quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Não entendi o enrosco!


É coisa comum na esquerda brasileira fazer a crítica aos grandes meios de comunicação. De uma maneira geral todo mundo que estudou um pouquinho a questão da comunicação sabe que, neste país, as redes de comunicação - sejam televisadas, escritas ou faladas - são nada mais nada menos do que uma bem urdida propaganda do sistema político e econômico dominante. A televisão é comandada pela Globo, que tem uma triste história de parceria com o regime militar, criada para dar ao país “uma identidade nacional”. O sistema de rádio também está na mão da elite dominante do país, das mesmas empresas que controlam a televisão e dos políticos com cadeira no Congresso Nacional. Estes, por sua vez, lá estão no sistema legislativo, unicamente para defender interesses particulares, com raríssimas exceções.

No que diz respeito aos jornalões nacionais como Globo, Folha de São Paulo e Estadão, nunca houve dúvidas sobre o que eles defendem. Por isso sempre me causou espécie ver a intelectualidade brasileira de esquerda render-se ao feitiço da Folha, que insistiam em dizer que era o “mais democrático” ou que “pelo menos abria um espaço para a diferença”. Ora, o jornal dos Frias pode ser comparado à velha historinha do lobo que estudou na França e voltou querendo ser amigo das ovelhas. Tanto insistiu com elas que havia mudado, que estava civilizado, que elas foram visitá-lo. Então, quando já estavam dentro da casa do lobo ele as comeu. Uma delas, moribunda, lamentou: “mas você disse que tinha mudado”... E ele, sincero: “Eu mudei, mas não há como mudar os hábitos alimentares”.

E assim é com a Folha. Não consegui ficar indignada com o comentário sobre a “ditabranda”. Isso é coisa normal na Folha. É isso que eles sempre defenderam e o que sempre vão defender. São os hábitos alimentares. A Folha sempre mentiu, sempre enganou, sempre esteve a serviço do poder instituído, dos interesses dos poderosos, do capital.

O que me indigna de fato é saber que gente de esquerda, sindicalistas, povo do movimento social assina e lê a Folha. Este devia ser um jornal para ser esquecido. “Ah, mas ali está a fala do poder, temos de conhecer”. Ora, que se leia na banca, sem comprar, sem financiar este embuste. Se a Folha existe é porque muita gente boa a sustenta. E quando digo muita gente boa estou falando de gente que a critica. Sepulcros caiados. Bradam nas esquinas e a recebem em casa.

A Folha sustentou a ditadura, foi conivente com as mortes, com as desaparições, impediu o bom jornalismo, velou a verdade. O fez, o faz e o fará, sempre. A nós cabe construir o novo, novos veículos, com jornalismo de verdade, este que desvela, que analisa, que interpreta, que é forma de conhecimento. A Folha é boca alugada da elite, é lobo, é sistema de propaganda. A Folha é lixo e como tal deve ser descartada. Penso eu que se cada ser humano neste país que ficou indignado com a Folha deixar de comprá-la ela não se sustenta. Se ela serve a elite, que seja alimentada por ela somente.

Ah, essa nossa gente bonita... Se soubesse a força que tem!

sábado, 21 de fevereiro de 2009

A mão que me alimenta


Nós somos a teia de nossas relações. Ao longo da vida vamos amealhando pessoas com as quais costuramos essa bonita colcha que é nossa existência. E, nesse costurar, vamos tecendo a “família”. Coloco a palavra entre aspas porque entendo que família é algo que está além da consangüinidade. Senti isso neste verão quando, trabalhando, não encontrei aqueles que me alimentam nos dias de labor. Eles, que para muitos são invisíveis, se mostraram absolutamente essenciais para minha existência. Sem estas criaturas, a colcha do meu viver ficou mais feia.

Reparei nisso no dia em que os vi voltar. Era uma tarde quente e, ao escapulir da sala para levar um documento, os percebi lavando mesas e preparando o bar para voltar à ativa. Ali estavam com seus sorrisos e seus rostos iluminados. Enchi-me de alegria, pois eles me faziam falta. Num átimo percebi que estes seres também são minha família. Estão colados em mim. O Emerson, que no escondido da cozinha prepara os lanches, a Elisângela que nunca aparece, mas faz aqueles bolos deliciosos que nos espreitam no vidro. O Leandro, o Éderson, o Itamar e a Bruna que se revezam na azáfama de atender toda a gente nas horas de burburinho, sempre com um sorriso, apesar do cansaço. E o Habdon, que invariavelmente tem um comentário sobre a política da América Latina. Nenhum lanche é servido sem uma boa análise.

Cada um deles, presentes no meu cotidiano, tece parte de mim. É das mãos deles que vem o café, o pastel, o bolo, o sanduíche, a energia que move meu corpo nestas tantas lutas. Por isso, nestes dias de volta às aulas, eu me sinto impelida a agradecer. Porque eles poderiam ser só funcionários do bar, seres anônimos. Mas não são. Estas vidas que vendem sua força de trabalho ao Marcos e Angelis, têm nome próprio, são seres singulares, meus companheiros de classe. Cúmplices no sonho de uma vida boa. Eles no balcão e eu criando mundos com palavras. Trabalhadores, todos nós, conspirando para que chegue a sociedade sonhada, na qual não existam explorados nem oprimidos. Essa coisa boa que chamamos socialismo...

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Dia de matrícula


Os dias 12 e 13 estão sendo dias de matrícula dos alunos novos na Universidade Federal. Coisa boa de ver. Essa gurizada nova, chegando para o início de um novo ciclo na vida. Pelo campus a gente percebe as carinhas cheias de curiosidade, ansiedade e alegria. Não é à toa. Afinal, eles passaram por um funil cruel que é o vestibular. E nestes dias, enquanto eles se preparam para começar um curso que pode lhes mudar a vida, outros mais de 35 mil jovens estão em casa, amargando aquilo que lhes é imposto como “derrota”. Não passaram. Mais um ano “perdido”, esperando a nova chance. Na verdade passaram, só não têm a vaga.

A Universidade Federal é um espaço de educação ainda pública. Digo ainda porque as ameaças são constantes. A cada ano surge um projeto novo, uma idéia nova, buscando entregar para a iniciativa privada aquilo que é um direito das gentes. Então, nestes dias, eu que amo o saber e a universidade como casa onde o saber também vive, saio pelo campus para receber os que chegam pela primeira vez. Gosto de contar-lhes das grandes lutas travadas por trabalhadores e estudantes para que este lugar ainda seja público e eles possam estar aqui, sem pagar mensalidade. Gosto de dizer que precisamos deles para mudar a universidade, torná-la mais próxima da vida real, mais comunitária.

Mas, enfim, nunca canso de me surpreender. A universidade como instituição não recebe o estudante. Não há banda de música, não há portal de flores, não há sequer gente explicando onde são os lugares. O povo fica zanzando com cara de perdido, sem saber para onde ir, parado em frente às placas de localização, mas completamente atônito, sem entender dos caminhos do campus. Muitos vêm com pai e mãe, naquela alegria boa de “entrar na UFSC”. E não há ninguém para um sorriso, um abraço, um “bem-vindo”. Quanta falta de visão, quanta falta de ternura, quanta desimportância. Só os bancos, vampiros, aguardam os incautos nas entradas dos Centros. Espertos.

Caminhando pelo campus, cheio de vida nova, fico a matutar. Como mudar a universidade se ninguém se importa? Como tirá-la do conservadorismo, da opressão mercadológica, desse jeito gris? Difícil. Da minha parte, faço a lição. Ando por aí guiando as gentes perdidas, dando boas vindas, oferecendo sorrisos. Penso, como Mário Quintana: “Quem sabe um dia, quem sabe...”

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Fenaj adere aos fundos de pensão



A Federação dos Jornalistas, a cada dia que passa, vai aprofundando suas contradições e equívocos. Primeiro, propôs discutir a regulamentação da profissão com patrões e governo, numa mesa de “negociação”, como se fosse possível “negociar” alguma coisa com os donos da mídia, em igualdade de condições. Além do que, nos parece uma tremenda ingenuidade, para não dizer outra coisa, permitir que os patrões partilhem da decisão sobre como devem os trabalhadores jornalistas se organizar. É como chamar os lobos para que ajudem a decidir por onde devem passar as ovelhinhas.

Depois, decidiu reavivar a discussão da criação do Conselho de Jornalistas, mais um órgão para acolher burocratas que não querem largar o poder. Sem contar que criar um conselho para os jornalistas aprofundaria na profissão a idéia de que esta é uma profissão liberal, de pequenos empresários da comunicação, pessoas jurídicas capazes de prestar serviços aos grandes, fazendo girar assim, com mais força a roda do capital. Embora, é claro, esses “empresários” sejam tão explorados quando os que trabalham de carteira assinada. O conselho para jornalistas apenas enfraqueceria a luta sindical, bem ao gosto dos patrões. E o pior é que nós, que fazemos a crítica, ainda somos acusados de “fazer o jogo da direito” por dirigentes da Fenaj. Risível se não fosse trágico. Quem está fazendo o jogo dos patrões é quem aposta no enfraquecimento da luta de classe.

Pois agora, na contramão da história, em plena crise sistêmica, a Fenaj apresenta mais uma saída neoliberal para seus filiados: a contratação de previdência privada. Pelas informações que circulam nos jornais, oito sindicatos de jornalistas já teriam aderido à idéia. Então, agora, a federação pretende fechar acordo com a Petros, empresa criada para cuidar dos fundos de pensão dos trabalhadores da Petrobrás. Mas, que, com o processo de privatização da empresa estatal, acabou abrindo as portas para outras entidades do setor, e agora abre mais ainda, acolhendo novos sócios.

E o que são os fundos de pensão? São fundos criados por empresas de cunho privado, para oferecer uma aposentadoria maior aos trabalhadores que querem enfrentar a velhice ganhando mais do que estipula o estado. Para isso, além dos 11% de desconto obrigatório que o trabalhador faz diretamente no contracheque para a Previdência pública, ele aplica mais outro tanto na complementação privada. Bom, até aí tudo bem. É um direito de cada trabalhador investir seu salário onde bem quiser.

As letrinhas miúdas
Mas, algumas questões precisam ser consideradas. A lógica dos fundos é a da capitalização, que segue a ordem do mercado capitalista e substitui a solidariedade entre gerações. Os fundos de pensão só conseguem garantir o pagamento das aposentadorias se este dinheiro que recebem hoje conseguir crescer. E o dinheiro só cresce se for investido em papéis que possam gerar lucro. Estes papéis onde os fundos investem o dinheiro dos contribuintes são comprados na bolsa de valores. Então, é um investimento de risco. Se a empresa que gere o fundo de pensão investir numa empresa que vier a falir, por exemplo, as pessoas perdem todo o dinheiro que investiram durante a vida toda. E, no mais das vezes, as pessoas que entram nos fundos de pensão não são esclarecidas quanto a isso. Raras sabem exatamente onde estão colocando o dinheiro.

No geral, as empresas de fundo de pensão propagandeiam lucros exorbitantes, gordas somas e alardeiam a possibilidade de volumosas aposentadorias. Como grande parte das pessoas está enredada na lógica financista do sistema capitalista, tudo o que quer é ver seu dinheiro lucrar sem que precise fazer força. Daí que os investimentos na bolsa de valores tornam-se tão atrativos. Mas, isso nada mais é do que a boa e velha prática da usura. Enriquecer a custa da desgraça alheia. E quem se desgraça? Os países subdesenvolvidos e seus povos que ficam com o rebotalho e a sujeira do sistema, expressas em colonialismo, dependência e super-exploração do trabalho.

O que causa espécie é ver a Fenaj embarcar de forma institucional nessa canoa furada, levando risco aos trabalhadores e aprofundando a violência do capital. E pior, o faz num momento em que o mundo vive uma grave crise no sistema, justamente provocada por este tipo investimentos sem lastro na produção. O desmantelamento do setor imobiliário nos Estados Unidos está levando à falência um número expressivo de pessoas que apostou todas as suas economias na bolsa de valores. E agora, é o que se quer também para o trabalhador jornalista?

Vamos então fazer um exercício de matemática. O jornalista catarinense ganha pouco mais de mil reais. Desse valor ele tira 11% para a previdência, tira mais um tanto para pagar a taxa do Conselho (se for criado, esperamos que não seja), paga o Plano de Saúde( porque raros são os que ficam no SUS e lutam por ele), paga isso e aquilo, e ainda vai investir na bolsa de valores? A sobra de um salário de fome vai para a bolsa? Ora , isso é irracional. A menos que esta história toda de fundo de pensão não seja para a plebe rude. A menos que só se esteja pensando naquela porcentagem ínfima de jornalistas-estrelas que ganha salários astronômicos nas grandes redes do país. Ah, tá! Então está explicado!

Fica aqui o alerta. Fundo de pensão é fria. É investir em papel volátil. É entrar na ciranda financeira que tantos sindicalistas se arvoram em criticar. É arriscar a velhice e colocar na roleta as economias de uma vida. Daí que os jornalistas precisam ficar muito alertas quando seu sindicato for discutir a questão. Há quem diga que isso só diz respeito ao livre arbítrio de cada um. Ninguém é obrigado a aderir. Isso é fato. Mas, muitas vezes, as pessoas não têm as informações. Daí a armadilha. Confiam em seus dirigentes e aceitam suas decisões. Por isso, ao discutir fundo de pensão, fique alerta. Promessas de ganhos fáceis quase sempre acabam mal.

No caso da Fenaj é triste ver a federação embarcando na onda da governança corporativa, ou seja, na proposta neoliberal do desaparecimento das fronteiras entre capital e trabalho, como se fosse possível, aqui nestas terras do sul, aplicarmos os conceitos habermasianos de consenso e negociação. A idéia de governança corporativa pressupõe alianças com banqueiros empresários, multinacionais. É uma relação odiosa, promíscua e fundamentalmente nociva para o trabalhador. Como bem lembra a fábula: um lobo nunca perde seus hábitos alimentares. É da natureza do capital destruir a força dos trabalhadores. Portanto, alerta!

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Um espelho no banheiro


Apesar de estarmos no século XXI algumas questões ainda permanecem estagnadas no serviço público, principalmente na universidade. Uma delas é o completo desconhecimento da “mulheridade”. Uso esse conceito em vez do de “gênero” porque o segundo não me compraz. Parece-me que de alguma forma esteriliza as lutas pela emancipação das mulheres e torna tudo meio gosmento, sem identidade. Por isso inventei o conceito de “mulheridade”, porque creio que falar da mulher é falar da diferença e da posição de classe. Não dá para só pensar na mulher como um gênero, porque este gênero se divide em classes e as mulheres da classe dominante são tão opressoras quanto os homens, por isso não me permito misturar as coisas.Quando digo mulheridade quero falar do jeito específico de ser mulher trabalhadora, lutadora, cheia de vontade de mudar esse mundo que aí está como espaço do consumo, da dominação, do medo e da opressão.

Pois um dos aspectos da mulheridade é a beleza. E isso bem que poderia ser considerada coisa do gênero, porque é comum às mulheres que oprimem e às que lutam. Há uma coisa em nós que nos move na direção da beleza, esse jeito de escolher um adereço, uma pintura. Pode ser a mulher mais pobre do mundo, mas ela sempre vai encontrar um jeito de realçar o que é bonito nela. Por isso me encantam as mulheres indianas. Mesmo na mais triste miséria elas vestem-se de cores, pulseiras e pingentes. Sabem que a beleza é um estado de espírito e que se precisa dela para ter força de lutar e mudar as coisas. A beleza nos aquece, enternece, salva. Veja a diferença de uma Margareth Thatcher, a dama de ferro inglesa, com seus terninhos sem sal e o cabelo armado como um capacete. Mulher sem mulheridade. No poder feito um homem, com toda a sua vileza, crueldade, desprovida de ternura.

Outra coisa que atrai ás mulheres é o espelho. Filhas diletas de narciso elas não podem ver um. Porque as mulheres cheias de mulheridade gostam de se ver. No reflexo invertido elas saúdam a beleza, a graça, a ternura que brota nos seus corpos, nos olhos cheios de brilho e vontade de transformar as coisas em volta. Esse adereço indispensável é coisa mítica, é primal. Sem a imagem por inteiro antes do arrancar para o dia, parece que falta algo. É por isso que as mulheres aproveitam cada falso-espelho como as vitrines, por exemplo. Parece que há sempre que confirmar a beleza que nos é intrínseca.

Na Universidade Federal de Santa Catarina o único banheiro a ter um espelho onde a gente se vê por inteiro é o Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Pudera. Ele, geralmente, é dirigido por mulheres. E elas lá sabem muito bem da mulheridade que lhes cabe. Sempre falei deste delicado detalhe do CFH, sonhando com o dia em que o Centro onde trabalho também tivesse espelhos de se ver por inteiro no banheiro feminino. Mas, os demais centros são masculinos demais, incapazes de um gesto de ternura e compreensão da mulheridade.

Pois, ao voltar à ativa neste janeiro, tomei um susto. Susto bom. Ao entrar no banheiro do Centro Sócio-Econômico lá estava ele. Enorme. Desci as escadas conferindo o banheiro de cada andar. E, em todos, assomava o santo oráculo da beleza feminina. Isso me deu um alento. Se no CSE, ao assumir a nova direção sob o comando de Ricardo Oliveira, deu-se um passo na direção da compreensão da mulheridade, isso significa que esta universidade pode, sim, um dia mudar. Sair do atraso, do conservadorismo, do pensamento único, patriarcal, colonialista. O professor Ricardo me surpreendeu com esse gesto de profunda ternura e me deu esperanças! Isso foi um bom começo de ano!

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

FSM - inquietações a partir de nosso quintal

Por Rogério Almeida

O geógrafo Milton Santos em suas inflexões sobre o totalitarismo do capitalismo em escala planetária sinaliza que a saída se encontra nas periferias do planeta com as suas territorialidades específicas nos campos de arte, cultura, comunicação e associações em redes. O que sugere uma dissonância ante a tentativa de homogeneização do pensamento.

Em sua 9ª edição do Fórum Social Mundial (FSM), em seu regresso ao Brasil baixou numa periferia considerada estratégica para as décadas que se seguirão, caso o mundo não exploda antes.

Quando do anúncio da realização do FSM na Amazônia a crise no mercado não constava na agenda, ainda que anunciada por alguns. O que desnuda os limites do modelo em voga.

Desde a sua realização no começo da década, um cipoal de cenários passou por significativas modificações. A democracia na América Latina soa numa perspectiva à esquerda.

A eleição pela primeira vez de um indígena na Bolívia não pode passar despercebida, tanto que mobilizou a tentativa de golpe da elite local. Equador, Venezuela, Chile indicam outras perspectivas. E qual o papel mesmo do Brasil nesse xadrez? Parceiro ou imperador?

Há um outro diferencial das edições anteriores do FSM, a presença dos representantes de Estado do continente. Positivo? Palanque?

Eis a nona versão do FSM na Amazônia. O vasto território rico em recursos hídricos, terra e os recursos nela cravados e uma pujante biodiversidade, mobiliza os mais variados interesses e debates dentro e fora da região dos mais diversos segmentos.

O FSM é realizado em Belém. A capital do segundo estado em extensão territorial do país é uma cidade que inchou sufocando seus rios e igarapés. Um milhão e meio de pessoas é a população estimada, em condições de moradia consideradas no limite da humanidade.

Chove nesses dias de FSM. As baixadas (favelas) é a parte que mais padece. Todo ano a mesma história. Como os desmoronamentos de morros nas ditas metrópoles do país. Assim como se repete a saga dos desabrigados em Santarém, oeste do estado e no município de Marabá, a sudeste.

Belém, próxima de completar 400 anos é quase uma ilha. Os rios Pará e Guamá e um mundo de afluentes formam a baía do Guajará. As capitais e as médias cidades da Amazônia do Brasil já concentram a maioria da população. O que não implica o rompimento das mesmas com o universo rural. A cidade tem o cheiro e a cor de negros e índios em suas raízes.

Mas, somos tão periferia assim, que nem mesmo os ditos espaços de comunicação da esquerda não nos dão ouvido fora de um plano de mobilização internacional como o FSM?

Aqui, ainda que um caleidoscópio de movimentos sociais seja vasto, não se consegue afinar a viola e tratar a comunicação como algo estratégico e nem mesmo se consolida um portal para servir de abrigo sobre as experiências exitosas e as denúncias de violações dos direitos humanos.

O FSM pode ser uma possibilidade? Ou ficará tudo como dantes no castelo de Abrantes, cada um em seu escaninho numa corrida desenfreada por financiador?

No segundo dia dedicado ao FSM, 28, uma parte das amazônias da Pan-Amazônia, que engloba nove países (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, além da Guiana Francesa), mobilizará esforços para debater os dilemas da região. Governo, sociedade, modelo de desenvolvimento e Estado estão na berlinda.

Quais os desenvolvimentos possíveis para a região? E em nosso quintal, como equacionar a ação do Estado, ainda o principal indutor da economia numa política que cimenta trilhas já surradas, onde os passivos são socializados e os louros gozados em terras distantes?

Como será possível escapar da condição colonial de exportador de matéria prima e produtos semi-elaborados com apenas 1% do investimento em pesquisa de um esquálido recurso? O professor Gadotti costuma salientar que o processo do capital na Amazônia é um atentado contra a razão. Continuaremos no mesmo diapasão?

Para onde se lança olhos no território do Pará nota-se situações de conflito entre fazendeiros, grandes corporações e as populações tratadas como originárias. Na região do Marajó quilombolas são ameaçados pelo fazendeiro Liberato de Castro e a família Condurú, proprietária de cartório em Belém. Quilombolas também são ameaçados pelo mineroduto da Vale no município de Mojú e em Juriti a peleja é com a ALCOA, empresa americana do setor de alumínio.

No Xingu a construção de Belo Monte coloca em lados opostos indígenas e megas corporações. No Tapajós as tensões residem sobre a monocultura da soja da Cargil e camponeses, sem falar nas barragens projetadas. E assim vai.....Vamos? Para onde?

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Mais uma ameaça para o funcionalismo


O ano de 2009 começa apresentando inúmeros desafios aos trabalhadores das universidades. E um dos “tenebrosos” é volta da proposta de extinção do regime jurídico único na administração pública, que já havia sido aprovada na Câmara como Emenda Constitucional 19, em 1998, criando inclusive o chamado emprego público, que, na prática era a contratação sem concurso pela CLT. Essa lei acabou sendo abortada pelo Supremo Tribunal Federal, em 2007, por conta de problemas de ordem regimental. A alegação era de que não havia sido respeitado o quorum mínimo para a aprovação. O fato é que isso caiu.

Pois, no ano passado o deputado Eduardo Valverde, do PT de Rondônia apresentou no mês de novembro uma nova PEC, que leva o número 306/08, que apresenta outra vez a proposta de extinção do regime jurídico único na administração pública. Passando essa emenda os servidores públicos poderão ser contratados pela CLT ou pelo regime estatutário que abrangeria apenas as chamadas carreiras típicas do estado, tais como as da Justiça e da Diplomacia.

A idéia do deputado visa dar solução à situação dos trabalhadores que foram contratados via emprego público durante o tempo em que esteve em vigência a EC 19. Singelo! Na verdade, o que o deputado petista quer provar é que a administração pública pode e deve funcionar como uma empresa privada, ajeitando as coisas para quando tudo ficar na mão das Fundações Estatais. É tudo muito orquestradinho, e vai se fazendo devagar, pelas beiras, sem muito alarde.
Valverde, no melhor estilo rançoso do neoliberalismo agonizante afirma que "é necessária a flexibilização do regime das relações de trabalho firmadas com a administração pública".
Assim, enquanto em alguns países da América Latina os novos governantes vão aprofundando mudanças estruturais significativas que acabam de vez com o perfil neoliberal que tomava conta do continente, aqui, os petistas insistem na forma velha de gerir o público. Não conseguem ver que esta prática de privatizar tudo o que é público já faliu de vez. No rumo do atraso, o deputado petista insiste, usando as palavras-chave do velho regime: “a mudança otimizará as contratações pelo administrador nas hipóteses que demandam prestação de serviços não permanentes, compatibilizando os gastos em folha com uma eventual mudança na necessidade daquele serviço à população”. Trágico.

O fato é que esta “singela” vontade do deputado Valverde balança com toda a estrutura do serviço público e, ao que parece, a turma ainda está anestesiada pelos ganhos conseguidos com as últimas lutas que, ainda sendo poucos, conseguem calar uma boa parcela das categorias.

O lulinha paz e amor segue com altos índices de aprovação. Enquanto isso seus companheiros de partido vão atacando pelos flancos. O mês de janeiro é um tempo de férias nas universidades, fevereiro ainda não chegou e o carnaval está longe. Vamos torcer para que o povo não espere março chegar para abrir os olhos, porque enquanto as gentes cumprem seu merecido descanso, os dirigentes dos sacos de maldade seguem a todo vapor. É por isso que eu sempre digo, na vida sindical não há tempo para o descanso. Quem opta por este caminho tem de saber que aqui não é a Guerra de Tróia, onde os guerreiros acordavam entre si os momentos de trégua para descansar. Aqui é a luta de classes do capitalismo selvagem. Não há tempo para torrar ao sol.