sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Do jornalismo







Parte do grupo do Coletivo de Jornalistas Sindicais Vitto Gianotti.





Enquanto alguns caçam pokemons e outros se entregam à confortante mediocridade, pessoas há que se inquietam, pensam e resistem. Foi o que vimos nessa quinta-feira, no lançamento do Coletivo de Jornalistas Sindicais Vitto Gianotti, em Florianópolis. Confrontados com as dificuldades de praticar o jornalismo no cotidiano sindical, com as sempre apocalípticas ideias de fim do jornalismo, com a completa ausência de discussão e debate sobre o tema na categoria, um grupo de jornalistas que atua nas entidades sindicais começou a se organizar por conta própria.

Já se vão quatro anos da criação de um Fórum de Comunicação da Classe Trabalhadora, quando então foi dado o ponta pé inicial no debate das angústias dos jornalistas que trabalham em sindicatos.  O auge vivido pelo movimento sindical nos anos 80 e 90 do século passado já tinham se extinguido, e o que restava era a domesticação das entidades, dirigentes acomodados ou cooptados. Como então fazer jornalismo nas entidades que viviam esse marasmo? Como enfrentar a demanda gerada pelas novas tecnologias? Como operar nessa zona nebulosa entre a propaganda, a agitação e o jornalismo? Como alargar a margem de manobra entre o que quer a direção conservadora e a prática de um jornalismo libertador?

Tudo isso foi sendo expresso e debatido nos seminários que se seguiram ao lançamento do Fórum. Jornalistas de todo o Brasil vieram para Florianópolis por três anos seguidos para discutir essas temáticas e conhecer experiências brasileiras e latino-americanas de resistência e avanços comunicacionais.

Esse acúmulo de reflexão foi gerando seus frutos. Solitários nas salas de imprensa dos sindicatos, os e as jornalistas fortaleceram a ideia de que as angústias do seu fazer só poderiam ser dissipadas se atuassem em comunhão. No sindicato da categoria não encontraram essa possibilidade, então, passaram a articular a criação do coletivo de maneira autônoma. Os encontros anuais serviram como gás a inflar o balão dos desejos de estudar e enfrentar os desafios. Então, nasceu o coletivo.

Na noite fresca do inverno do sul, entre barulhos de um bar, sob a inspiração de um velho companheiro - Vitto – um grupo de jornalistas assumiu o compromisso de manter acesa a chama do jornalismo. O jornalismo como forma de conhecimento, o jornalismo libertador, o jornalismo que caminha do singular para o universal, desalienando a classe trabalhadora.

Como bem já apontou Adelmo Genro Filho, tanto a direita como a esquerda pode fazer um jornalismo manipulador. Mas, há formas de se praticar o jornalismo de maneira que o leitor/ouvinte/espectador possa ele mesmo formar opinião e compreender a totalidade do fenômeno. Isso se faz escrevendo de tal forma que um fato singular (o plano de carreira, por exemplo) ultrapasse a particularidade (a categoria específica) e alcance a universalidade (a classe trabalhadora como um todo). É certo que fazer jornalismo assim, expresso como forma de conhecimento, não é coisa fácil. Exige estudo, leituras, comprometimento. Esse é então o desafio.

Como furar a barreira da comunicação de propaganda que muitas direções sindicais insistem em manter?

O primeiro segredo é entender que o jornalismo por si só não faz a revolução. Quem faz as mudanças é o povo em luta. Assim, sem uma direção revolucionária, não há como narrar a revolução. Simón Bolívar, quando iniciou sua saga libertadora na América Latina, a primeira coisa que fez foi comprar uma prensa que levava amarrada no lombo do seu cavalo. Ele travava as batalhas e escrevia sobre elas, fomentando – também com a palavra  - a rebeldia contra os espanhóis. Ou seja: primeiro as lutas, depois a narrativa.  Logo, se o jornalista está mergulhado numa realidade conservadora, o que ele pode fazer é ir, devagarinho, alargando a margem de manobra entre a produção de uma comunicação “chapa-branca” – como querem os dirigentes - e um jornalismo como forma de conhecimento, como tem de ser. É um trabalho que exige paciência histórica.

Em segundo lugar é necessário compreender que o sindicato também é um espaço onde se deve praticar a agitação e a propaganda, como muito bem já ensinou Lênin. Esse é um trabalho fundamental nos momentos cruciais da luta dos trabalhadores. Então, há aí uma especificidade da comunicação dentro dos sindicatos que precisa ser assimilada, sem que se tenha de abrir mão do jornalismo. As coisas podem ser feitas simultaneamente. Não há razão, então, para angústias.  Só há espaço para um trabalho bem feito na construção da consciência de classe.

O jornalista que trabalha em sindicato está caminhando no fio da navalha. Precisa atender á direção, mas também precisa atender a base. Uma base que é heterogênea, plural e que está acostumada com uma comunicação singularizada ao extremo, sem universalidade. Por isso muitas vezes não entende porque o jornalista está escrevendo sobre a guerra na Síria. “O que isso tem a ver com a minha vida? Quero saber é se vai sair a minha ação”. Conseguir criar esse hábito, de compreender as ligações entre a realidade mundial e o cotidiano é o grande desafio do jornalista.

Outras tantas angústias e dores cotidianas, como o assédio moral, o medo de perder o emprego e a violência no ambiente de trabalho estão na pauta dos jornalistas sindicais, que agora se reunirão todos os meses em sessões de estudo e debate. Isso amplia suas salas solitárias para um universo e expansão.

Agora é seguir em frente, amparados uns nos outros, narrando a vida e permitindo a compreensão profunda do mundo capitalista no qual estamos todos mergulhados. Desvelar as contradições, jogar luz sobre a essência dos fenômenos, gerar conhecimento: esse é o compromisso.

Sob a batuta de Marcela Cornelli, Luciano Faria e Silvia Medeiros, o Coletivo se ergue e caminha. Com eles caminha o jornalismo, vivo, vibrante, ousado e radical.

Longa vida ao Coletivo de Jornalistas Sindicais Vitto Gianotti. O “italianinho” certamente está sorrindo em algum lugar do cosmos.


quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Comissão do impedimento decide destino de Dilma



A última sessão da comissão do impedimento da presidenta Dilma fechou com grandes polêmicas. Uma delas é a proposta de antecipação do julgamento para o dia 25 de agosto, que foi duramente rechaçada pelos deputados contrários ao impedimento. Eles chegaram a ir, depois da reunião, até o STF, para solicitar ao presidente da casa que não aceite essa proposta. 

Agora de manhã, a comissão realiza sua reunião final, na qual votará o parecer do relator que orienta pelo prosseguimento do processo. 

O senador Humberto Costa (PT-PE) foi enfático na sua fala final: “Aqui há dois tipos de senadores. Os que sabem que não houve crime de responsabilidade e que vão votar contra o impeachment, e os que sabem que não há crime de responsabilidade e, mesmo assim, vão votar a favor do impeachment por outras razões, por razões políticas”,.

O próprio Michel Temer, segundo o jornalista Jânio Freitas, teria confirmado que o julgamento é político e que não tem nada a ver com Justiça. 

Isso mostra bem o caráter de golpe que o impedimento tem. Não há argumentos jurídicos, mas apenas o intuito de suprimir o governo petista do mapa. 

Ainda assim, é bem provável que a votação que acontece agora de manhã seja pelo prosseguimento do processo. São 21 votos e 16 já se declararam favorável a isso. 


quarta-feira, 3 de agosto de 2016

E aí vêm as eleições!


























Chegou o tempo, apesar de toda a apatia. E por todos os canais de comunicação já começamos a receber mensagens dos candidatos. Será a hora de mudar o prefeito e a Câmara de Vereadores. Em tese, deveriam ser mudanças para melhor.

No caso de Florianópolis é o momento de fazermos uma análise do que foi o governo de César Souza Junior e João Amin, dois jovens representantes da direita tradicional que se elegeram justamente com o discursos da mudança e da juventude. Mudança, não houve nenhuma, já que eles eram apenas a cara mais nova de uma oligarquia que comanda os destinos da cidade desde décadas. Foi só um jogo de cena alavancado na ideia de que a juventude, por si só, seria o motor de transformações.

Na verdade o que vimos na nossa cidade foi mais do mesmo. César Souza Junior governou para o grupo que o financiou. Empurrou o Plano Diretor goela abaixo à uma Câmara também comprometida com os grupos de poder que a financia. Passou por cima das comunidades e dos desejos da maioria da população. Só mesmo por conta da Justiça acabou voltando atrás e realizando novas audiências, ouvindo o povo. E assim, passados quatro anos, ainda estamos nessa pendenga, sem que o Plano que orienta a vida da cidade tenha sido votado. Todo o tempo tendo de viver essa queda de braço.

O Plano Diretor de Florianópolis é, em última instância, a expressão da luta de classes, porque determina o tipo de cidade que as pessoas querem para viver. No plano da prefeitura, do César, e da maioria dos vereadores, a cidade é espaço de especulação, lugar onde devem viver os ricos. Aos trabalhadores e aos empobrecidos que fique a periferia, com seu transporte ruim, sua estrutura capenga e sua desesperança. O espaço das praias também é lugar de exclusão da maioria. Ali vicejam os condomínios de luxo, os beach clubes (clubes de praia), as mansões. Pescadores e trabalhadores que busquem outros lugares para se divertir, de preferencia bem longe dos turistas.

Já no Plano Diretor discutido e definido pelas comunidades a cidade é lugar de todos, com mobilidade de qualidade, espaços de lazer, compartilhamento e comunhão. Os bairros próximos da praia querem prédios mais baixos, estrutura para os moradores, jardins, parques, ciclovias. Outros, mais urbanos, como o estreito, por exemplo, querem humanização, já que o concreto parece devorar cada rua e cada vida. O plano da prefeitura prevê 18 andares nos prédios. Assim, fica ruim de viver. Por isso a luta incessante, as reuniões, as audiências. A população organizada, que pensa e vive a cidade quer ter na mão o poder que é dela.

Mas, para quem governa, o poder não emana do povo. Vem dos grupos financeiros e empresas que financiam as campanhas em troca de favores futuros. Não foi sem razão que o atual prefeito tirou até o Mercado Público das gentes. Hoje, quem passa por lá só o que vê são jovens engravatados, senhoritas glamorosas ou turistas cheios de dinheiro. O mercado se perdeu da cidade, virou espaço da burguesia, a que pode pagar 14 reais por um pastel gourmetizado, sentada em cadeiras forradas com peles de animais. Ali já não se veem os negros com o samba de roda de todo o sábado, nem os capoeiras, nem os trabalhadores. Embranqueceu o mercado, elitizou, fechou, desapareceu sob um teto estranho que esconde também sua bela arquitetura.

Os vereadores

No campo do legislativo igualmente foi um tempo ruim. Dos 22 vereadores, mais da metade esteve envolvida com denúncias de corrupção ativa. Operações policiais colocaram luz sobre os acordos que acontecem nos gabinetes, enquanto a população dorme pensando que os nobres edis estão cuidando da cidade. Nada disso. Cuidam dos interesses de seus “donos” e dos seus próprios. Exceções há, é claro: Lino, Afrânio, Pedrão. Mas, são isso. Exceções. Pensam nas demandas da população, brigam pelos interesses da maioria que os elegeu - não com seus recursos financeiro, mas com seu voto esperançoso - e não decepcionam.

Já os demais votam contra a cidade, a favor dos interesses de poucos. E, é claro, por conta de seus discursos floreados e mentirosos, fazem parecer que é de interesse de todos o que só alguns vão ganhar. Contam com a ajuda preciosa de uma mídia comercial, que também é braço armado da classe dominante. E aí está feito o cenário. No episódio da votação irregular do plano diretor isso ficou bem claro. A maioria votou no plano da prefeitura, com mais de 600 emendas, sem sequer conhecê-las. E por quê?  Porque não estavam ali para zelar pela cidade, mas para servir aos seus financiadores ou corruptores.

O enrosco com a corrupção não fez sequer que a maioria corasse, tanto que nos processo de tentativa de cassação dos vereadores corruptos, essa maioria se omitiu ou votou contra, permitindo que tudo ficasse como sempre foi. E lá seguem os mesmos vereadores que votam contra a cidade, esperando pela nova legislatura.

Agora, começa de novo o processo de caça ao voto. E os candidatos dos partidos que defendem os interesses dos ricos, dos empresários, da classe dominante, estão por aí, fazendo linguições, churrascos, feijoadas, tainhadas, tentando enredar os eleitores. Muitos – amigos – votam nesses corruptos achando que estão fazendo um bem para a cidade. Sequer sabem o que eles defenderão no futuro, e nem se importam. Faz parte da lógica dessa nossa democracia fraca, que permite unicamente o doce momento do voto, sem participação na construção da proposta, e sem acompanhamento posterior.

Por isso é sempre difícil uma alternativa de esquerda, porque essas exigem comprometimento, participação, acompanhamento sistemático. Votar num candidato de um partido comprometido com a maioria é sempre muito mais do que colocar o voto na urna. Não envolve participação em churrascadas, nem busca qualquer ganho pessoal. É a aposta num projeto de cidade, para além da rua, do bairro. É embarcar numa proposta que busca garantir o direito de viver e vivenciar a cidade, qualquer espaço dela. É um compromisso coletivo. Coisa difícil de se ter num mundo que investe todas as fichas no individual, na sensação pessoal, no interesse.

Também é certo que o panorama político atual não é dos melhores. Os partidos de esquerda capengam em alianças mal havidas, buscando galgar alguns degraus de governabilidade, entregando a alma ao diabo. E os que mantêm firmes seus princípios de esquerda acabam ficando perdidos, entre o voto nulo e o voto útil. Está bem difícil agir como antes, quando se votava num projeto global partidário. Agora, escolhe-se alguém no universo dos companheiros e companheiras do campo da esquerda, e fica-se esperando que ele ou ela não sucumba às alianças espúrias cometidas pelas cúpulas dos partidos. É sempre uma aposta no escuro. Porque, claro, o partido sempre prevalecerá.

Em Florianópolis tudo leva a crer que a melhor opção é o Elson Pereira, do PSOL, justamente porque ele vem discutindo – desde há tempos  - o projeto de cidade com o qual estamos afinados. Não que o PSOL seja o melhor partido, mas o Elson acaba sendo a melhor escolha, justamente pelo acúmulo de debate que ele e o seu grupo têm sobre essa cidade que queremos e pela qual lutamos. Foi assim na eleição passada, quando suas propostas visceralmente ligadas aos desejos construídos nesses anos de debate sobre o Plano Diretor, surpreenderam as forças políticas conservadoras e conseguiram furar bloqueios em mentes variadas e suprapartidárias. Agora, mesmo tendo estado afastado por um tempo, na Europa, certamente ele canalizará na campanha, o projeto de cidade com o qual vimos sonhando.

No espaço da Câmara de Vereadores também as mudanças urgem. Não basta termos um prefeito com um projeto bom. Precisa que ele tenha maioria no legislativo, senão os melhores sonhos e propostas ficam pelo caminho. Então, é tempo de pensar. Não se pode votar em alguém só porque é nosso amigo ou nos fez um favor. Tem que saber se esse alguém defende um projeto coletivo de cidade. Não basta votar em negro porque é negro, nem em mulher porque é mulher, nem em homossexual porque é homossexual. Há que ver se esse negro, essa mulher, esse ou essa homossexual está vinculado ou vinculada a uma proposta que ultrapasse os particularismo. Um vereador ou uma vereadora não vai legislar só por uma causa, ainda que a priorize. Ele ou ela precisa votar e definir coisas que dizem respeito a toda a cidade.  

No universo de nomes que hora se apresentam encontro muitos companheiros e companheiras que têm esse perfil. São pessoas que defendem causas específicas, mas que também estão mergulhadas nas lutas gerais da cidade, plano diretor, saneamento, mobilidade, segurança, educação, saúde. Esses são os que merecem nosso voto. No campo da esquerda e com compromisso universalizante.

Com profundo respeito aos compas que estão nessa peleia, eu já defini meu voto: será no Lino Peres, do PT. Apesar do partido (quase saído do campo da esquerda), o trabalho realizado pelo Lino na Câmara de Vereadores é o que está mais próximo daquilo que eu acredito que deva ser o compromisso de um vereador. Tem foco e é totalizante. O Lino pensa a cidade, vive a cidade, organiza, convoca à participação sistemática, diária e cotidiana. Nesses quatro anos passados, de fato ele representou, em cada voto que deu, em cada ação que promoveu, aquilo que, para mim, define os desejos da maioria das gentes que amam Florianópolis. Penso que será importante que ele continue o trabalho que vem fazendo, e que outros companheiros, dos demais partidos do campo da esquerda, possam também furar esse bloqueio oligárquico que sobrevive na capital.

Querendo ou não, a vida da cidade ainda se define nesses espaços – como a Câmara e a Prefeitura - então não podemos vacilar. Avançar na organização, nos movimentos e nas mobilizações, mas não deixar esses espaços de poder ocupados por quem nos oprime. A batalha legislativa não é a mãe de todas as batalhas, mas, enquanto não tivermos um partido revolucionário  ( como insiste nosso querido Danilo Carneiro), há que fazer como o caracol: “lentamente, ir subindo o Monte Fuji”.  



segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Dia de pago a la tierra - Viva a Pachamama


















Hoje, por toda a coluna vertebral dos Andes é dia de festa, hora de dar oferendas a grande mãe (pacha), elemento central na filosofia dos povos andinos. Pacha não é apenas a terra, mas significa o universo – não só o físico - ordenado em categorias espaço-temporais. Pacha é o ser, o que é, o existente, a realidade, embora o conceito englobe também o invisível.  Pois, para os povos dos Andes tudo é relacional e faz parte da mesma realidade. Não há separação entre o mundo físico e o mundo transcendente.

Na racionalidade ocidental o ente é o ser-em-si-mesmo, há o indivíduo e a autonomia do sujeito. Para o runa (ser humano) quéchua o universo é um sistema de entes inter-relacionados, dependentes um do outro. Não existe o ser-em-si-mesmo, não há seres absolutos, tudo está em correspondência. Isso determina inclusive a organização social das gentes, onde o “nós” ou a ideia de comunidade é indissociável da realidade do entorno. Por isso, a ideia de Pacha Mama é unificadora da concepção de mundo. A terra, como mãe, se relacionando com tudo que vive. Assim, para um povo originário andino, a exploração da natureza aos moldes do capitalismo – que esgota e destrói – é incognoscível.

O dia primeiro de agosto é chamado de “dia de pago à terra” e durante todo o percursos das 24 horas, as gentes fazem festas e oferecem comida a essa mãe que tudo provêm. É a maneira originária de agradecer pelo alimento e pela vida.

“No hay nada sobre la tierra que no sea producto de la tierra.  Nosotros también, Dios nos hizo de tierra y nos dio el soplo de vida, luego al morir ella nos acoge para el eterno descanso. Por eso hay que respetarla y venerarla.”

Oposição surpreende e obtém quase 40% dos votos na eleição da Fenaj



Por Pedro Pomar  - jornalista
A oposição combativa à direção da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) voltou a crescer na última eleição, realizada nos dias 19, 20 e 21 de julho. A Chapa 2 “Hora de Reagir”, de oposição, conquistou 39,28% dos votos válidos (1.544), contra 58,51% dos votos válidos recebidos pela Chapa 1 “Sou Fenaj”, de situação (2.300). Este foi o melhor resultado obtido nas duas últimas décadas pela oposição, cuja votação tem crescido a cada pleito: de apenas 24% em 2007, subiu para 32% em 2010, alcançando 36% em 2013.

Filiada à CUT, a Fenaj é a única federação nacional a realizar eleição direta para sua direção: todo jornalista sindicalizado e em dia pode votar. Porém, o grupo que dirige a entidade — politicamente heterogêneo porque constituído por setores de vários partidos de esquerda e até por sindicalistas tradicionais considerados pelegos — encastelou-se ali há mais de duas décadas, mantendo uma postura burocrática e distanciada das lutas concretas da categoria.

A eleição contou com a participação efetiva das bases de 30 dos 31 sindicatos de jornalistas filiados à Fenaj. Apenas o Sindicato dos Jornalistas do Amapá ausentou-se, enquanto o Sindicato dos Jornalistas do Maranhão, que havia se retirado da federação, voltou a participar nesta eleição. Apesar disso, compareceram às urnas apenas 3.997 jornalistas (43% dos aptos a votar), sendo que os votos válidos foram 3.931.

Os números baixos — para uma categoria profissional que reúne, em nosso país, dezenas de milhares de trabalhadores em atividade — refletem os níveis reduzidos de filiação aos sindicatos da categoria, agravados pelas demissões em massa ocorridas nos últimos anos. Além disso, ajudam a explicar a situação de fragilidade do movimento sindical dos jornalistas frente a um segmento patronal predatório (e muito influente do ponto de vista político), constituído pelo oligopólio da mídia e por monopólios regionais e locais.

“O resultado mostrou que há uma parcela expressiva da categoria com sede de mudança”, declara o jornalista Jonas Valente, que encabeçou a Chapa 2. “Infelizmente a Chapa 1 não apresentou propostas concretas para sair do imobilismo que vem marcando a Fenaj. Seguiremos participando dos fóruns do movimento, propondo e cobrando que nossa federação responda efetivamente às demandas da categoria”, afirmou (confira o 
programa da Oposição).

Ampliação

Tradicionalmente, a composição da Chapa 2 limitava-se ao “Movimento Luta,Fenaj!” (MLF, criado em 2004 pela oposição de esquerda), eventualmente com o apoio pontual de grupos locais. Desta vez, porém, a Chapa 2 ampliou-se: incorporou representantes da ala majoritária do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais e de um grupo dissidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, ambos com fortes críticas à condução da Fenaj pelo grupo encabeçado por Celso Schröder, atual presidente.

A ampliação foi essencial ao crescimento registrado: a Chapa 2 ganhou avassaladoramente a eleição em bases importantes como Distrito Federal, onde conseguiu 84% dos votos (194 x 37), Paraná 84% (246 x 45), Sergipe 91% (128 x 9), Minas Gerais 71% (103 x 39); dividiu a votação no Ceará com 42% (158 x 194); e conquistou 38% dos votos no Rio Grande do Sul, resultado inédito (126 x 206). Também venceu em Juiz de Fora (33 x 2), Mato Grosso (22 x 1) e Maranhão (15 x 12).

Assim, a vantagem obtida nas principais bases da oposição compensou os resultados adversos em São Paulo (121 x 340, ou 26% x 72%), Rio de Janeiro-município (110 x 175, ou 38% x 60%), Pará (51 x 62, ou 44% x 53%), Rio Grande do Norte (48 x 104, ou 31% x 68%), Santa Catarina (44 x 101, ou 30% x 68%), Alagoas (36 x 122, ou 23% x 77%), Mato Grosso do Sul (15 x 24, ou 38% x 62%) e vários outros sindicatos.

Maria José Braga, eleita pela Chapa 1 nova presidente (e que, no entanto, integra há muitos anos a sua direção), toma posse no Congresso da Fenaj que se realizará em Goiânia de 25 a 28 de agosto. Será a oportunidade para novos embates entre os “orgulhosos” (apelido jocoso dado ao grupo dirigente, derivado do nome da Chapa 1 em eleição anterior, “Orgulho de ser Fenaj”) e a oposição combativa, num momento em que os jornalistas sofrem novos e frequentes ataques, na forma de assédio moral, frequentes agressões das Polícias Militares, processos judiciais, condenações, prisões e até assassinatos.

Coincidentemente, o Estado de Goiás, que sediará o Congresso, é onde ocorreu o mais recente assassinato de um jornalista: João Miranda do Carmo foi morto a tiros no dia 24 de julho, em Santo Antonio do Descoberto, depois de sofrer várias ameaças relacionadas ao exercício da profissão.

 

domingo, 31 de julho de 2016

Temer: três meses de desmonte
















Foto: epocanegocios.globo.com

Em 12 de agosto se completam três meses do governo interino de Michel Temer, o vice-presidente que tramou pessoalmente o afastamento de sua companheira de governo, Dilma Roussef. Não bastasse todo esse enredo de enganos e traições, que poderiam ser vistos no campo da moral como altamente questionáveis, o que definitivamente deveria preocupar os brasileiros são as medidas que vem sendo tomadas pelo interino desde que assumiu o comando do país.

Há quem diga que não há diferenças, que as políticas são as mesmas, tanto as do PT (partido da presidenta afastada), quanto as do PMDB ou do PSDB. Tudo farinha do mesmo saco, a serviço da burguesia nacional e das transnacionais, todos rendendo sacrifícios ao deus capital. Isso é uma meia verdade. Há sim semelhanças, e muitas. Mas também há diferenças, filigrânicas é verdade, mas que tem uma importância radical para quem as vivencia.   

Um exemplo concreto são as políticas públicas para as famílias empobrecidas, que nos governos de Lula e Dilma tiveram um incremento que poderia ser considerado grandioso a considerar que antes não havia nada. Olhando os valores investidos nessas políticas percebe-se que são poucos, ínfimos até, na comparação com os recursos que vão para pagamento da dívida, por exemplo. Mas, que, na vida concreta, no chão da existência, significam a diferença entre a vida e a morte para milhões de pessoas.

Sabe-se muito bem que a ideia de política pública é uma resposta do sistema capitalista às lutas dos trabalhadores, uma forma de amansar os ânimos quando os protestos e lutas sociais se aproximam dos portões do poder exigindo vida digna. Mas, também isso está recheado de contradições. Quanto mais o sistema cede, mais os trabalhadores avançam. E quando uma política pública se consolida como direito fica bem difícil um passo atrás. Essa é queda de braço permanente dentro de um sistema de exploração. E é a luta dos trabalhadores que provoca os avanços.

Quando o governo de Lula desenvolveu o Bolsa Família, que tirou da miséria mais de 40 milhões de pessoas, colocou em movimento esse mecanismo. Pessoas que viviam no abandono perceberam que tinham acesso a direitos e em dez anos do programa quase dois milhões ultrapassaram a linha da necessidade e devolveram o cartão, porque haviam conseguido sair do atoleiro da pobreza extrema. Um número pequeno, talvez, mas se concretizado em nomes, sobrenomes e CPFs, significarão vidas, universos, mundos, possibilidades de vida bonita. Uma gente que agora sabe ser sujeito de direitos. São mudanças minúsculas, mas que somadas, vão se agigantando e gerando novas formas de ser no mundo.

Outro programa que hoje já se vê sufocado no governo de Temer, o interino, é o Minha casa, Minha vida, no qual famílias de renda baixa puderam ter acesso a crédito barato na Caixa Econômica Federal, para financiar suas moradias. Um sonho acalentado por toda a gente, que é o de ter sua casinha própria, que se fez real para milhões de pessoas. Gente que nunca sequer pensaria em entrar numa agência da CEF. De novo, o acesso a um direito. Podemos tecer todas as críticas ao programa: as casas não são planejadas de maneira correta, os lugares são longínquos, passa-se muito tempo pagando, o material não é de boa qualidade. Tudo isso se questiona. Mas, uma coisa não se pode negar. Pessoas tiveram acesso à casa própria. Coisa que agora não terão mais porque a política de liberação de crédito mudou. Recursos só para moradias de classe média alta.

É fato que durante todos os anos de governo petista fomos implacáveis na crítica a essas políticas, justamente porque elas eram insuficientes, não que não fossem necessárias. Agora, com Temer, os empobrecidos não terão sequer as insuficiências. Então, não dá para negar que existem diferenças.  

Assim, em pouco mais de dois meses de governo, sob a batuta do PMDB, a mudança de perspectiva sobre quem é sujeito de direitos é visível. Os empobrecidos estão voltando a ser invisíveis para os que formulam políticas de estado. Não lhes restarão nem os parcos recursos da era petista. A eles, a letra fria da lei. Como no caso das famílias que estão sendo despejadas de suas casas, porque já não conseguem pagar os empréstimos. Há planos de mudanças nas leis trabalhistas, que significam perdas para os trabalhadores, há a reforma da previdência que também vai arrochar quem trabalha, há menos investimento nas áreas estratégicas para a população como a saúde e a educação, há proposta de emburrecimento das gentes como as que se consolidam na ideia da “escola sem partido”. É a volta da agenda neoliberal, sem pruridos e sem qualquer preocupação com a maioria da população.  

Do ponto de vista da macropolítica pouco se fala dos processos de corrupção, porque agora eles não mais interessam para a classe dominante. A famosa operação Lava Jato perdeu destaque na mídia e só volta á baila se tiver alguma acusação a mais contra os “petistas do governo”. A corrupção aparece como algo praticado unicamente pelos ditos “petistas” e isso já gerou um consenso na sociedade. A tal ponto que qualquer questão vinculada ao tema, mesmo que praticada por políticos de outros partidos, vira coisa do PT.

Não dá para negar que o PT contribuiu muito para que a situação chegasse onde está, nesse momento de destruição sistemática de políticas e direitos. Por isso mesmo é hora de os trabalhadores se reorganizarem para retomar a história nas mãos. As entidades sindicais ficaram por muito tempo domesticadas, esperando que o “governo dos trabalhadores” fizesse o trabalho que era delas. Não fez. Então já está mais do que na hora de sair do estupor. Não é possível que os trabalhadores fiquem assistindo de balcão o esfacelamento de políticas e de direitos.


É certo que esses são tempos sombrios, principalmente com a proximidade das eleições. Há muita confusão na cabeça de todos, alianças improváveis, desilusões, desesperanças. Ainda assim há que ter otimismo e organizar a luta para que venha um tempo melhor. Se não estava bom com o PT, tampouco está com Temer e é nossa responsabilidade como gente organizada construir propostas e lutas. Há um caminho e há projetos que conhecemos e que nos servem. É tempo de lutar.