos e cruéis, mas no mais das vezes a maioria dos que estão nas prisões cumprem pena por delitos leves.

No Brasil, o chamado regime penitenciário, de caráter correcional, com fins de ressocializar e reeducar o detento, só apareceu em 1890, depois reforçado e resignificado com diversas outras leis. E, como é comum nos países que ficam na periferia do capital, por aqui a pobreza sempre foi gigante, criando as condições para que a criminalidade se fizesse em igual dimensão. Num mundo onde a riqueza fica nas mãos de poucos, muitos são os que se rebelam contra essa concentração, daí a necessidade que os detentores da propriedade têm de contínua vigilância de seus bens. Para isso criam forças de repressão e sistemas de reclusão para quem burla as leis, as quais, majoritariamente, foram feitas pela classe dominante. Logo, para servi-la.

O fato é que a tal da ressocialização dos presos nunca foi real. As prisões serviram e continuam servindo apenas como depósito de gente “malvada”, vista como câncer da sociedade. Assim o que acontece com eles dentro dos portões das penitenciárias não importa a ninguém. Para a maioria que vive mansamente sob as regras ditadas pela minoria, existe até uma sensação de segurança. Se os “malvados” estão presos, tudo correrá bem. É por isso que as denúncias de superlotação, espancamentos, violências, violação de direitos humanos, são vistas como coisas absurdas. Ou seja, não é permitido à “escória” do “mundo livre” reclamar ou exigir qualquer piedade. Se algum dia eles ousaram burlar as leis, que paguem por isso. Não importa que esse pagamento seja o mais cruel, tanto quanto os da idade média, aqueles que levam as boas pessoas às lágrimas quando vistos em algum filme de “roliudi”.

O sistema, para se proteger de quem o quer transformar, cria uma pedagogia do medo, mostrando à exaustão o quanto de maldade e terror os “bandidos” espalham pela terra. Não faz distinção entre os criminosos reais e os pobres diabos que buscam sobreviver num mundo de exclusão. Isso tampouco acontece dentro das prisões, nas quais um preso de primeira vez, por roubar um pão, acaba na mesma cela que a de um assassino serial. As prisões, então, em vez de promoverem a tal da reeducação, acabam se transformando em escolas de crime. Muitas vezes, uma pessoa que cometeu um delito simples, sai da penitenciária tão destruída psicologicamente que tudo o que quer é vingança. Daí para outro crime é um passo só.

Hoje, em Florianópolis, as pessoas mais pobres estão de novo pagando pela falta de visão do Estado. Fazendo ouvidos moucos aos reclames dos presos no sistema penitenciário, em vez de dar soluções simples como a garantia dos direitos humanos, o estado faz o contrário. Assim, aviltados, violentados e humilhados, os detentos com vinculação a grupos organizados no mundo do crime, resolvem atuar da mesma forma, impondo ao Estado a mesma violência e humilhação, ainda que a corda venha a queimar na mão dos trabalhadores.

Com as autoridades estatais em estado de baratatontice, não são poucas as vozes que se levantam exigindo um banho de sangue para os criminosos. “Bandido bom é bandido morto”, arengam, enquanto não tiveram um dos seus enredados na teia da rebeldia ou da marginalidade. Acreditam-se completamente livres de coisas assim, por isso babam por vingança. Muitas vezes são até piedosos cristãos, frequentadores de missas e obras de caridade. Criaturas para quem o “direito humano” só deve estar reservado aos “bons”, seus iguais.

Mas, ocorre que “direito humano” é coisa que vale para todos, sejam eles os privilegiados, os ricos, os dominadores, ou os pobres, os excluídos, os marginais, os bons ou os maus. Por isso se diz direito humano e não direito dos ricos, dos bonitinhos ou dos branquinhos. O avanço da sociedade fez com que as pessoas percebessem que punições como as que eram imputadas na idade média, de castigos corporais, torturas e outras barbaridades não eram condizentes com a natureza humana. Daí a necessidade de garantir os direitos, mesmo daqueles que do ponto de vista da lei, cometeram delitos. Para isso existe o direito, para superar a lei do talião, do dente por dente. Só que em momentos de crise é fácil perceber o quanto a humanidade ainda se mantém no passado brutal.

A segurança não é coisa fácil de ser garantida num estado divido por classes com uma abissal diferença econômica entre elas. Tampouco um banho de sangue nas prisões da grande Florianópolis vai trazer a paz. Se a sociedade insistir no dente por dente, olho por olho, isso não vai ter fim. Santa Catarina vive sim uma queda de braço entre o estado e o crime organizado. Mas essa é só a aparência imediata de um problema estrutural. Pode-se vencer com o uso da força ou pode-se atuar no rumo de uma mudança radical no sistema prisional do estado catarinense. E, mesmo isso ainda será um pequeno passo diante da extrema violência que é o sistema capitalista em si.

E aos que clamam por sangue é bom que saibam que o “outro”, ainda que desigual, tem os mesmos direitos de serem tratados com dignidade. Negar isso a eles é deixar-se envolver pelo mesmo véu de alienação e desumanidade, com o qual estão enredados os que cometem os crimes mais vis. É se equipar em vileza e maldade. As pessoas que dioturnamente estão em luta pelos direitos humanos não costumam escolher alvos específicos para o exercício de direitos. Defendem a vida e a dignidade dos policiais, dos trabalhadores, dos motoristas, das autoridades e dos que, premidos pela brutalidade de um sistema que esmaga o humano, assumem o papel de criminosos.

Florianópolis vive dias de caos, com ônibus queimados e gentes assustadas, no mesmo momento em que os trabalhadores da saúde estão parados por melhores salários e condições de trabalho. Assim, da mesma forma como os empresários tem seus bens depredados, os mais pobres, que dependem do serviço público, amargam nos hospitais e nos postos de saúde, sem atendimento. O tratamento dado pelo governador é desigual. Aos empresários, manda escolta policial, aos trabalhadores, corta o ponto e ameaça, deixando os espaços de saúde sem guarnição. Mas, isso, ao que parece, gera indignação em muito poucos...



quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Brigadas Populares informam sobre o trabalho no presídio São Pedro de Alcântara


As Brigadas Populares vem a público manifestar que constrói a mobilização política e pacífica de familiares e amigos de pessoas em privação de liberdade em São Pedro de Alcântara (SPA). Participamos e auxiliamos na organização de um conjunto de atos públicos, todos de caráter político e pacífico:

7/nov (Imediações do Complexo Penitenciário de SPA) – Após a visita de familiares à penitenciária, tomamos conhecimento de que haviam presos sendo espancados desde segunda-feira (5/nov). Iniciamos uma vigília que se estendeu todas as noites nas imediações do complexo penitenciário. Mães, esposas, filhas e irmãs se reúnem e apoiam umas as outras diante da incerteza sobre seus parentes. Ao mesmo tempo em que vigiam para verificar o fluxo de veículos, enviam uma mensagem: “Nós estamos aqui, nós existimos e estamos de olhos e ouvidos atentos ao que acontece com nossos meninos” – diz uma das mulheres.
8/nov (Fórum de Justiça de São José) – Enviamos um grupo de representantes para dialogar com o Juiz da Vara de Execuções Penais de São José com a finalidade de pressioná-lo a inspecionar os presos que em nosso conhecimento haviam sido espancados, para então tomar as providências legais cabíveis. Obtivemos nossa primeira vitória, o Juiz Humberto G. da Silveira seguiu imediatamente para SPA.
8/nov (Fórum de Justiça do Estado de Santa Catarina) – Realizamos uma manifestação no centro da Capital, na Frente do Tribunal de Justiça para demonstrar publicamente que nós existimos como um sujeito político e que estamos em grande mobilização. Participaram desse ato mais de 80 pessoas, realizando uma volta pacifica pela praça em frente à ALESC. Realizamos uma série de entrevistas com a imprensa. A manifestação durou cerca de duas horas.
8/nov (Imediações do Complexo Penitenciário de SPA) – Após a manifestação na Frente do Tribunal de Justiça, seguimos em caravana para as portas do Complexo Penitenciário de SPA, com faixas e apitos, onde o Juiz Humberto G. da Silveira realizava uma inspeção. Aguardamos pacificamente nas imediações, esperando que pudesse nos acalmar com informações sobre o que acontecia – uma vez que a visita de familiares e até advogados havia sido suspensa e estávamos sem informações e corriam boatos de mortes dentro do Complexo. Infelizmente, ao ver o povo, o Juiz ficou com medo e saiu escoltado pela Policia Militar diretamente para o Fórum de São José, onde deu uma coletiva de imprensa e manifestou não ter encontrado sinais de tortura, mas escoriações leves e ter encaminhado os casos para o Instituto Geral de Perícias (IGP) para o exame de corpo de delito.
8/nov (Imediações do Complexo Penitenciário de SPA) – Fomos informados de que dessa visita de inspeção do Juiz, conseguiu-se que os advogados pudessem realizar as visitas a partir do dia seguinte e que as visitas dos familiares seria reestabelecida em seguida. Conscientes dessas duas primeiras vitórias, decidimos permanecer em vigília, pois poderia haver retaliações dentro da Penitenciária. A vigília prosseguiu, espalhamos por todo o caminho de chão de terra algumas velas que simbolizavam a dor silenciosa sentida pelos familiares.
9/nov (Secretaria de Justiça e Cidadania)– Realizamos uma manifestação em frente ao prédio da Secretaria de Justiça e Cidadania, com apitos e faixas exigiu-se a realização de uma reunião com a Secretária Ada de Luca e o chefe do Departamento de Administração Prisional (DEAP). Com o intuito de registrar oficialmente nossa preocupação e relatar as denúncias de tortura. Após 4 horas de manifestações, fomos recebidos pelo diretor de planejamento e pela assessora da Secretária de Justiça e Cidadania, que nos garantiram marcar uma reunião até o dia 13 de novembro.
9/nov (Imediações do Complexo Penitenciário de SPA) – Realizamos uma reunião ampliada, na qual concluímos que a inspeção realizada pelo Juiz Humberto G. da Silveira não foi exaustiva. Ele ouviu 7 apenados na sala da chefia de segurança do Complexo Penitenciário, não tendo visitado os locais indicados pelos familiares onde se diz ser uma prática comum esconder os presos machucados. Para nós, essa inspeção não foi exaustiva e, portanto, não poderia nos servir para conhecer a real situação dentro da Penitenciária. Passamos a nos articular com órgãos, autarquias e todos os sujeitos interessados para exigir uma nova inspeção a ser realizada por uma força-tarefa que visitasse cada cela e inspecionasse todas as partes do Complexo Penitenciário.
10/nov (Imediações do Complexo Penitenciário de SPA) – Mantida a vigília permanente. Realizamos várias reuniões nas quais debatemos entre outras questões mais práticas do movimento, a necessidade de pensarmos que o problema não é apenas um diretor de unidade penitenciária, mas a própria política penitenciária do estado de Santa Catarina. E para além disso, o nosso real problema é uma forma de gestar a vida em sociedade na qual a maior parte do povo trabalhador não tem acesso ao trabalho, em que mesmo aqueles que têm são remunerados muito abaixo do que precisam para se manterem vivos e vendo-se sem alternativas, ao invés de recorrer a política, recorrem ao crime – sendo mortos numa ruela ou presos e enviados para uma vida de torturas, medos e preconceitos que é a vida na prisão.
11/nov (Imediações do Complexo Penitenciário de SPA) – Mantida a vigília permanente.
12/nov (Imediações do Complexo Penitenciário de SPA) – Mantida a vigília permanente. Enviamos representantes para reunião com a OAB e com a Corregedoria de Justiça.
13/nov (Imediações do Complexo Penitenciário de SPA) – Fomos informados de que uma nova inspeção seria realizada no Complexo Penitenciário, coordenada pelo Ministério Público, o Juiz da Vara de Execuções Penais da Comarca de São José e acompanhada pela OAB e três delegados da policia civil. Foi montado no Hospital Santa Tereza um posto do IGP para realização dos exames de corpo de delito. Nessa inspeção os presos foram visitados em suas celas e chamados todos os que estavam feridos. Realizamos uma manifestação pacífica, nos concentramos desde as 10 horas da manhã até às 19 horas nas imediações do complexo penitenciário, com faixas e buzinas. Cada vez que um carro de transporte de prisioneiros passava, os familiares gritavam e aplaudiam para que os presos soubessem que estávamos ali e que os apoiávamos nesse momento difícil.

Este relato extenso é para deixar claro qual a natureza das manifestações que realizamos, ou seja, de que a nossa luta é política e pacífica. Nós não recorremos à ilegalidade e ao crime para nos manifestar. Ao contrário, nós consideramos que o crime é um empecilho para a política, na medida em que não mobiliza para fazer crescer e avançar nosso processo de conscientização diante dos graves problemas sociais que marcam o povo brasileiro. E sendo assim, não consideramos politicamente legítimos os atentados contra as policias e os ônibus ocorridos em várias cidades da Grande Desterro. E não aceitaremos que esses atos nos sejam imputados, com a finalidade de deslegitimar nosso movimento perante a opinião pública.

Nossa luta é política, é uma luta de classe. E essa é a luta da classe trabalhadora, do povo brasileiro, em busca de sua autodeterminação. Acreditamos piamente que não haverá transformações profundas em nossa sociedade se o povo não assumir para si a tarefa de se governar em direção a uma nova nação. Uma nova nação, constituída de uma nova maioria política e social capaz de radicalizar a democracia: colocar o povo diretamente nos espaços de governo – e governo se faz na rua!

Saudações Brigadistas!
Frente Antiprisional das Brigadas Populares de Santa Catarina

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Educadores cegos



Nascido na beira do São Francisco não poderia ser senão poeta, barranqueiro, musical. Teve infância bonita, de carrinho de rolimã, de trilha no mato, de pegar rabeira de caminhão. Fez-se homem na aridez do cerrado, aprendendo que a vida pode ser fluida como o velho Chico, mas também dura como um caraguatá. Aprendeu, mas nunca aceitou. Sem horizontes na Santana do Alegre veio para o litoral catarinense. Na bagagem, o coração sensível e a música. Coisa pouca para a babilônia. Na pressão do social foi fazer faculdade. Queria música, mas não deu. A opção foi o quintal mais perto, a filosofia.

Mas, a universidade, às vezes, mata sonhos, enquadra almas, apequena o ser. E por isso, a filosofia foi perdendo a aura. Não havia encantamento. Educadores estão em falta. Até que ela chegou com sua fala boa, capaz de ser entendida, ligando o mundo escolástico com os dias atuais. Santo Agostinho, o medievo, a beleza de um tempo em que os homens buscavam dar cara de deus à razão. O guri se encantou outra vez. A filosofia tinha gosto de fruta madura de novo. Assim, em meio às correrias das aulas de música, do trabalho como ajudante de pedreiro e do cuidado com a casa, ele se desdobrou. Caminhar para as aulas de Filosofia II passou a ser música, mel, beleza.

Por isso não foi pequena a estupefação quando no outro dia, esperando pela prova para a qual havia dedicado suas melhores horas, ele a recebeu sem qualquer nota. Não fora sequer corrigida. E ela, a que lhe havia feito desejar de novo fazer canções para a filosofia, escurecia o dia: “não precisa vir mais, estás rodado por falta”. O guri minguou, perdeu a voz, ficou sem chão.

O coração de poeta seguiu chorando pelo ônibus afora, no caminho da aula de música. A razão perdia o fio da fé, tão bem amarrado por Agostinho. Na aula, as notas do sax não saiam doces. Havia um ruído gigante ensurdecendo a alminha. Naquela noite não brotaram as notas, nem saltitaram as claves de sol. Ele não entendia. Faltara quatro aulas, e não fora por querer. Havia que prover a existência. Naqueles dias ficara com o coração apertado, sentindo falta do bom filosofar, da obscuridade misteriosa do medievo. Mas a professora nem quisera saber. Seguia a regra dura sem mirar o outro, humano e falível, na sua frente. Não via uma pessoa, talvez um número da chamada. Educação bancária, diria Freire, desprovida de carne e humanidade.

Chegou em casa bem tarde, ainda aturdido. Não conseguia entender como alguém podia educar sem ver. Sua alma de poeta havia perdido as rimas e todo o encantamento se esvaia. Afloravam as águas nos olhos, como se por ali fosse sair o rio. Balançava a cabeça esperando encontrar uma resposta para tanto desamor. Então, foi lembrado de que havia forjado a alma na dureza do cerrado e que haveria de superar. Mas, o guri da barranca do São Francisco é bichinho teimoso. Não quer endurecer. Ele acredita que a vida precisa de amor, poesia, música, riso e ternura. E endurecer é ser vencido pela babilônia. Decidiu que haveria de se compadecer de tal pessoa que educa sem ver, que não vislumbra o encantamento que provoca, que não percebe a mágica que faz. Passou o dia seguinte a fazer um presente o qual haveria de lhe dar.

Porque esse menino que nasceu nas minas gerais é feito de doçura e beleza e nada nesse mundo vai quebrar esse fino cristal. Assim, naquela noite, enfim, dormiu em paz.


sábado, 10 de novembro de 2012

Florianópolis em luta pelos irmãos Guarani





Florianópolis realizou uma manifestação em apoio à luta dos Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul, juntando-se às atividades que aconteceram em vários pontos do país nesse 09 de novembro. Reunidas em frente à catedral, mais de 200 pessoas distribuiram panfletos e dialogaram com a população sobre o drama do povo indígena. O Guarani-Mbya que vivem próximo à Florianópolis também vieram em apoio aos irmãos do Mato Grosso. Vieram ainda os Kaigangs, de Ibirama e até um irmão da etnia Mapuche.
Houve uma caminhada pelo centro da cidade que encerrou no terminal urbano, onde os manifestantes se deitaram no chão enquanto uma faixa vermelha percorria todos os corpos. Cantorias e palavras de ordem exigiam do governo federal a democarcação das terras indígenas.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Na casa de Olímpia




Ali estava eu na velha Vacaria, cidade gaúcha famosa pelos seus campos e rebanhos de gado. Tinha ido entrevistar uma freira que conseguira fazer um desses trabalhos que marcam uma vida inteira. Ela dirigiu por longos anos a Pastoral da Mulher Marginalizada em Lages, Santa Catarina. Seu trabalho era percorrer a zona do “baixo meretrício”, conversando com as mulheres, acolhendo suas dores e informando sobre a prevenção da terrível doença que começara a ceifar vidas: a Aids. Irmã Olímpia. Nos anos 80 e 90 ela semeou por todo o Brasil a ideia de que as mulheres marginalizadas pela prostituição também tinham direito à vida e à dignidade.  Trabalho de titã. "Heroína", no dizer de Tereza Kleba.

Pois no final de outubro ela me recebeu. Vive em uma casa ampla, com mais uma irmã de sua congregação: Isabel. Naquele final de semana a casa também acolhia outras duas freiras: uma, doente e precisando de cuidados, ali encontrava abrigo e amizade. E a outra, companheira, solidária, que viera para acompanhar a amiga doente ao médico na semana seguinte. Foi um final de semana de profundo encontro humano.

Na tarde sábado, depois de longas horas de entrevista, elas me convidaram para ir à missa, numa capela junto a um lar de freiras idosas. Momento surpreendente. Sempre tivera certa pena das pessoas que se dedicam à vida religiosa, muitas vezes abandonando a família, e imaginava que o final da vida devesse ser solitário e triste. Mas, o que vi, me encheu de profunda emoção. Já havia experimentado outra visão dos fatos na casa de Olímpia. As quatro amigas se conheciam de muitos anos, desde os tempos de noviciado. Eram como irmãs, com direito a brigas, caras emburradas e todas essas coisas que se passa em família. E foi incrível ver o cuidado que tinham com a companheira doente. Talvez um parente não tratasse tão bem.

Depois, no lar de idosas, o clima era de pura comunhão. As mais novas amparavam com cuidado as mais velhas, conversas carinhosas, sorrisos, delicadezas. Elas tinham umas às outras, com todos os problemas que a convivência pode ter. Mas havia amor ali, era explícito. Lembrei-me das poucas "compas" que tenho e pensei que um dia haveremos de ser assim também: velhinhas e amigas, cuidando uma da outra, apesar de nossos gênios ruins. Ali estava uma família, construída por anos a fio, que ultrapassava a coisa do sangue. Amizade, compromisso com o outro.

À noite, depois de um lauto café regado a dezenas de “chimias” produzidas pelas mãos fazendeiras de Isabel, sentamos para conversar sobre coisas da igreja, da vida, da fé. Uma charla gostosa, sem pressa, sem televisão, sem facebook. Só o encontro real, vivo, cheio de risadas e estupefações.

No dia seguinte fui embora com uma sensação de plenitude. Ali estavam mulheres que se doaram pela fé. Que construíram mundos, viajaram, vivenciaram outras culturas, ampararam desconhecidos, enfrentaram horrores, medo, doença, inveja. E, apesar de tudo, estavam ali, de pé, reinventando a vida no outono da existência. Num átimo descobri: estavam de pé porque se amparavam umas nas outras. Compromisso de amor. O amor que extrapola o sentimentalismo burguês, o amor que se compromete.

Então, quando o ônibus saiu da rodoviária e foi subindo a serra, eu suspirei um suspiro de alegria. Nesses tempos áridos, aquelas quatro mulheres me proporcionaram uma linda lição.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Denise de Castro

A cantora, compositora e instrumentista Denise de Castro apresenta novo show nesse dia 12 de novembro de 2103, segunda-feira, no projeto Panorama Sesc de Música. Local: Sesc da Prainha. Horários: meio-dia e 19h. O evento é gratuito. Boa pedida para ouvir essa extraordinária artista da nossa terra. Conheça um pouco de seus pensares...