Minha mãe, Helena, era uma mulher noturna. Gostava de fazer as coisas sempre depois que tudo se aquietava. Gostava de ver jogos de basquete na TV e filmes antigos. Também era de noite que bordava, fazia tricô e escolhia feijão. Feijão era coisa sagrada, tinha de ter todos os dias, então, a cada dois ou três dias lá estava ela de novo escolhendo o feijão.
Eu tinha por costume estar sempre junto nessas tarefas noturnas, até porque era só ela que me acompanhava nas maratonas de filmes de vampiro. Sempre tive medo e para ver os filmes havia que ter companhia. Ela não falhava. Ficava até o fim, as perninhas cruzadas, fazendo crochê e tomando chá de boldo. Eu retribuía, então...
Assim, quando ela estendia os feijões em cima da mesa para catar as sujeirinhas eu já me sentava junto com ela para o mutirão. Enquanto escolhíamos os grãos eu ia contando das coisas do colégio, do menino que eu gostava, essas coisas da vida ordinária. Ela ouvia e por vezes dava algum conselho. Sobre os guris era sempre batata. Se ela dissesse: “esse guri não dá, não presta”, podia escrever na pedra, que era a mais pura verdade.
Eu e minha irmã sempre dizíamos pra ela que ela julgava as pessoas sem conhecer e que isso não era legal. Ela fazia aquela cara de paisagem, um muxoxo de desdém e lascava: não presta, e não presta. Podia passar algum tempo, mas a predição se confirmava. E se ela dissesse: “ah.. esse sim”... podia marcar o casamento, porque o guri era bom.
Assim que até hoje quando jogo os feijões na mesa para catar as sujeirinhas posso sentir a presença da Dona Helena do meu lado, com a perna dobrada e os olhinhos de lâmpada a esperar pela minha algaravia dos dias. Com ela converso e damos muita risada.
Vez em quando coloco um nome na roda para esperar o veredito.
- E o fulano, mãe?
Se ela disser “não presta”, pronto. Tá lascado o fulano, porque a mãe não falha.
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