quinta-feira, 1 de setembro de 2022

A Gina e o telefone



Eu ainda tenho telefone fixo. Insisto nisso. Ele toca bastante. São chamadas da Tim, da Vivo ou de empresas de cobrança procurando pessoas que jamais vi. Mas o seu toque é sempre um alerta pra mim. E aviva minhas lembranças mais doces. Poucos são os amigos que ligam para o meu fixo. Havia dois em especial que sempre ligavam: o Danilo, que encantou esse ano, e a Gina, que encantou há seis anos.  Assim, quando ouço o tlim tlim do telefone eu imediatamente penso: ou é a Gina ou o Danilo e corro para atender. Desafortunadamente não é nenhum dos dois, mas é bom, porque eu sorrio e lembro de suas vozes a me encher a cabeça e o coração.

A Gina era batata. Qualquer mudança na conjuntura ela ligava para discutir o tema , passar suas impressões. Ou então vinha com pautas para eu fazer matéria. “Tem que escrever sobre isso, baixinha”. “Tu ouviste o discurso do Chávez? Tem que reproduzir!” E ela mandava e eu obedecia. Por vezes ela ligava para xingar os políticos ou qualquer outra criatura que estivesse fazendo merda. E de sua boca saiam as mais escabrosas maldições. Era uma pândega. Iluminava minha vida. A Gina era uma antena, captando tudo sem parar. E tinha garras afiadas para lutar contra os vilões do amor. E para defender o MST, movimento que ela amava mais que tudo. 

Lembro que ela já estava doente e fomos buscá-la para almoçar na casa do Glauco. Enchemos a cara, demos muita risada e falamos mal de deus e o mundo. Ela já tinha mandado eu fazer um livro sobre o Artigas e eu estava enrolando. Então prometi que iria fazer um vídeo sobre o nosso general dos povos livres. E fiz, e ela foi a linha mestra de todo o trabalho.

A Gina encantou antes de o vídeo ficar pronto. Não viu o produto final, mas não importa. Eu sei que ela iria adorar. “La puta madre. Ficou bom”, diria. E mandaria eu espalhar por aí a história da grande marcha para a liberdade. Eu o fiz, amada minha.

Hoje faz seis anos que ela se foi. Não mais sua figura esguia, meio Maricota. Não mais sua risada forte, não mais a sua voz uruguaia. Mas, ainda que não esteja em carne, ela permanece. Vive em cada toque do telefone, em cada notícia sobre Cuba, Venezuela, MST, nas lutas dos trabalhadores. Sua energia vulcânica está nos ar, nas estradas que levam aos acampamentos e assentamentos, nos auditórios da UFSC e nas entradas de todos os encontros de trabalhadores. Porque a Gina é desses mortos que nunca morrem. Ela vive para sempre. 

Te amo Gina... Te amo a morir! E gosto de te lembrar assim: com cerveja, risos e maldições!!!